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Brechós crescem, superam preconceito e chegam a shoppings vendendo roupa usada a R$ 70

Negócios ganham público no pós-pandemia; especialistas veem incentivo a consumo sustentável, mas apontam necessidade de políticas estruturais para moda circular

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Foto do author João Scheller
Por João Scheller
Atualização:

Trancados em casa, em meio ao primeiro ano da pandemia de covid-19, o publicitário Diego Mazon, 38, e sua esposa, a designer de moda Maria Gedeon, 28, passaram a refletir sobre a possibilidade de trabalhar em um negócio próprio. O novo empreendimento deveria estar conectado com algum tipo de propósito e ser funcional em meio às restrições sanitárias vigentes na época. O crescimento do setor de roupas de segunda mão ganhou impulso no Brasil durante este período e foi um propulsor para o casal investir em seu próprio brechó online.

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Mal eles sabiam que menos de três anos depois a Emigê - nome inspirado nas iniciais de Gedeon - estaria presente em um shopping center na avenida Paulista, competindo pelo público de grandes varejistas de roupa e lojas de grife. “Muitos que entram nem sabem que se trata de peças usadas”, diz Mazon, em meio às araras da unidade recém-inaugurada no Shopping Center 3.

Ele conta que os clientes - em sua maioria mulheres - buscam o brechó por peças mais autênticas, além do menor custo. “O brechó traz essa exclusividade. É praticamente impossível você encontrar alguém com aquele corte, com aquela peça que você está usando, além da acessibilidade de preço”, afirma o empresário, citando o valor médio cobrado pelas peças da Emigê, que é de cerca de R$ 70.

Brechó Emigê, fundado pelo casal Diego Mazzon e Maria Gedeon, começou como e-commerce na pandemia e abriu segunda unidade física no Shopping Center 3, na avenida Paulista Foto: João Scheller/Estadão

Mercado de roupas de segunda mão cresceu na pandemia

O movimento de chegada desses espaços aos shoppings ocorre junto ao crescimento do mercado de segunda mão no País durante a pandemia. Somente entre os primeiros semestres de 2020 e 2021 houve um aumento de 48,38% na abertura de estabelecimentos que comercializam peças usadas, segundo estudo do Sebrae, com dados da Receita Federal.

A receita bruta com a venda de produtos usados também cresceu 23% entre 2019 e 2021, de acordo com levantamento da Confederação Nacional do Comércio com dados do IBGE.

Soma-se a isso, um aumento de interesse do público, acompanhado da mudança de perfil dos shoppings centers, o que permitiu a chegada desses negócios em espaços que antes eram mais restritivos.

Shoppings antes não aceitavam loja de roupa usada

A rede de brechós Peça Rara viu essa realidade de perto. Após ter um crescimento consistente nos primeiro oito anos de operação, com a abertura de sete unidades em diferentes áreas de Brasília, a empresa enfrentou resistência de um shopping center da cidade em receber uma unidade da marca.

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“Eu marquei uma reunião e não fomos mal recebidos, mas não nos deram abertura. Disseram que não havia loja disponível, mas eu sabia que existiam espaços vagos”, conta Bruna Vasconi, fundadora e CEO da Peça Rara, sobre o encontro que teve em 2015.

Seis anos depois, durante a retomada do setor no pós-pandemia, o mesmo shopping a procurou para inaugurar uma unidade da marca no espaço.

Hoje a Peça Rara se tornou franquia e conta com 85 lojas espalhadas pelo País, sendo cinco delas em shoppings - no Distrito Federal, Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo. Na capital paulista, a marca conta com uma unidade no Morumbi Town, na Zona Sul.

A rede, que começou com foco em roupas femininas e infantis, hoje oferece também opções para o público masculino e de decoração para casa. As peças são vendidas, em média, a preços 40% mais baixos do que se fossem compradas novas.

Pessoas notaram que não precisam de tantas coisas

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O crescimento da marca, que faturou R$ 96 milhões em 2022 e tem como sócios o empresário José Carlos Semenzato e a atriz Deborah Secco, dá o tom da mudança pela qual o setor de brechós passou desde a abertura da rede em 2007.

“Acredito que as pessoas se deram a oportunidade e tiveram tempo de rever muitos hábitos, dando-se conta do excesso de coisas que acumulam e talvez vendo que não tinham mais necessidade de ter tanto”, afirma Vasconi. “Quando a gente voltou do lockdown, a procura pelas nossas lojas foi absurda”, completa.

A mudança de comportamento dos consumidores e o desenvolvimento do modelo de franquias da marca - que ocorreu durante a pandemia - fizeram com que a Peça Rara visse um crescimento expressivo nos últimos anos. A previsão de faturamento para 2023 está na casa dos R$ 150 milhões.

