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Opinião|O remédio europeu contra a ‘coerção’ internacional

A proliferação desse tipo de legislação deve aumentar na esteira do enfraquecimento da OMC e de seu Órgão de Solução de Controvérsias

Desde 2014, os Estados Unidos podem aplicar sanções contra empresas de qualquer lugar do mundo que tenham negócios com a Venezuela. Em tese, a União Europeia (UE) não estaria sujeita ao arbítrio dos Estados Unidos em restringirem suas relações comerciais com um terceiro país. No entanto, o peso econômico americano faz com que empresas europeias receiem sofrer impactos sobre si das sanções americanas. Isso porque as regras do embargo aplicado pelos Estados Unidos à Venezuela preveem que empresas de qualquer lugar do mundo podem ser punidas caso façam negócios com o país de Nicolás Maduro. Os instrumentos anticoerção da União Europeia funcionariam para mitigar o impacto causado pelas medidas americanas sobre empresas europeias que transacionem com países sob sanção.

O nome adotado pela legislação europeia é bastante elucidativo. No momento que a autoridade americana pode punir uma empresa europeia por transacionar com a Venezuela, o governo americano estaria, de fato, coagindo outros países a aderirem ao embargo imposto. O remédio seria, então, medidas anticoerção (o resto do mundo chama esse tipo de medida de antissanção).

O instrumento anticoerção da União Europeia foi aprovado no dia 23 de outubro do ano passado pelo Conselho da União Europeia e vinha sendo discutido desde o fim de 2021. A legislação aprovada dispõe que tem como objetivo dissuadir a pressão por terceiros países ao bloco europeu ou a um Estado-membro, através de medidas relacionadas ao comércio ou investimento, ao autorizar a aplicação de contramedidas pela UE para combater as medidas dos terceiros.

A aplicação de contramedidas seria um tipo de retaliação. Por exemplo, a União Europeia poderia elevar o imposto de importação sobre determinado produto exportado dos Estados Unidos. Apesar da possibilidade, a legislação prevê que as retaliações serão utilizadas apenas em último caso, priorizando as negociações bilaterais para solução das controvérsias.

Além da elevação do imposto de importação, também é possível a limitação do volume exportado (cotas), a imposição de licenças de importação, a aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias, e até a adoção de contramedidas a empresas e indivíduos.

A classificação das medidas de terceiros países como coercivas será feita pela Comissão Europeia, que considerará a natureza da medida, a sua justificação e as conversas bilaterais. Em caso positivo, a UE poderá solicitar inclusive a reparação pelos danos causados. Somente caso o país se negue a repará-los e não cesse com a medida coercitiva as contramedidas serão aplicadas.

Importante ressaltar que não são somente os Estados Unidos que usam sanções comerciais contra terceiros países. Recentemente, a Lituânia sofreu restrições em suas transações comerciais com a China por ter instalado um escritório de representação em Taiwan. A China considera Taiwan como parte de seu território e não admite que se crie qualquer precedente contra seu princípio de “uma China” e, por isso, impôs restrições no comércio bilateral com a Lituânia. Nesse caso, a União Europeia poderia retaliar a China com as contramedidas previstas na legislação aprovada.

A UE não foi a primeira e provavelmente não será a última a aprovar legislações antissanção. De fato, a própria China já tem uma legislação do tipo desde 2021. A legislação chinesa inclui até o cancelamento de vistos e congelamento de ativos.

A lista de países a adotar esse tipo de legislação segue crescendo. Hoje, a legislação antissanção está em vigor na Alemanha, Letônia, Áustria, Bulgária, Malta, Bélgica, Luxemburgo, Polônia, Canadá, Portugal, China, Romênia, Chipre, Espanha, Croácia, Suécia, Dinamarca, Reino Unido, Países Baixos, França, Itália, Hungria, Estônia, República Checa, Finlândia, Irlanda, Coreia, Japão e Filipinas.

O Brasil ainda não tem nenhuma iniciativa como essa sendo discutida. Talvez o mais próximo seja o Projeto de Lei (PL) n.º 2.088/2023, do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA). Trata-se de uma legislação antissanção, mas com a especificidade de ser contra “sanções ambientais”.

A proliferação desse tipo de legislação deve aumentar na esteira do enfraquecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) e de seu Órgão de Solução de Controvérsias. Sem ter um órgão multilateral formado para dirimir questões comerciais, devem adotar respostas unilaterais, como a medida anticoerção europeia. O problema é que, quanto menor é o poder de barganha de um país ou bloco, menor é sua força para adotar medidas unilaterais efetivas.

Ainda será necessário avaliar como esse tipo de medida será aplicada. Até lá, é bastante razoável crer que esse tipo de medida tem mais efeito simbólico do que prático. O remédio europeu contra a coerção internacional parece estar bastante próximo de um placebo.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, GERENTE DE COMÉRCIO INTERNACIONAL E CEO DA BMJ CONSULTORES ASSOCIADOS

Opinião por Leandro Barcelos

Gerente de Comércio Internacional da BMJ Consultores Associados

Wagner Parente

CEO da BMJ Consultores Associados