Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|Super Supremo

Polarização e a narrativa de um iminente risco democrático possibilitaram intromissões e uma infundada consciência de que a democracia foi salva pelo STF

Atualização:

– Saia à rua! Saia à rua! Faça o que eu faço (...)

– Eu estou na rua, ministro (...)

– Vossa excelência não está na rua, não! Vossa excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro!

Protagonizada pelo ex-ministro Joaquim Barbosa e o atual decano, ministro Gilmar Mendes, uma das mais acaloradas discussões na história do Supremo Tribunal Federal (STF) se aproxima de completar 15 anos. Diante do entrevero entre o dono da plataforma X, Elon Musk, e o ministro Alexandre de Moraes, seu clímax oferece a chance de refletir sobre uma Corte avessa ao recato, desafiadora do mecanismo de freios e contrapesos; que não raro toma decisões temerárias para a democracia.

É impossível tratar de medidas arbitrárias, voluntarismo e comportamentos inapropriados de boa parte dos integrantes do Supremo sem mencionar Jair Bolsonaro. Sua retórica autoritária e golpista não pode ser responsabilizada por vícios de conduta desde sempre íntimos da sociedade – não apenas no Judiciário. É inegável, contudo, que criaram condições para exibicionismos e impulsionaram arreganhos incompatíveis com a função de guardar a Constituição.

Neste contexto, a ex-ministra Rosa Weber destoava. Discreta e ciosa do republicanismo que o cargo exige, não há notícia de que organizasse ou mesmo frequentasse convescotes impróprios, destes em clara afronta a princípios basais como o da impessoalidade, por reunirem julgadores e réus, defensores e grupos de interesse. Ao contrário dos ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e do ex-ministro Ricardo Lewandowski, hoje ministro da Justiça, não foi vista prestigiando o samba organizado na casa do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, na festa pela diplomação do presidente Lula. Tampouco rodou pelos melhores restaurantes de Lisboa por ocasião do Fórum Jurídico organizado pela faculdade de Direito criada por Gilmar Mendes, hoje liderada por seu filho. A excursão não pecou pela ausência de membros do Judiciário, como os ministros Luís Roberto Barroso e André Mendonça, empresários e políticos proeminentes como Arthur Lira, presidente da Câmara.

Ligeireza para observar limites óbvios entre a magistratura e o pessoal também não estavam entre as debilidades de Rosa Weber. O mesmo talvez já não seja possível dizer de Toffoli, que, ao apagar das luzes do ano passado, cancelou multa de R$ 10,3 bilhões que a J&F combinou em seu acordo de leniência, firmado com o Ministério Público Federal no âmbito da Operação Greenfield. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, recorreu em fevereiro deste ano, mas, para além dos meandros da decisão, o espanto mora no fato de que Roberta Rangel, mulher do ministro, advoga para a J&F.

O que Weber fez, isso sim, ao assumir a presidência do STF, foi procurar diminuir os poderes individuais dos ministros e dar celeridade aos trabalhos, determinando que decisões monocráticas passassem a ser tomadas por colegiados e estipular um limite de 90 dias para pedidos de vista.

Para além destes e de outros tantos casos em que um absoluto despudor para com as melhores práticas e o decoro fica evidente, pasmam as decisões autoritárias e o avanço nas competências de outras esferas do Poder.

“Este é um caso que em sede de liminar é extremamente grave, porque de fato temos uma jurisprudência do STF, na esteira da Constituição, no sentido do impedimento de qualquer forma de censura”, disse a ministra Cármen Lúcia em 20 de outubro de 2022, durante julgamento sobre a desmonetização de canais bolsonaristas, proibindo a exibição do documentário Quem mandou matar Jair Bolsonaro?. A ministra, então, afirmou que a decisão era “excepcionalíssima”. Deve ter se esquecido de que, em 2019, Alexandre de Moraes censurou reportagens do site O Antagonista e da revista Crusoé que citavam o ministro Dias Toffoli. E, claro, não poderia prever que, em meados do ano passado, o ministro determinaria ao Telegram que apagasse mensagens enviadas aos usuários com críticas ao projeto de lei das fake news.

Intromissões em debates da alçada do Congresso – como descriminalizações do aborto e da maconha, marco temporal de terras indígenas e responsabilização da imprensa por declarações de entrevistados – compõem um tripé que fere a imagem da Corte.

Polarização e a narrativa de um iminente risco democrático possibilitaram intromissões e uma infundada consciência de que a democracia foi salva pelo Supremo. A ver o que pensam o morador de rua Geraldo Filipe Silveira, o portador de deficiência Wagner de Oliveira e o vendedor ambulante Elielson dos Santos, acusados de ameaça ao Estado de Direito no contexto da balbúrdia de 8 de janeiro.

Toga se parece com capa, entretanto convém não confundir. Super-heróis não estão sujeitos às leis, gozam de idolatria, seus poderes representam ameaça quando mal aplicados e, ao encontro do que erradamente Barbosa e Mendes apregoaram em 2009, atendem ao clamor das ruas. Trocando em miúdos, arquétipos de como membros da Corte mais soberana do País não devem ser ou se comportar.

*

JORNALISTA

Opinião por Mario Vitor Rodrigues

Jornalista