O Mercosul tem pouco a comemorar na passagem de seus sofridos 25 anos. A esperança e os grandes avanços iniciais, quando o Tratado de Assunção foi assinado, em 26 de março de 1991, foram gradualmente sendo perdidos. O acordo econômico-comercial, que visava à liberalização econômica e à abertura de mercados para os produtos brasileiros, transformou-se num fórum político e social, com poucos avanços na área comercial.
Dentro de uma perspectiva histórica, poderíamos distinguir duas fases bem distintas nos últimos 25 anos. Desde a sua criação até 2002, o Mercosul expandiu-se e chegou a representar 16% do comércio exterior brasileiro. Os focos eram a agenda de comércio exterior e os avanços para uma união aduaneira. A segunda etapa, que começou com os governos do PT, em 2003, dura até hoje. Além da perda do sentido econômico-comercial original, ganhou força a visão bolivariana de que o Mercosul deveria ser um bastião antiamericano, em torno do qual todos os países da região se reuniriam para lutar contra as investidas do “império” na América Latina. O Mercosul transformou-se e ganhou uma “dimensão social e cidadã”, no jargão hoje dominante, e deixou de ter relevância para a maioria dos empresários brasileiros. Com o foco em ações políticas (criação do Mercosul Indígena) e sociais, as negociações comerciais passaram a segundo plano. O mercado dos países do Mercosul caiu abaixo de 9%, com nítido retrocesso nos avanços institucionais e na agenda externa do grupo.
Os acordos sobre residência, trabalho, previdência social, integração educacional e turismo, nos últimos 13 anos, devem ser saudados como muito positivos, por serem um ganho para os países e seus cidadãos, mas nada tem que ver com os objetivos iniciais do Mercosul. Poderiam ter sido negociados em outros fóruns, talvez até de maneira mais rápida e eficiente. O que não é aceitável é a transformação de um tratado econômico-comercial, “por inspiração política e estratégica de longo prazo”, mas, na realidade, ideológica e partidária, num “projeto de integração profundo e multifuncional”, deixando de lado os princípios do Tratado de Assunção. Esse “Novo Mercosul Multifuncional”, invenção bolivariana, inspirada e defendida por Hugo Chávez e Nicolás Maduro, nos últimos 13 anos recebeu o entusiástico apoio do Brasil.
O Mercosul foi um dos projetos que mais sofreram com a politização e a partidarização da política externa e comercial nos tempos do lulopetismo. Além de não defender os interesses das empresas brasileiras na abertura de mercados contra as restrições impostas pela Argentina, os governos petistas, subordinando o bloco às prioridades partidárias em razão de afinidades ideológicas, aceitaram a inclusão da Venezuela sem o cumprimento dos compromissos acordados no Protocolo de Adesão. Agora propiciaram o ingresso da Bolívia no bloco sem nenhum compromisso, o que justificaria a não aprovação do Protocolo de Adesão pelo Congresso Nacional.
A política ideológica e partidária colocou o interesse nacional no Mercosul longe das prioridades do governo brasileiro, como mostram os resultados negativos dos últimos anos. Apesar da retórica pró-integração e pró-Mercosul, o Itamaraty está na defensiva e sem propostas próprias para responder aos desafios institucionais e comerciais para o projeto de integração sub-regional e regional. Se o processo de integração econômico-comercial fosse de fato uma prioridade política, seria agora o momento de o Brasil reconhecer a crise institucional do Mercosul e adotar uma atitude proativa com o objetivo de modificar essa situação. Buscar formas de ampliar as cadeias produtivas de maior valor agregado e inovar na integração de alimentos, energética e de infraestrutura poderiam dar um novo alento ao bloco regional.
Os ventos de renovação política e econômica que sopram na Argentina e, mais cedo ou mais tarde, vão igualmente soprar no Brasil podem abrir novas perspectivas para uma ampla revisão da política brasileira em relação ao Mercosul. Numa visão de médio e longo prazos, o Mercosul tem de ser reinventado e voltar às suas origens. A negociação com a União Europeia que – conforme se anuncia – começará em meados de maio poderá tirar o Brasil do isolamento e permitir que haja aproximação com um grande bloco comercial. Se não avançar, para resguardar nossos interesses não restará alternativa senão examinar formas radicais de livrar o Brasil das limitações que a negociação em bloco impõe. “Mais democracia, mais inclusão social, mais cidadania, maior conhecimento recíproco, maiores facilidades de trânsito, de trabalho e de educação, comércio e investimentos são os objetivos permanentes do Mercosul. Por isso, ele é um pilar fundamental da política externa brasileira”, na retórica oficial.
Enquanto comércio e investimento vêm no final das prioridades, curiosamente a democracia encabeça a lista. É interessante notar o súbito interesse de Brasília pelos valores democráticos, quando se ignora o desrespeito aos valores democráticos na conturbada sociedade da Venezuela e se sabe da violenta intervenção em assuntos internos no Paraguai quando, dentro da legalidade, o país cumpriu preceito constitucional para afastar o presidente Fernando Lugo. Na celebração dos 25 anos do Mercosul, o governo do PT estimula pessoas e organizações regionais a se pronunciarem contra “o golpe às instituições democráticas no Brasil”. O Mercosul esteve a ponto de emitir nota nesse sentido e a ministra do Exterior de um dos países-membros afirmou que o Brasil poderia ser suspenso pela aplicação da cláusula democrática se prevalecer o impeachment. Além disso, um petista brasileiro, alto representante do Mercosul, chegou a defender a tese de que o bloco puna o Brasil.
Triste Mercosul.
* RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP