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Mercado de podcast impulsiona a criação de pequenas produtoras de áudios no País

Ao lado de gigantes do setor, empresas apostam na diversificação para atrair investidores e garantir receitas

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Foto do author Jayanne Rodrigues
Por Jayanne Rodrigues
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Qualquer pessoa pode criar um podcast do zero. Basta ter um celular e acesso à internet. Por outro lado, os programas mais escutados do Brasil tiveram investimento robusto. Eles foram desenvolvidos por produtoras independentes, que não disputam espaço com as gigantes do segmento de áudio, mas apresentam produções com potencial para estar lado a lado com as plataformas. Porém, o mercado ainda requer jogo de cintura dos empreendedores.

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Para se consolidar no setor, as produtoras de podcasts entenderam que precisam diversificar estratégias para atrair investidores. “A gente não segue um padrão, a nossa prioridade é a qualidade do conteúdo”, afirma Juliana Dantas, cofundadora da Rádio Guarda-chuva, empresa criada em 2019, e que hoje reúne dez projetos recorrentes.

Cada programa tem uma forma de custeio. Desde então, Juliana e os outros três cofundadores Gabriela Mayer, Renan Sukevicius e Tomás Chiaverini, dedicam-se a tornar a receita da produtora sustentável. O planejamento financeiro inclui participação em editais e programas de aceleração, financiamento coletivo dos ouvintes, anúncios, além da oferta de serviços personalizados, como produção de podcasts corporativos, consultoria para empresas, orientação de boas práticas e cursos.

Cofundadores da Guarda-chuva apostam em receita diversificada para consolidação no mercado. Na foto, da esquerda para a direita: Juliana Dantas, Tomás Chiaverini, Gabriela Mayer e Renan Sukevicius. Foto: Helton Nóbrega/ Rádio Guarda-Chuva

Entender as facetas de um mercado ainda emergente não é fácil. Até a precificação era algo nebuloso no começo. Para driblar ruídos no segmento, a empresa usa um método antigo: o famoso “boca a boca”. Este modelo parece funcionar como uma teia em todas as produtoras. “Não existe rivalidade. Nós trocamos muito e fazemos indicações. O que existe é a convergência de objetivos”, diz Gabriela.

Com seis podcasts na etapa de produção, em 2023 será a primeira vez que a empresa irá abrir seleção para contratar funcionários. Eles já sabem como viabilizar esses gastos. “A ideia é bater na porta dos tocadores (Amazon, Deezer, Orelo e outras) e nas agências”, comentam as sócias Juliana e Gabriela.

Vender o “peixe” na praça para levantar investimentos e conseguir patrocinadores é um recurso adotado pelos fundadores da Trovão Mídia. Por meio desse método, a empresa conseguiu firmar parceria com grandes corporações de áudio. A produtora está por trás dos programas Pavulagem, original Spotify, e Pico dos Marins, do Globoplay, ambos conquistaram o título de melhores podcasts novos de 2022, segundo seleção do Spotify.

Os sócios Ana Bonomi e José Orenstein fizeram uma manobra atrevida. De áreas distintas, a dupla decidiu migrar de carreira para lançar a Trovão. Foram cinco anos de maturação até o lançamento em 2020, às vésperas da pandemia. A produtora soma mais de 30 produções, distribuídas entre originais e colaborações.

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José Orenstein, à esquerda, e Ana Bonomi, cofundadores da Trovão Mídia, encontraram um mercado em expansão quando começaram as atividades da empresa na véspera da pandemia. Foto: Daniel Teixeira/Estadão Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Neste intervalo, os empresários apontam uma mudança significativa: o aumento da demanda. Por consequência, o interesse de atingir mais ouvintes. “Se tivesse um desejo para 2023, seria ter mais audiência com projetos de alta qualidade”, almeja Ana. Somente no Spotify, são mais de 4,7 milhões de títulos de podcasts sobre variados temas. Para captar a atenção do ouvinte, Ana e José apostam no ponto central da produtora: o cuidado intimista em todas as etapas das produções. “A gente consegue entregar projetos de uma produtora de musculatura sem perder o contato íntimo com os colaboradores e (empresas) parceiras”, resume a dupla.

