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Opinião|Planejamento e regulação do adensamento urbano

Sem desconsiderar as críticas feitas à revisão do PDE, é importante aperfeiçoar modos de planejar, regular e gerir o adensamento urbano e a verticalização das edificações

Por Anderson Kazuo Nakano

A recente aprovação da revisão intermediária do Plano Diretor Estratégico (PDE) do Município de São Paulo trouxe discussões que já ocorreram no passado recente (2013/2014), quando surgiram críticas e denúncias contra os impactos negativos da verticalização e do adensamento urbano promovido pela construção de empreendimentos imobiliários, que destroem e substituem edificações existentes, principalmente em bairros do Centro expandido e das porções intermediárias da cidade. Essa aprovação aumenta significativamente as possibilidades de tal verticalização e adensamento urbano nas áreas de influência dos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETUs) demarcados ao redor de estações de metrô e trem e ao longo de corredores de ônibus.

Sem desconsiderar as críticas feitas à revisão do PDE, é importante aperfeiçoar modos de planejar, regular e gerir o adensamento urbano – categoria relativa à intensidade de aproveitamento construtivo, habitacional e demográfico do solo urbano – e a verticalização das edificações, categoria relativa à forma de aproveitamento do solo urbano. É importante definir as áreas adensáveis, com ou sem verticalização, bem como as áreas não adensáveis, inclusive as que fazem parte dos EETUs. Essa definição deve ocorrer tanto no espaço quanto no tempo. Assim, as áreas adensáveis devem ser demarcadas espacialmente segundo suas características e condições urbanas e os licenciamentos para o adensamento dessas áreas não devem ocorrer de uma vez, mas serem fornecidos de maneira escalonada temporalmente. É de suma importância estabelecer limites máximos nos tamanhos dos lotes resultantes de remembramentos, de modo a evitar a destruição simultânea da maior parte ou da totalidade de edificações preexistentes nas quadras da cidade.

Nas áreas adensáveis, demarcar onde o adensamento deverá ocorrer com ou sem verticalização, com ou sem renovação imobiliária. Nessas áreas, o adensamento deve ocorrer com boas qualidades urbanas, ambientais, paisagísticas, arquitetônicas e com provisões de bons espaços públicos, de encontros e de convivências que sejam seguros, confortáveis e atrativos. Para isso, é preciso regulamentar o Estudo e o Relatório de Impacto de Vizinhança (EIV-RIV) para licenciar a construção ou reforma de edificações, desde que não prejudiquem vizinhanças do ponto de vista das necessidades sociais, principalmente habitacionais, das populações vulneráveis de baixa renda; das capacidades de suporte dos sistemas de serviços, equipamentos e infraestruturas urbanas de uso coletivo, principalmente dos sistemas viários, de transporte coletivo e de equipamentos comunitários; das atividades econômicas de pequenos(as) empreendedores(as); das necessidades de proteção dos patrimônios históricos, arquitetônicos e culturais existentes; entre outros aspectos.

Nas áreas adensáveis, é importante aumentar o aproveitamento socialmente justo dos locais com boa provisão de serviços, equipamentos e infraestruturas urbanas e que estejam próximos às áreas com boa oferta de empregos. Para isso, é importante promover o acesso à moradia nesses locais para os grupos sociais vulneráveis e de baixa renda. É preciso utilizar instrumentos inovadores de políticas urbanas e habitacionais que viabilizem a provisão de terras urbanas para os(as) agentes que produzem moradias adequadas para os membros desses grupos, tais como os movimentos de luta por moradia que trabalham com a autogestão habitacional. Instrumentos que promovam diferentes formas de distribuição e acesso às moradias adequadas que incluam a locação social pública. Isso é necessário porque a cidade de São Paulo e outras grandes cidades brasileiras precisam urgentemente melhorar as condições de vida da maior parte dos(as) seus/suas moradores(as) que fazem parte da classe trabalhadora e, assim, acabar com suas profundas desigualdades socioespaciais.

Por fim, vale ressaltar um dos grandes problemas referentes ao adensamento urbano. Trata-se da divergência entre adensamento construtivo, relativo à quantidade de área construída (controlada pelo coeficiente de aproveitamento) sobre área de terrenos urbanos, e o adensamento habitacional e demográfico. Nessa divergência, partes da cidade têm altos adensamentos construtivos e baixos adensamentos habitacionais e demográficos. Aí há a “cidade oca”. Isso ocorre quando o planejamento urbano atende prioritariamente os interesses dos(as) investidores(as) imobiliários(as) que buscam maiores adensamentos construtivos. Uma característica da “cidade oca” é a existência de grande quantidade de domicílios vagos.

No município de São Paulo havia 290.317 domicílios não ocupados vagos em 2010, conforme o Censo do IBGE. Segundo os dados recentes do Censo 2022, esse número saltou para 588.978 – aumento de 102,9%! Isso é um tremendo desperdício de terras e espaços urbanos caríssimos. Inaceitável!

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ARQUITETO URBANISTA E DEMÓGRAFO, É PROFESSOR DO INSTITUTO DAS CIDADES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

Opinião por Anderson Kazuo Nakano