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Análise: Julgamento sobre direito ao esquecimento reafirma garantias individuais

O plenário do STF reiterou o sistema de liberdades públicas presente no texto constitucional

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Por Guilherme Amorim Campos da Silva

O Supremo Tribunal Federal decidiu por maioria de votos nesta quinta-feira, 11, contra o reconhecimento do chamado “direito ao esquecimento”, no âmbito do julgamento de um recurso extraordinário com repercussão geral. A ação, como amplamente divulgado, foi ajuizada por familiares da vítima de um crime ocorrido há mais de 50 anos que se opunham à exibição de um programa televisivo que revolveria fatos, informações, imagens e detalhes dos acontecimentos, inclusive com reconstituições cênicas.

O estabelecimento de efeitos do julgamento com repercussão geral implica afirmar que a decisão colegiada orientará e vinculará normativamente todas as demais instâncias do Poder Judiciário nacional. À luz das normas confrontadas da Constituição Federal, portanto, isto significa estabelecer o alcance dos seus efeitos normativos a partir da interpretação que o plenário do Supremo Tribunal Federal estabeleceu com este julgamento em relação aos dispositivos constitucionais tidos por violados.

O presidente do STF, Luiz Fux, durante julgamento sobre o direito ao esquecimento Foto: Nelson Jr./STF

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Por 9 x 1, o plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu que o denominado “direito ao esquecimento” é incompatível com a Constituição Federal. Não votou o ministro Luís Roberto Barroso e ficou vencido o ministro Edson Fachin.

Todos os ministros que votaram no sentido de reconhecer a incompatibilidade da existência de um direito ao esquecimento concordaram que a discussão recai sobre normas constitucionais protetoras de direitos e garantias individuais.

De um lado, ao se buscar a proteção da privacidade e da possibilidade de se apagar dados relativos ao indivíduo de bancos de dados públicos, a partir de requerimentos de particulares, a discussão sobre a extensão dos direitos assegurados no artigo 5, X da Constituição que preserva a inviolabilidade do direito à intimidade, à vida privada e à imagem das pessoas.

De outro lado, parecendo confrontar esta possibilidade, a ampla liberdade de manifestação do pensamento e da liberdade de informação, com vedação da censura, também assegurada em dispositivos constitucionais, no artigo 5º, incisos IV, IX, XIV e artigo 220, §§1º e 2º da Constituição Federal.

Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes abordou, de forma expressa, a impossibilidade de se utilizar como parâmetros as normativas existentes no Regulamento (UE) 2016/679, de 27 de abril de 2016, da União Europeia, que afirma a existência de um direito ao esquecimento sobre dados disponíveis e consentidos, mas que os ressalva justamente em relação ao exercício da liberdade de expressão e de informação (artigo 17º).

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O plenário do Supremo Tribunal Federal reafirmou o sistema de liberdades públicas presente no texto constitucional, pressuposto de um regime de responsabilidade democrática no exercício de direitos: é ampla a liberdade de informação, manifestação do pensamento, sendo que qualquer restrição prévia se assemelha ou equivale à censura. Este é o teor do conjunto normativo que orienta a manifestação da Corte. E é neste sentido que se reconhece a incompatibilidade de um direito ao esquecimento: pela impossibilidade de evitar o consequente daquela premissa. A verificação do exercício do direito, que pressupõe sempre a responsabilização do seu autor pelos excessos e abusos eventualmente cometidos.

Por esta razão que a tese afirmada no plenário nesta quinta-feira repisa a lógica de que “eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”, mesmo em relação àquelas notícias ou eventos que abordem fatos ou personagens distantes no tempo, desde que o tratamento da informação tenha sido obtido de forma lícita, ou em banco de dados público.

A decisão plenária ainda traz outra consequência, a par de vincular instâncias do Poder Judiciário nacional: previne eventual processo legislativo que venha produzir normas disciplinadoras de tratamento de dados, em banco de dados públicos, em sítios, mídias eletrônicas ou digitais que possam tangenciar o conceito referenciado no direito ao esquecimento.

Isto porque, em que pese a tese pronunciada deixar claro que o sistema constitucional trabalha de forma repressiva, caso a caso, mediante uma lógica de eventual reparação de abusos, vinculou, também, a incompatibilidade normativa do denominado direito ao esquecimento com o sistema constitucional.

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Isto implica a afirmação de que qualquer conteúdo normativo que, de forma geral, procure disciplinar o trato de informação que possa ter repercussão pública ou perante terceiros configura, em tese, controle prévio de informação e, portanto, é antijurídico à luz da ampla liberdade de acesso à informação e divulgação de ideias assegurado no texto constitucional.

Evidência desta lógica deôntica está presente no raciocínio externado pela ministra Cármen Lúcia, quando afirmou como ínsito a um princípio da solidariedade às gerações (próprio do capítulo do Meio Ambiente, mas que, segundo a ministra, perpassa toda a Constituição) a impossibilidade do reconhecimento sistêmico a um prolatado direito ao esquecimento, pois isto se constituiria em censura presente de fato passado.

O julgamento revela a reafirmação em peso, por parte da amplíssima maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, do conjunto de direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal como conjunto normativo fundante e vetor de orientação para os poderes constituídos da República.

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*SÓCIO DE RUBENS NAVES, SANTOS JR. ADVOGADOS. DOUTOR EM DIREITO, ADVOGADO. AUTOR DO LIVRO 'USO DE PRECEDENTE ESTRANGEIRO PELA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL'

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