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Opinião|O Brasil cobra caro do Brasil

Operações de crédito feitas por Estados e municípios devem ser destinadas apenas a investimento público, salvo raríssimas exceções. É o dinheiro que deveria ser o ‘mais barato’ no mercado

Imagine o leitor que é presidente de um banco ao final de 2022. Entre as suas atribuições, você tem o poder de decidir qual a taxa de juros a ser cobrada nos empréstimos que o banco concede. As taxas de juros, é sabido, variam conforme a credibilidade e a solvência do tomador. De um lado, temos as Lojas Americanas, alguns meses antes da crise, mas com um balanço já conhecido das instituições financeiras. De outro, um município localizado no Estado de Minas Gerais, que recebe regularmente os seus impostos e tem um excelente rating (classificação de risco) segundo a Secretaria do Tesouro Nacional. O seu banco cobraria mais juros de quem?

O cenário não é hipotético. Enquanto, ao final de 2022, as Lojas Americanas possuíam crédito para capital de giro – uma linha de crédito geralmente mais cara do que outras formas que as empresas têm de captar recursos – à taxa de 124% do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), o nosso adimplente e bem classificado município mineiro, que buscava recursos para realizar obras públicas em prol de seus cidadãos, assumia a obrigação de pagar quase o dobro: estratosféricos juros de 230% do CDI. Detalhe importante: a instituição financeira que lhe concedera esse ganancioso empréstimo é controlada pelo governo federal.

Em estudo finalizado pelo recém-criado Instituto Cedros, foram selecionadas 30 operações, incluindo cidades médias, grandes e pequenas, além do Distrito Federal. O somatório dessas operações selecionadas representa R$ 757 milhões e, considerando os prazos e as taxas contratadas, somam entre principal e juros R$ 1,6 bilhão. Para ter uma ideia do impacto dos juros cobrados de Estados e municípios, caso considerássemos a taxa de 124% – capital de giro das Lojas Americanas – e o prazo médio de 90 meses, Estados e municípios economizariam ao fim R$ 301 milhões, quase metade do valor nominal emprestado. Aqui, o contribuinte perde duas vezes: deixa de ter essa diferença aplicada em seu favor e, ainda, tem de pagar a conta.

Esse exemplo, infelizmente, não é um caso isolado. Ao olhar com lupa todas as operações de crédito realizadas no Brasil no ano de 2022, verificamos alguns dados interessantes. O total de R$ 29 bilhões emprestados a Estados e municípios é gerenciado por apenas nove instituições financeiras, além das agências de fomento dos Estados. A expressiva maioria (43%) se divide entre Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. O restante, entre as instituições financeiras multilaterais – como, por exemplo, o BID, o New Development Bank e o CAF (32%) –; o BNDES (apenas 8%); e, em seguida, as agências de fomento estaduais. A maioria absoluta (67%) dessas operações analisadas foi concedida a entes com a melhor classificação de risco possível atribuída pela Secretaria do Tesouro Nacional: letras “A” e “B”.

Operações de crédito realizadas por Estados e municípios, por lei, obrigatoriamente devem ser destinadas apenas a investimento público, salvo raríssimas exceções. Por investimento público leia-se a construção de escolas, postos de saúde, pavimentação de ruas, entre outras coisas essenciais para o funcionamento das instituições públicas. Esse é o dinheiro que deveria ser o mais barato disponível no mercado, nem tanto pela finalidade nobre, mas sim pelo baixíssimo risco tomado pelas instituições financeiras nesse tipo de operação. Isso porque governos têm a capacidade de arrecadar tributos de forma perene. Não por menos, Benjamin Franklin já dizia: não há nada mais certo neste mundo do que a morte e os impostos. E a garantia de que esses empréstimos serão pagos, em última análise, são exatamente os impostos que não param de ingressar nos cofres públicos.

Esses números revelam um profundo problema do investimento público no Brasil. Reclama-se, com alguma razão, de que o Brasil entrega pouco ao cidadão, ao mesmo tempo que cobra muito do contribuinte. Parte disso passa, necessariamente, pelo baixíssimo valor do investimento público dos Estados e municípios. A quantia de R$ 29 bilhões em operações de crédito realizadas em 2022, quando comparada a outros países, é quase desprezível. Somente os governos locais dos EUA, por meio dos municipal bonds (títulos municipais), captam uma média de US$ 40 bilhões. A cada mês.

Mas vale a pena aos Estados e municípios brasileiros emprestar mais dinheiro dos bancos públicos com os juros que têm sido cobrados? Certamente não!

É preciso desenhar uma nova estrutura de capital para o investimento público no Brasil e compreender que há Estados e municípios que têm capacidade de captar dinheiro a taxas de juros muito mais atrativas e racionais do que a estrutura atual permite. Em primeiro lugar, é preciso aumentar a concorrência; é injustificável que os dois maiores bancos públicos concentrem metade deste mercado. Em segundo lugar, é preciso dar o primeiro passo para um novo mercado de títulos para Estados e municípios, partindo de um modelo de governança que privilegie governadores e prefeitos fiscalmente responsáveis. Serão eles que poderão iniciar a verdadeira revolução – ou acertar a bala de prata – do setor público: fomentar a economia com recursos mais baratos, propiciar níveis compatíveis com o investimento público que o Brasil merece e, o melhor de tudo, cobrar menos do contribuinte.

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FOI SECRETÁRIO DE PLANEJAMENTO, FINANÇAS E ORÇAMENTO DE CURITIBA E PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS SECRETARIAS DE FINANÇAS DAS CAPITAIS (ABRASF)

Opinião por Vitor Puppi