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Opinião|Falta coordenação ao mercado brasileiro de PPPs e concessões

Governo federal deveria recepcionar e centralizar os interesses municipais para criar um calendário com visão de médio prazo, sistematizando os interesses de quem quer desenvolver projetos de infraestrutura no mesmo segmento

Boa parte da produção intelectual sobre preparação de programas e projetos de infraestrutura no mundo todo pode ser encontrada em manuais produzidos por governos nacionais, consultorias e organismos multilaterais. A principal referência global no tema é o PPP Guide, que é uma criação do Banco Mundial e referência bibliográfica para o programa de certificação internacional em Parcerias Público-Privadas (PPPs) – o CP3P –, escrito originalmente em inglês e já traduzido para nove idiomas.

Esses manuais têm suas especificidades regionais e suas diferenças, mas praticamente todos eles, inclusive o PPP Guide, concordam sobre uma recomendação: o país precisa fazer todo esforço que for capaz para fornecer uma visão de pipeline (carteira de projetos) ao investidor.

As razões são óbvias: quando o investidor em infraestrutura tem maior previsibilidade sobre quais, quantas e quando haverá oportunidades em determinado setor, é possível produzir arranjos societários e/ou comerciais e se organizar de modo mais adequado para apresentar propostas tecnicamente melhores e financeiramente mais competitivas – sobretudo pensando na lógica do investidor internacional.

Pela forma de organização do Estado brasileiro, somos mais de 5.600 entes concedentes em potencial, considerando municípios, Estados, União e consórcios públicos. Cada qual com suas responsabilidades constitucionalmente atribuídas e com possibilidades e limitações diferentes para implementar as soluções para as necessidades públicas identificadas por cada um.

Contudo, se a política pública de infraestrutura do País é pensada de maneira isolada pelos entes concedentes, a carteira de projetos de um determinado segmento fica contaminada pela aleatoriedade, resultando em menos interesse de investidores, o que leva a menos competição (ou a competidores menos organizados), o que, finalmente, implica um custo mais alto para a sociedade ou para os usuários da infraestrutura.

Vejamos, só para exemplificar, os projetos de Parcerias Público-Privadas no setor de iluminação pública. Segundo dados do Radar de Projetos, da Radar PPP, nos primeiros dois anos e meio de mandato dos atuais prefeitos e prefeitas, foram 63 licitações publicadas. Só no primeiro semestre de 2023 foram 18. É muito provável que nenhum outro lugar do mundo tenha um mercado de iluminação pública tão ativo e com um quantitativo tão expressivo de pontos de luz quanto o Brasil, principalmente pensando em contratos de longo prazo (como são as PPPs).

Boa parte das licitações dessas PPPs conta com entidades de fomento, algumas delas ligadas ao governo federal, que se prestam a apoiar tecnicamente os entes subnacionais com estudos técnicos de maior qualidade, oferecendo segurança para uma concorrência mais sólida e competitiva (como Caixa, BNDES e Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Ocorre que, mesmo diante de uma quantidade tão expressiva de projetos, o que parece prevalecer para determinar o momento de cada licitação são a vontade isolada de cada prefeitura e o ciclo natural de preparação do projeto. Não parece haver um pensar estratégico e centralizado sobre o setor para definição do calendário da apresentação das propostas.

Por exemplo, em maio deste ano tivemos a licitação de quatro projetos de iluminação pública no Sul do País (Cianorte, Caxias, Canoas e Ponta Grossa). E ainda tinha Maringá, cuja licitação acabou sendo revogada e foi posteriormente republicada. Pouco tempo depois, no começo de julho, tivemos as concorrências das PPPs de iluminação pública de duas importantes cidades no Nordeste: Alagoinhas (BA) e Olinda (PE). Enquanto você lê este artigo, provavelmente alguma prefeitura do Sudeste acabou de lançar a sua licitação também. E, inevitavelmente, os resultados percebidos nessas concorrências interferem no humor e no apetite de quem competiu – tanto de quem ganhou como de quem perdeu.

Estamos, literalmente, vivendo um cenário em que o resultado da licitação da concessão do serviço de iluminação pública de Ponta Grossa (PR) pode influenciar sensivelmente no desconto que será dado por determinado concorrente na PPP de iluminação pública de Ribeirão Preto (SP), na semana seguinte. Isso não é um problema, se isso for uma estratégia deliberada, sopesada com prós e contras e com a compreensão clara dos riscos associados.

Não seria melhor se o governo federal, que já age decisivamente no apoio técnico aos municípios na hora de estruturar o projeto, cumprisse também um papel de recepcionar e centralizar os interesses municipais para criar um calendário com visão de médio prazo, sistematizando os interesses dos diferentes entes nacionais que querem desenvolver projetos de infraestrutura no mesmo segmento? O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), aliás, já não é claramente vocacionado para o cumprimento dessa função?

Isso reforçaria o papel de liderança do governo federal no pensamento da política pública de infraestrutura do País, forçaria a criação de sinergia e entrosamento entre Estados e prefeituras e organizaria melhor o ambiente para a realização de investimento privado em infraestrutura.

Contar com elementos de sorte para que o pipeline de infraestrutura fortuitamente assuma uma configuração ideal não é uma recomendação encontrada em nenhum manual de elaboração de projeto de infraestrutura, em lugar nenhum do mundo. Ter o governo central como um coordenador de todo este processo é.

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SÓCIO-FUNDADOR DA RADAR PPP, É GRADUADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PELA FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO E EM DIREITO PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Opinião por Guilherme Naves