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Tendência de consumo de roupas usadas

Para a coordenadora da pós-graduação em Moda da Faap, Marília Carvalhinha, a chegada dos brechós aos shoppings acompanha uma tendência de aumento de consumo de produtos de segunda mão. Em geral, se trata de consumidores que alternam a compra de peças novas e usadas com muita naturalidade.

“Existem pessoas que são superadeptas e migram tranquilamente entre roupas novas e usadas. Acho que principalmente é uma cultura das novas gerações. Há também pessoas que vão atrás do brechó justamente pela ideia de garimpar alguma coisa legal”, explica.

Segunda ela, do ponto de vista mercadológico, os shoppings trazem o fluxo necessário para impulsionar as operações e podem se tornar uma alternativa menos custosa de manter as operações de um negócio com ticket médio baixo.

“No caso dos brechós com roupas populares que estavam só no digital - e têm um problema de rentabilidade efetivo -, ir para o shopping é uma possibilidade, um caminho para encontrar essa viabilidade”, afirma Carvalhinha.

Crescimento rápido levou brechó online para shopping na Paulista

A Emigê começou com uma porção de peças usadas do casal fundador e se transformou em um negócio funcional em pouco meses.

Em 90 dias, a empresa já tinha um funcionário contratado e, no início de 2021, teve que alugar um endereço comercial para dar conta do volume de peças recebidas e vendidas. A loja opera, como boa parte dos brechós, comprando roupas usadas de clientes e as revendendo.

No mesmo ano, a Emigê abriu sua primeira unidade física, uma aposta para fortalecer a marca e se diferenciar dos concorrentes que surgiram no e-commerce durante a pandemia.

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Construída em uma antiga casa com uma grande fachada de vidro e a poucos metros do Beco do Batman, ponto turístico da capital paulista, a loja da Vila Madalena viria a se tornar o carro-chefe de vendas da companhia.

Cerca de dois anos depois, as vendas on-line da Emigê seriam incorporadas ao site da Dafiti, um dos maiores e-commerces de moda da América Latina, enquanto a segunda unidade física seria inaugurada em um shopping na avenida Paulista.

Diego Mazzon e a esposa, Maria Gedeon, fundadores do Brechó Emigê Foto: João Scheller/Estadão

Se a imagem de uma loja vendendo roupas usadas ao lado de lojas caras e uma unidade do McDonald’s na praça de alimentação pudesse soar deslocada até pouco tempo atrás, hoje já começar a fazer parte da realidade de diferentes shoppings centers do País.

Essa presença maior, porém, não significa, necessariamente, uma rentabilidade que cubra completamente os custos - ainda altos - desses espaços.

“Temos muitas propostas para estar em shoppings, mas ainda não conseguimos aceitar todas por melhor que seja o negócio. Os aluguéis e condomínios dos shoppings ainda são muito elevados, e temos que considerar muito. A negociação precisa ser favorável para os dois lados”, afirma Bruna Vasconi.

Preço baixo é maior atrativo, apesar de discurso sustentável

Apesar da importância dos brechós para a difusão de uma cultura mais sustentável, especialistas apontam que a reutilização das peças é uma mudança de mentalidade que atinge somente uma das frentes do problema de se repensar o consumo de roupas e que o consumo nos brechós está mais ligado aos baixos preços.

“Existem brechós que adoram se vender como mais sustentáveis, mas, pelo lado do cliente, ele compra porque é barato e não, necessariamente, porque é mais sustentável”, afirma Carvalhinha.

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Ela cita que esses espaços podem contribuir de alguma forma com a expansão dos conceitos de sustentabilidade, como o incentivo ao uso de peças por um maior número de vezes, mas não atacam os problemas como um todo.

“A visão do modelo de brechós não enfrenta o problema na raiz”, diz Luisa Santiago, diretora para América Latina da Fundação Ellen MacArthur, referência mundial em economia circular.

“Na economia circular, que vai para além da sustentabilidade, pensamos em redesenhar a economia para que ela não polua, não gere resíduos, circule os materiais em seu mais alto valor e regenere a natureza. Olhando desse ponto de vista, o movimento de brechós não tem a ver com construir essa economia necessariamente”, complementa Santiago.

Ela afirma que, com a baixa qualidade do material das roupas, o alto nível de descarte de resíduos continua existindo, mesmo que sejam adquiridos nos brechós.

A especialista cita os padrões de qualidade que esses espaços exigem, que não estão necessariamente alinhados com o reaproveitamento das peças usadas e mais voltados para a revenda de peças com pouco uso.

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