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Anatel pagou R$ 279 mil para conselheiro turbinar currículo com cursos e viagens ao exterior

Entre fevereiro e junho, Alexandre Freire já viajou para oito países. Ele esteve em Barcelona (Espanha), Tel-Aviv (Israel), Roma e Milão (Itália), Miami (Estados Unidos), Helsinque (Finlândia), Estocolmo (Suécia), Cidade do México (México) e Lisboa (Portugal). Na prática, passou 52 dias fora do Brasil

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Foto do author Tácio Lorran
Por Tácio Lorran
Atualização:

BRASÍLIA – O conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) Alexandre Freire turbinou o currículo com viagens e cursos feitos no exterior bancados com recursos públicos. Nomeado há apenas oito meses para o cargo, ele já recebeu R$ 279,4 mil em passagens, diárias e taxas de matrícula em cursos.

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Nos primeiros seis meses deste ano, Freire esteve em nove cidades fora do Brasil, entre elas, Barcelona, Roma, Milão, Estocolmo, Miami, Lisboa, Tel-Aviv e Cidade do México. Nos locais, participa de cursos ou eventos em estadias que duram muito mais do que o período de suas agendas oficiais. A Anatel não exige comprovação das despesas. Os conselheiros recebem o dinheiro e podem usar livremente sem necessidade de apresentar nota fiscal.

Em nota, A Anatel afirmou que todas as viagens são de caráter institucional ou técnico e “respeitam limites anuais previamente aprovados no orçamento”. Leia mais abaixo.

Entre abril e maio, Alexandre Freire ficou nove dias na Itália. A agenda do conselheiro, contudo, se resumiu a três dias de trabalho. O que significa que ele recebeu por seis dias sem qualquer atividade no exterior.

Conselheiro da Anatel Alexandre Freire gastou de mais de R$ 200 mil em viagens em cinco meses Foto: Anatel/Divulgação

Freire viajou numa quinta-feira, 27 de abril, rumo a Milão. Na cidade, seu único compromisso foi um encontro na sexta-feira, 28, com o embaixador do Brasil para “tratar de regulação e cooperação técnica Brasil-Itália”. O Brasil, contudo, não tem nenhuma cooperação técnica com a Itália e nenhum acordo foi firmado a partir dessa reunião.

No sábado, domingo, segunda e terça-feira seguintes ele não teve nenhuma agenda de trabalho. Freire só voltou a ter compromisso na tarde de quarta-feira — uma palestra de uma hora sobre economia digital e tributação do consumo na Universidade La Sapienza, em Roma.

No dia seguinte à palestra, 4 de maio, a agenda se limitou a uma visita à embaixada do Brasil em Roma para tratar da “aproximação dos órgãos reguladores Brasil-Itália”. O encontro durou uma hora. Das 10h30 de quinta-feira até sábado, quando retornou ao Brasil, o conselheiro também não registrou nenhuma outra agenda oficial na Itália. Pelos nove dias em que ficou no País, mais da metade sem agenda, a Anatel desembolsou R$ 21.224 somente com diárias.

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Não é preciso apresentar notas fiscais

A Anatel tem neste ano uma verba de R$ 1,5 milhão para custear despesas com viagens. Os cinco conselheiros não precisam comprovar o uso dos recursos. Basta informar a agenda fora de Brasília que o valor cai na conta e pode ser usado livremente sem exigência de apresentar notas fiscais com hotel, alimentação, transporte...

Como o reembolso não é feito mediante apresentação de nota fiscal é impossível garantir que os recursos tenham sido usados para cobrir despesas da viagem. Segundo um integrante da agência, na prática, é possível até mesmo um conselheiro embolsar o valor já que não precisa justificar o que fez com a quantia.

De acordo com a Anatel, o valor da diária tem como base os dias de afastamento, e não os dias de trabalho. Cada conselheiro tem R$ 300 mil para custear esse tipo de despesa ao longo do ano.

Freire é quem mais gastou. O presidente da Anatel, Carlos Baigorri, que representa institucionalmente a agência, por exemplo, utilizou até agora R$ 76 mil da sua “cota”. Os demais não ultrapassaram os R$ 115 mil. Os dados foram levantados pelo Estadão no Portal da Transparência.

Conselheiro viajou para oito países

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Entre fevereiro e junho, Alexandre Freire fez nove viagens internacionais. Ele esteve em Barcelona (Espanha), Tel-Aviv (Israel), Roma (Itália), Miami (Estados Unidos), Helsinque (Finlândia), Estocolmo (Suécia), Cidade do México (México) e Lisboa (Portugal). Na prática, passou 52 dias fora do Brasil.

A última viagem foi para Cambridge, nos Estados Unidos, onde participou de um curso sobre negociação e liderança na Universidade de Harvard ao custo total de R$ 75,6 mil. A agenda do conselheiro na Anatel diz que o curso é “telepresencial”, mas no site do universidade a informação é que o curso é presencial. Procurado, disse que houve um erro humano no registro.

Documentos internos obtidos pelo Estadão revelam que Freire teve direito a R$ 16,4 mil em diárias por essa viagem. A Anatel bancou ainda R$ 16 mil em passagens e R$ 43,2 mil pelo curso. Ele viajou no sábado, 15 de julho, e voltou dia 22. Foram oito dias de afastamento, apesar de o curso durar quatro.

