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Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, professor do IDP, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor executivo da IFI. Felipe Scudeler Salto escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A política fiscal vai falhar antes de começar?

Se enfiarem o pé na jaca no primeiro ano de vigência do Novo Arcabouço Fiscal, o último que sair terá de apagar a luz

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Na Warren Investimentos, projetamos um déficit primário (receitas menos despesas sem considerar os juros da dívida pública) de 0,6% do PIB, ou R$ 70 bilhões, para 2024. Como se vê, ainda distante da meta zero ou mesmo da sua banda inferior, de R$ 28,8 bilhões.

Assim, o desafio do governo é encontrar R$ 41,2 bilhões (70 menos 28,8). Não será trivial e, caso fracasse, o Novo Arcabouço Fiscal (NAF) obriga ao acionamento de gatilhos, medidas automáticas de ajuste fiscal. Disso depende a credibilidade da política fiscal.

Os últimos sinais em matéria de contas públicas foram muito ruins. Refiro-me ao anúncio das metas fiscais de 2025 e à mudança do NAF endereçada pelo próprio governo no Congresso. E são ruins porque apontam para uma disposição para gastar mais, e não menos.

O cenário para o ano não é um desastre e o governo precisa aproveitar o quadro positivo das receitas para ganhar tempo e recobrar a confiança perdida.

As receitas líquidas de transferências a Estados e municípios devem crescer ao redor de 7% acima da inflação neste ano. Os dados oficiais, de janeiro e março, indicaram um desempenho muito positivo para as receitas públicas. Quando comparadas ao primeiro trimestre de 2023, estão subindo 9,1% em termos reais.

Na minha coleta preliminar para o mês de abril feita no Siga-Brasil, do Senado Federal, vi números interessantes. Os dados de abril parecem sugerir uma alta real, ante abril do ano anterior, superior a 8%. Número elevado, ainda que inferior aos mais de 10% do relatório orçamentário publicado no final de março pelo governo.

A tributação dos fundos fechados (chamados exclusivos) e dos investimentos no exterior; a regularização da retirada do ICMS da base do PIS/Cofins, que vinha sendo feita de modo a erodir as receitas federais; o fim da bagunça na subvenção econômica baseada em benefícios fiscais do ICMS; as novas regras para transações tributárias; e o retorno do voto de qualidade no Carf (tribunal que dirime conflitos entre o Fisco e os contribuintes) estão ajudando. É a agenda escolhida pelo ministro Fernando Haddad, no ano passado, e que se mostrou uma opção bastante acertada.

Ocorre que o desempenho das receitas não está garantido até o fim do exercício corrente e parte delas não se repetirá, como no caso da tributação do estoque dos rendimentos dos fundos fechados. Entra uma vez e some. Minha avaliação é de que ao menos um terço das receitas extras obtidas será permanente. Dessas avaliações decorre minha expectativa de alta real de 7% para a receita líquida no ano.

Num cenário otimista, digamos que a receita suba 8%. Neste caso, o déficit primário projetado cairia de R$ 70 bilhões para R$ 47 bilhões, ou 0,4% do PIB. A banda inferior da meta zero, como mencionei, é um déficit de R$ 28,8 bilhões, de modo que ainda seria preciso encontrar uma ajuda adicional pela receita ou pelo gasto da ordem de R$ 18,2 bilhões.

A regra de contingenciamento de despesas discricionárias (não obrigatórias) aprovada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 leva a crer que o governo poderia congelar, no máximo, cifra pouco superior a R$ 22 bilhões. Já considero, no déficit inicial estimado, um corte de algo como R$ 7 bilhões (em relação às discricionárias do primeiro relatório bimestral). Logo, seria possível cortar mais R$ 15 bilhões.

Se o julgamento da questão da lei da desoneração da folha de pagamentos der o resultado esperado no STF, como entendo que dará, já que é flagrantemente inconstitucional, então as contas acima seriam auxiliadas em mais R$ 10 bilhões, possivelmente.

Nesse cenário otimista, a meta fiscal de 2024 seria cumprida e os gatilhos não precisariam ser acionados. Mas, se as receitas líquidas crescerem menos, como projetamos, na casa de 7%, então ainda faltaria, mesmo com a ajuda do fim da desoneração da folha e o contingenciamento nos montantes mencionados, algo como R$ 16 bilhões para o governo entregar um resultado fiscal condizente com o limite inferior da meta.

O Novo Arcabouço Fiscal prevê essa hipótese. A meta pode ser rompida, mas é preciso bancar o acionamento dos gatilhos, medidas automáticas de ajuste fiscal. O primeiro gatilho é a redução da taxa de crescimento do limite de gastos calculada para 2026 e o segundo é um conjunto de proibições de gastos novos para todos os Poderes.

Estas últimas restrições seriam acionadas de imediato (assim que o descumprimento da meta fosse verificado, no início de 2025) e seriam ampliadas (proibição de reajuste salarial e de concurso público) caso a meta fiscal fosse rompida novamente em 2025.

O governo vai bancar a regra fiscal completa? Após a edição do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, que trouxe uma meta fiscal zero que não é zero, com abatimentos contábeis de quase R$ 40 bilhões, e após o avanço da flexibilização do Novo Arcabouço Fiscal no Congresso, a credibilidade do governo está abalada.

Hoje, é bem mais difícil imaginar o acionamento dos gatilhos. Fato é que, se enfiarem o pé na jaca no primeiro ano de vigência do Novo Arcabouço Fiscal, o último que sair terá de apagar a luz. Para estabilizar a dívida/PIB, há um longo caminho. Nem começamos a debater isso. Estamos no passo zero. Falharemos antes de começar?

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ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E O PRIMEIRO DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI

Opinião por Felipe Salto

Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo

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