A Trovão tem uma estagiária e mantém o modelo de equipes rotativas, recrutadas para projetos específicos. Atualmente, eles estão trabalhando em oito podcasts, alguns ainda não foram lançados. Apesar de não revelar os custos de produção dos programas, os cofundadores afirmam operar no azul: “Estamos saudáveis financeiramente”. Para acompanhar a vida monetária da Trovão, os empresários contrataram uma consultoria para auxiliar na receita da produtora.

Entres erros e acertos para se manter à margem dos investidores, eles avaliam que o mercado não está saturado. “Tem espaço para novas produtoras. É um setor, de modo geral, colaborativo. Está todo mundo construindo junto”, ressaltam. O que ainda precisa ser aperfeiçoado é o modelo de remuneração de podcast no Brasil, afirma Andreh Jonathas, presidente da Associação Brasileira de Podcasters (AbPod). “Até 2018 existiam poucos podcasts. Depois disso, entraram grandes empresas e houve uma certa transformação com maior chance de ser uma atividade econômica com mais gente participando”, contextualiza Jonathas.

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A cofundadora da Rádio Novelo, Branca Vianna, concorda. “Ainda tem muita gente no Brasil que não ouve podcast. Então, quanto mais podcast de qualidade tiver mais pessoas vão vir escutar”. Fundada em 2019, pelas jornalistas Branca Vianna e Paula Scarpin, a Novelo é responsável pelo feito de 3,2 milhões de downloads da série Praia dos Ossos, que detalha o contexto criado em torno do assassinato da socialite Ângela Diniz, morta em 1976. Os dados reúnem players desde o lançamento em setembro de 2020. Os gastos da produção não foram divulgados, mas permitiu a contratação de uma equipe formada por cerca de 40 pessoas.

Branca avalia que a chegada das corporações de áudio no Brasil foi fundamental para captar projetos que exigem maior investimento. “Isso dinamiza o mercado, porque essas plataformas estão sempre querendo projetos novos”, pontua. Mas o caixa da Novelo não depende de uma única receita. Eles alternam entre anunciantes, marcas, produção de podcasts para clientes, financiamento de fundações, além de parceria com instituições.

O novo podcast da produtora é o Rádio Novelo Apresenta, uma aposta para contar histórias de diferentes regiões do Brasil. Da esquerda para a direita: Branca Vianna, Tiago Rogero, gerente de Criação, Vitor Hugo Brandalise, produtor sênior, e Paula Scarpin, diretora de Criação. Foto: Rádio Novelo/Divulgação

A série Praia dos Ossos já foi licenciada para adaptações, com possibilidade de virar produção cinematográfica. Este ano, a produtora alcançou a marca de 30 podcasts, entre originais e em parceria. No quadro de funcionários, a Novelo emprega quase 20 colaboradores fixos. Este é o maior número dentre as produtoras entrevistadas para a reportagem.

O trabalho mais recente da empresa é o Rádio Novelo Apresenta, uma aposta ambiciosa da equipe para trazer narrativas de vários lugares do País. “A gente fica no Sudeste, falando sobre o Sudeste, com pessoas do Sudeste. Não tem por que a gente não querer ouvir histórias de outras lugares. Então, temos essa missão de ter mais contato com todos os ouvintes do Brasil”, aponta.

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Embora não tenha estatísticas consolidadas da quantidade de empresas de podcasts no País, a Associação Brasileira de Podcasters estima que o Sudeste concentra 54,21% dos podcasters, em segundo, o Nordeste, com 19,1%, segundo dados referentes ao anos de 2020 e 2021. O que não necessariamente significa que esses sejam os números de empresas. Na vanguarda desses territórios fora do eixo Sudeste, estão as produtoras Griô Podcasts e Malamanhadas. Elas não são as únicas, mas integram uma nova geração engajada em produzir conteúdos para além das capitais e grandes metrópoles.

