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Opinião|Desnorteados que perderam seus sobrenomes corporativos: criem os seus próprios reinos

Caso o seu talento não esteja sendo utilizado por algum empregador, utilize-o para criar um negócio próprio ou ainda em consultorias, mentorias e oportunidades em novas empresas

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Atualização:

"Você está na presença de Daenerys, nascida na tempestade, da Casa de Targaryen, a herdeira legítima do Trono de Ferro, rainha legítima dos Ândalos e dos Primeiros Homens, protetora dos Sete Reinos, Mãe de Dragões, Khaleesi do Grande Mar de Grama, a Não-queimada, a Quebradora de Correntes." - anuncia Missandei, ao apresentar sua líder à dupla que se aproxima do trono.

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Chega o momento de se apresentar, e o jovem guerreiro, sem saber como agir, olha inseguro para seu assistente, Sor Davos, que após pausa apenas anuncia: "Esse é Jon Snow". E, após outro silêncio, complementa brevemente: "Ele é o... rei do norte...".

Mesmo quem não acompanha a série Game of Thrones, talvez já tenha presenciado este tipo de desconforto. A cena é cada vez mais corriqueira. A pessoa, bem vestida, está na recepção do prédio, na fila, esperando para ser atendida e posteriormente ser encaminhada para o andar desejado. "Nome?" - pergunta o(a) recepcionista. RG? - continua, sem encará-la. "De onde?" - questiona novamente. Neste momento, diante do silêncio do constrangido visitante, o(a) recepcionista levanta os olhos e modifica a pergunta: "Como posso anunciá-lo?". "É que... eu vim para entrevista de uma vaga" -  responde, com um certo incômodo, o interessado no emprego.

Os atores Kit Harington e Emilia Clarke na série Game Of Thrones. Foto: Helen Sloane/HBO

Muitos só notarão este desconforto quando estiverem desempregados e precisarem entrar em um prédio empresarial, onde devem ser anunciados com antecedência. Este desconforto também é observado nas redes sociais profissionais. São cartões de "visita" só com o nome, e-mail e telefone celular e perfis de Linkedin inexistentes, apagados ou abandonados. A perda do sobrenome corporativo gera aflições pontuais agudas quando o desempregado precisa se movimentar socialmente. Por serem públicas, estas dores tornam-se mais incômodas do que o próprio desemprego.

Para muitos, este ciclo se torna viciosamente negativo, minando o orgulho pessoal e reduzindo suas capacidades para atingir novas conquistas.  Neste caso, não ter um emprego, para os que se engaiolaram neste tipo de conceito, é perder o norte profissional que os guiaram até àquele momento. E socialmente, tudo isto é resumido em não ter mais um sobrenome profissional. Você não é mais o José das Neves do Itaú, da Nestlé ou da P&G. É apenas o José... E agora, José?

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Para os que (ainda) têm ou já não possuem sobrenomes institucionais, o encontro de Jon e Daenerys são exemplos de quem encontrou algo por que lutar ou um sonho para conquistar. Só os profundamente aficionados pela série Game of Thrones lembraram que ali havia trajetórias invertidas, mas vencedoras de pessoas e seus personagens. Kit Harington, ator que representa Jon Snow, nasceu literalmente com sobrenome e padrão de vida pertencente à nobreza inglesa. Seu pai, Sir David Richard Harington, é descendente do rei Carlos II de Inglaterra. Quando optou por ser ator, estudou e construiu uma carreira consistente atuando em filmes como Pompéia e (premonitoriamente) Como treinar seu dragão 2.

Mas, seu personagem em Game of Thrones foi apresentado como um filho bastardo que, distanciado pela sua família, só conseguiu o pior emprego dos Sete Reinos, como guarda de muralha em uma região congelada. Da função mais rejeitada à aclamação de rei de toda a região, Jon, como todo personagem heroico, sempre foi proativo, corajoso, leal, mantendo-se inabalável e lutando para construir um mundo sempre melhor. É a mesma trajetória (ou pelo menos o discurso) de muitos empreendedores bem sucedidos ao redor do mundo. Neste caso, o objetivo é sempre se manter alerta pois o inverno está chegando! Ou, nas palavras de Andy Grove, só os paranoicos sobrevivem. Isto vale para o profissional nos cargos mais simples ao lendário CEO da Intel.

 A atriz Emilia Clarke em cerimônia do Oscar 2019. Foto: REUTERS/Danny Moloshok

A trajetória de Emilia Clarke, a poderosa Daenerys Targaryen, é ainda mais inspiradora. Não por todos os títulos mencionados pela sua assistente e conselheira Missandei sobre sua personagem, mas por ela lutar para realizar seu sonho de ser atriz. Aos 10 anos, quando disse ao pai que gostaria de seguir esta carreira, ele disse que deveria então decorar apenas uma frase: "Acompanha (batatas) fritas?". Pois não conseguiria emprego como atriz e passaria a vida trabalhando em um balcão de restaurante. Isto a marcou e, ao invés de abalá-la, a incentivou a estudar seriamente dramaturgia. Mas, durante muito tempo, seu pai estava certo. Ela trabalhou em bares, restaurantes e empresa de call center. "Você pega qualquer emprego quando precisa pagar o aluguel" - diz. Até que um dia fez um teste para participar de uma nova série da HBO.

Alguns alegarão que agora Emilia Clarke terá o sobrenome "The Game of Thrones", mas quem conheceu a QI'ra, sua personagem em Star Wars, sabe que ela está construindo o seu próprio reino com base em algo que todos temos: talento.

E, se agora o seu talento não estiver sendo utilizado por algum empregador, utilize-o para criar o seu próprio reino, seja por meio de um negócio próprio, ou ainda em consultorias, mentorias, oportunidades em novas empresas, startups, entidades não governamentais e trabalhos voluntários.

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* Marcelo Nakagawa é Professor de Inovação e Empreendedorismo do Insper.

Opinião por Marcelo Nakagawa
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