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Mal terminou a estadia em Harvard e Freire já tem uma passagem de volta para a universidade agendada. Isso porque o conselheiro fará outro curso em setembro, desta vez, sobre Gestão Estratégica de Agências Reguladoras e Fiscalizadoras. Esse outro curso custará R$ 48,8 mil à Anatel, além de R$ 14 mil estimados em diárias.

E-mail obtido pelo Estadão mostra servidores da Anatel já calculando nova viagem do conselheiro Alexandre Freire para curso em Harvard, nos Estados Unidos Foto: Reprodução

Gilmar Palooza

No fim de junho, o conselheiro participou de um evento em Lisboa promovido pelo IDP, a faculdade da família do ministro do STF Gilmar Mendes. O XI Fórum Jurídico ocorreu entre 26 (segunda-feira) e 28 de junho (quarta-feira). O conselheiro, contudo, viajou no dia 21, cinco dias antes. No dia 22, ele teve reunião com o vice-presidente da Autoridade Nacional de Comunicação de Portugal.

A agenda de trabalho foi retomada apenas quatro dias depois quando começou o evento de Gilmar que, pela quantidade de políticos brasileiros presentes ganhou o apelido de Gilmar Palooza, em referência ao festival de música. A Anatel pagou por todo o período um total de R$ 17,9 mil em diárias.

Para Miami, Alexandre Freire partiu num sábado, dia 13 de maio, e passou o domingo livre. Sua agenda só teve início na segunda-feira, quando participou de um evento sobre telecomunicações. Freire voltou para São Paulo na quinta-feira, 18. Ele ganhou três diárias, no valor total de R$ 6,9 mil.

Outra viagem inclui no roteiro Helsinki/Finlândia, Estocolmo/Suécia, Cidade do México/México. Foram seis dias de agenda de trabalho, mas ele recebeu 14 diárias no valor de R$ 30.136. Ou seja, oito dias sem qualquer registro de atividade de trabalho. As passagens custaram no total R$ 52.908. Freire participou de eventos do setor de telecomunicações.

O caminho até a Anatel

As agências reguladoras são responsáveis pela fiscalização de atividades de serviços públicos executados por empresas privadas como telefonia, caso da Anatel, e fornecimento de energia elétrica. Os conselheiros são indicados pelo presidente da República e os nomes precisam ser aprovados pelo Senado Federal. O nome de Alexandre Freire foi encaminhado ao Congresso pelo então presidente Jair Bolsonaro no apagar das luzes do seu mandato, em novembro, quando já havia sido derrotado na tentativa de reeleição.

Antes de chegar na Anatel, Freire trabalhou no Supremo Tribunal Federal (STF) com o ministro Dias Toffoli, seu padrinho na Anatel. Ele também tem passagens no Senado, como assessor parlamentar da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, de setembro de 2017 a novembro de 2018, e na Casa Civil da Presidência da República no governo Michel Temer.

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Responsável pela regulação do mercado de telecomunicações, a Anatel passou a figurar neste ano no centro do debate sobre o PL das Fake News. A agência busca ser o órgão responsável por fiscalizar o processo de desinformação e as big techs, caso o projeto seja aprovado.

Anatel diz que viagens são de caráter técnico

A Anatel e Freire foram procurados pela reportagem. A agência respondeu em nome de ambos. Segundo a nota enviada, todas as viagens são de caráter institucional ou técnico e “respeitam limites anuais previamente aprovados no orçamento”.

“Em seus compromissos internacionais, os representantes da Anatel obtêm conhecimentos relevantes para a regulação dos serviços no Brasil – como é o caso dos conselheiros, que têm a oportunidade de trocar experiência com outros reguladores e pesquisadores sobre temas sob sua relatoria”, ressaltou a agência, em nota.

Sobre Freire, a Anatel afirmou que o conselheiro tem buscado adquirir conhecimento e compartilhar informações com os órgãos congêneres internacionais, participar de eventos para se familiarizar com os temas e promover o compartilhamento de experiências exitosas.

De acordo com a agência, há “prática estabelecida” de reportar nas reuniões do Conselho Diretor experiências de missões institucionais, como as de Freire. “Por fim, as informações e o conhecimento obtidos pelos Conselheiros em missões podem e muitas vezes são referenciadas em suas análises processuais e manifestações nas reuniões do Conselho Diretor”, afirmou a Anatel.

Após a publicação da reportagem, a Anatel informou que Alexandre Freire participou de toda a programação do evento promovido pela Universidade La Sapienza, entre os dias 2 e 5 de maio. Essa informação não constava na agenda oficial do conselheiro e foi publicada apenas às 11h59 desta segunda-feira, 31.

Informou também que Freire participou de uma reunião no Consulado do Brasil em Boston, nos Estados Unidos, no dia 21 de julho. Ele estava no País para participar de um curso em Harvard. A visita só foi publicada às 18h30 desta segunda-feira.

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Além disso, informou que durante a sequência de viagens que fez para Finlândia, Suécia e México, Alexandre Freire participou de reuniões nos dias 22, 23, 24, 25, 26, 29 e 31 de maio, e 1 e 2 de junho. Até às 20h07 desta segunda-feira, sua agenda oficial ainda não traz dados sobre reuniões nos dias 22 de maio e 2 de julho, o que resta configurado um vácuo de oito dias sem agenda de trabalho para o conselheiro, como mostrou a reportagem.

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