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Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Lei da selva no meio ambiente

Com o crescente número de desastres ambientais, surgem ações de escritórios de advocacia que escolhem jurisdições com base no potencial de grandes acordos financeiros

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Como subproduto das preocupações com as questões ambientais, começam a surgir políticas que afetam as empresas em função de medidas restritivas que, sob a justificativa de proteger o meio ambiente e reduzir a emissão de gás de efeito estufa, na realidade, são medidas unilaterais protecionistas. Por outro lado, com o crescente número de desastres ambientais, surgem ações de escritórios de advocacia na Europa e nos EUA que promovem ações coletivas contra empresas, mesmo que tenham sido feitos acordos com as comunidades locais ou com os governos.

Nesse contexto, cresce o número de ações promovidas por escritórios de advocacia, sobretudo no Reino Unido, que escolhem jurisdições com base no potencial de grandes acordos financeiros e, portanto, lucros para encerrar as disputas. Um dos escritórios que se especializou em ações coletivas estrangeiras é o Pogust Goodhead, conforme informações públicas. Identificando situações em que grandes empresas reconhecem irregularidades – como os desastres das barragens de Brumadinho e Mariana –, esses escritórios lançam ações coletivas no exterior, frequentemente com parcerias de empresas para obter financiamento para esses litígios, que podem levar anos para serem resolvidas, mas que oferecem significativos lucros. Segundo se noticiou, a Gramercy é uma empresa de investimentos (hedge fund) que recentemente fez parceria com a Pogust Goodhead.

A judicialização desses casos no Reino Unido está sendo possível pelo entendimento da Corte de Apelação, posteriormente ratificada pela Corte Suprema da Justiça britânica, de que os tribunais britânicos são competentes para julgar causas relacionadas com desastres ecológicos em outros países.

Recentemente na Espanha, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos deu ganho de causa a um grupo de 2 mil idosas, com média de idade de 73 anos, contra o governo suíço. As “Velhinhas pelo Clima” (“Seniors for Climate”), apoiadas por escritório de advocacia, reclamavam que o governo suíço tem políticas climáticas fracas e que não as protege das ondas de calor mais intensas e frequentes. A corte reconheceu o direito fundamental delas a um clima saudável, em decisão histórica.

Nos EUA, a seguradora Tokio Marine Kiln está sendo processada pelo escritório Podhurst Orseck, em nome de 40 brasileiros, pelo acidente aéreo com os jogadores da Chapecoense. Valor da ação: US$ 844 milhões.

No caso do Brasil, como a legislação permite ações contra empresas ou pessoas nacionais no exterior, o escritório britânico está movendo uma série de processos em função de desastres ambientais. Reportagens publicadas na imprensa internacional sobre as atividades da Pogust Goodhead no Brasil informam que estão em andamento em tribunais estrangeiros os seguintes casos:

1) Vale/BHP. Ação impetrada no Reino Unido contra a Vale e a BHP, em função dos prejuízos derivados do rompimento da barragem de Brumadinho.

2) TÜV SÜD (inspeção e certificação). Ação relacionada com o rompimento da barragem de Brumadinho.

3) Vale/Samarco. Ação no montante de US$ 70 bilhões contra a mineradora Samarco e sua sócia BHP, com a participação de 50% por dano de acordo com a lei brasileira, impetrada na Holanda e relacionada com o rompimento da barragem em Mariana, com impressionante mobilização, promovida no Brasil, pelo Pogust Goodhead ao conseguir 732 mil pessoas para subscrever o pedido de indenização.

4) Braskem. Ação impetrada na Holanda e relacionada com danos ambientais em Maceió, cuja compensação foi considerada inadequada.

5) Norsk Hydro. Ação impetrada na Holanda e relacionada com danos ambientais com efeito sobre a população no Brasil (contaminação da água na produção de alumínio).

6) Cutrale, Citrosuco e Louis Dreyfus. A ação foi impetrada no Reino Unido por plantadores de laranja por alegada formação de cartel e fixação de preço.

As decisões adotadas no exterior envolvendo empresas brasileiras têm de ser homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os tribunais estrangeiros geralmente aplicam a lei do país onde o dano ocorreu, mas são escolhidos porque são processualmente favoráveis aos requerentes ou incentivam acordos. O problema maior é para a empresa que têm subsidiária no exterior ou associados estrangeiros. As ações coletivas estrangeiras podem continuar mesmo que um acordo tenha sido alcançado entre os requerentes e os réus. Esse tipo de litígio é, na realidade, uma distorção do sistema legal, com o objetivo de lucro.

Se, do ponto de vista legal, as ações estão fundadas em bases jurídicas que podem ser contestadas – mas difíceis de reverter – do ponto de vista econômico, vão representar um custo adicional, a ser coberto no exterior, pelo acompanhamento da disputa, que pode se estender por muito tempo, e pelo pagamento aos demandantes, se perderem a ação.

Em um mundo de rápidas transformações e globalizado, impressiona o oportunismo e a ganância desses operadores, com fortes consequências para pessoas físicas e jurídicas brasileiras. Se essas ações continuarem, o problema vai crescer pela ameaça à soberania e aos interesses nacionais. Não será surpresa se a tragédia ambiental no Rio Grande do Sul vier a atrair a atenção desses escritórios.

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PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

Opinião por Rubens Barbosa

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

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