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Opinião|Valor justo das empresas está sob risco de extinção

Há vícios em curso no mercado tornando muito mais complexo e nuançado o jogo do ‘value investing’ clássico

Viralizou recentemente a opinião de David Einhorn, fundador da Greenlight Capital, que basicamente decretou o fim do value investing clássico, estratégia que busca identificar o valor justo de uma ação de empresa listada em Bolsa.

Segundo ele, como o dinheiro migrou muito para os fundos passivos, que, por construção, não têm qualquer opinião sobre valor ou qualidade empresarial, tudo agora se resume a uma tentativa de adivinhação sobre o preço daqui a 15 minutos.

Não há mais relação direta com os fundamentos operacionais, econômicos e financeiros. Aquilo que está subindo atrai a atenção dos fundos de momentum e continua subindo quase indefinidamente a partir desta maior demanda marginal. O caro fica cada vez mais caro, o barato cai num limbo.

Talvez haja algum exagero nas declarações, mas elas apontam na direção correta. Há vícios em curso no mercado tornando muito mais complexo e nuançado o jogo do value investing clássico.

Hoje, os fundos seguidores de tendência estão gigantescos, numa escala incomparável diante dos fundos de valor clássicos. São eles que ditam preços, em especial no curto prazo. Ocorre que “curto prazo”, para economista, é uma definição platônica, não se refere a um horizonte temporal cronológico estrito.

As variações são claramente desproporcionais a uma verdadeira mudança nos fluxos de caixa de hoje até o infinito, trazidos a valor presente por uma taxa de desconto apropriada. Em outras palavras, o valor intrínseco de uma companhia pode mudar pouco, mas a variação do preço da ação é enorme. Com CTAs enormes e fundos de ações pequenos, importa muito mais uma tentativa de antecipar qual é a próxima notícia do que propriamente quanto mudou o valor justo da empresa.

Não estou dizendo que os mercados não deveriam se mover na margem, a partir justamente da notícia marginal. O buraco é mais embaixo. Tenho observado uma dinâmica mais complexa: se uma empresa vai reportar uma próxima notícia negativa, sua ação cai desproporcionalmente ante aquilo que representaria de diminuição de seus fluxos de caixa. Tudo vira: se o próximo resultado é ruim, venda; valuation não é mais driver.

No Brasil, a situação parece ser ainda pior. A falta de profundidade e liquidez de nosso mercado ainda dá margem para que um investidor apostando contra a empresa seja suficiente para dizimar o preço da ação. Não há comprador marginal, porque o gringo está vendendo agora e os institucionais locais só tomam resgate.

A ideia original do value investing residia em tratar ações como empresas, estimar o valor justo dessas empresas e comparar com seu preço atual. Se o preço estivesse muito abaixo do valor intrínseco, projetado com conservadorismo e sob a devida margem de segurança, seria uma oportunidade de compra. A essência do processo exigia apropriar-se de uma assimetria de informação em favor do analista. Supostamente, ele seria capaz de identificar melhor que a média do mercado o valor intrínseco daquele ativo. Assim, percebendo a ineficiência e a distorção, poderia ter um lucro extraordinário e sistemático.

Com o desenvolvimento do mercado em direção à maior eficiência, com mais players profissionais arbitrando informação e modelagem, mais acesso a capital, o jogo já ficaria mais difícil.

O problema fica muito maior, no entanto, porque essa vantagem informacional não está necessariamente ocorrendo por maior diligência, capacidade de análise ou modelagem superior. Hoje há, de maneira institucionalizada, um tratamento não isonômico em termos informacionais conferido a determinados players. Em resumo, se você está entre os amigos do rei, acaba tendo acesso antes a informações relevantes das companhias.

A dinâmica é mais cheia de nuance, sutil, respeita o rito legal. Está mais na esfera ética e moral do que propriamente no campo da ilegalidade, embora, como as reuniões costumam ser presenciais e em salas fechadas, não se possa afastar a hipótese de certos cruzamentos de limites, seja de maneira deliberada ou mesmo por algum descuido momentâneo típico da espontaneidade de conversas ao vivo.

Entre ganhar dinheiro no longo ou no curto prazo, suspeito de que poucos escolheriam a primeira opção.

O value investor recorre ao longo prazo simplesmente porque é (quase) impossível ganhar no curto, quando há muito mais aleatoriedade e pouca evidência de convergência entre preço e valor intrínseco. Se ele já sabia ganhar dinheiro no curto prazo, por qual fetiche optava antes pelo longo prazo?

Algo está subvertido. Nas comunicações e lives abertas ao público, há enorme escrutínio da sociedade e do regulador (o que é correto, claro). Nada extraordinário pode ser falado, sob o risco de ofícios subsequentes. Nas reuniões privadas com os amigos da corte chegada em 1808, não há nenhum escrutínio e tudo pode ser falado. Os value investors tradam a próxima rodada de informação ou, ainda pior, uma reunião de acesso corporativo. Charlie Munger morreu foi de desgosto.

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ECONOMISTA FORMADO PELA USP, É FUNDADOR DA EMPIRICUS RESEARCH

Opinião por Felipe Miranda

Economista formado pela USP, é fundador da Empiricus Research