Podosfera descentralizada

Fortalecer o cenário da podosfera nordestina e romper fronteiras. Esses são os desafios da Malamanhadas, que começou como podcast em 2018 e, em 2021, as sócias Aldenora Cavalcante e Ananda Omati deram mais um passo e transformaram o programa em produtora. A expansão aconteceu por conta da lacuna da área no Piauí. “A gente pegou um cenário que não estava desenvolvido e investiu”, conta Ananda. Em menos de dois anos, a Malamanhadas conduziu oito projetos.

Pioneiras na produção piauiense, as sócias esperam aumentar a receita com editais e a entrada de mais projetos em parceria. Na foto, da esquerda para a direita: Aldenora Cavalcante, Ananda Omati, Jade Araújo e Jhoária Carneiro. Foto: Rudá Oliveira/ Malamanhadas

O protagonismo da empresa foi uma oportunidade para as cofundadoras alcançarem outros Estados do Nordeste. O trabalho colaborativo é um dos pilares da empresa. “A gente conta com apoio de comunidades, de redes de podcasts nordestinos que indicam e divulgam nosso trabalho”, diz. Assim como as produtoras de outras regiões, na Malamanhadas são ofertados serviços personalizados e a criação de podcasts desde a concepção até a distribuição.

Após o ano de estreia no mercado, elas esperam ampliar a divulgação da produtora para pagar o salário das duas integrantes - Jade Araújo e Jhoária Carneiro -, e criar novos podcasts originais. “A gente está projetando construir novas receitas e aumentar a visibilidade para receber mais propostas”, sinaliza Ananda. A meta da empresa também tem a ver com profissionalização.

Atualmente, o setor não está incluso na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). Essa realidade está perto de mudar, atesta o presidente da AbPod. “Estamos trabalhando para definir essa cadeia produtiva. Vai facilitar muito, além de dar relevância e peso para quem trabalha na área”, garante.

Com um investimento inicial destinado à produtora, Caio cresceu rapidamente de MEI para microempresa. Foto: Caroline Lima/Divulgação

“Tudo que eu faço hoje tem a ver com podcast”, diz Caio Santos, fundador da Produtora Griô. Graduado em Ciência Política, ele vivenciou uma virada de chave quando lançou em 2021 o Chié, podcast documental sobre uma comunidade do Recife. A guinada veio após participar do Sound Up, programa do Spotify que seleciona jovens negros e indígenas para desenvolver histórias em áudio, com possibilidade de se tornar um produto original da plataforma. Caio foi um dos premiados do projeto e direcionou a grana para tirar do papel a Griô, metáfora utilizada como tecnologia ancestral do negócio.

Com um investimento inicial, ele cresceu com mais rapidez de MEI para microempresa. Mas empreender em um setor que ainda está no começo tem seu preço. “É difícil convencer pessoas nordestinas e negras a continuarem efetivamente no segmento”, lamenta. Além desse fator, Caio também precisou enfrentar o problema de precificação encarado por outras produtoras e a resistência das empresas entenderem o valor dos projetos.

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Essas dificuldades pesaram, e as alternativas encontradas surgiram da parceria com outras produtoras, como a Novelo e a Trovão. Junto com produtores recém-chegados no mercado, o empresário também planeja estruturar um selo para apoiar negócios feitos por pessoas pretas e indígenas.

Até agora a Griô participou de 12 projetos. Por enquanto, Caio não tem funcionários fixos na produtora, mas com o dinheiro que entrou no caixa no decorrer de 2022 a meta é contratar colaboradores e abrir um estúdio de gravação na capital pernambucana. Ele está de olho na nova tendência do setor: vídeocast. “A audiência massiva está consumindo esse formato”, diz. Mesmo assim, ele não descarta a paixão pelo formato narrativo que o fez adentrar no universo do áudio.

“A forma como você conta a narrativa do podcast é a grande mágica da produção de conteúdo, é o barato da coisa. Tudo isso vai criando particularidades dentro das produtoras”, diz ao matutar sobre os próximos projetos da Griô em paralelo ao volume de podcasts lançados nas plataformas.

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