As notícias no final de junho davam conta de que grandes empresas internacionais, como Coca-Cola, Honda e Unilever estavam reduzindo ou eliminado suas campanhas no Facebook e em outras redes sociais, como o Instagram, a quem apontavam como complacentes na contenção de discursos de ódio. Essa discussão já havia trazido recentes consequências para o Twitter, apontado como pouco ativo na redução desse tipo de mensagem pelos anunciantes, de um lado, e por usuários de interferir muito rigidamente em eliminar mensagens e perfis, de outro.
Um dos expoentes desse debate foi o Presidente Donald Trump, que usa o seu perfil na plataforma do pássaro azul para disseminar mensagens, fustigar adversários e estimular correligionários desde a primeira hora. As pequenas e grandes marcas, que precisam vender tanto para a direita quanto para a esquerda, para carnívoros e também para veganos, para petrolheads e para fanáticos pela bicicleta elétrica, têm receio prudente da ampliação desse movimento. E devem ter.
As redes sociais tiveram um papel de enorme amplificador de vozes antes inaudíveis, bem como tornaram possível que grupos antes dispersos - indivíduos com gostos ou preocupações muito particulares, exóticas ou distantes da média da população - se encontrassem e se identificassem, formando legiões digitais ativas e, em alguns casos, muito virulentas.
Há muitos agentes ativistas para preocupar as organizações no cenário de hoje, que nos permitimos, apenas a título de reflexão, listar: a) consumidores ativistas, que vêm a público para opinar de forma apaixonada sobre produtos e serviços e podem ser vistos e ouvidos por muitos outros agentes que multiplicam os efeitos de um evento individual; b)as ONGs ativistas, que trazem mensagens que, vez ou outra, apelam para a demonização de empresas ou setores, produtos e serviços; c) os acionistas ativistas - muitas vezes, grupos minoritários, mas muito articulados, que podem trazer transtornos consideráveis para os majoritários que não souberem lidar com eles; d)os executivos ativistas, que muitas vezes deixam extravasar para a empresa preocupações que são muito mais deles próprios, frequentemente sem relação direta com suas tradições e posicionamento; e) os funcionários ativistas, que tanto quando denunciam o próprio empregador, quanto quando são denunciados por terceiros trazem impactos que podem ser muitos duros na imagem empresarial; f) os defensores de causas ativistas, apaixonados por causas, hábitos ou comportamentos; e, finalmente, g) o Estado ativista, na figura do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, que abraçam causas que são caras a uma parte da população no espaço e no tempo, mas não necessariamente aos seus interesses mais permanentes.
Os tempos de internet e redes que conectam bilhões de usuários denotam talvez o melhor, mas certamente o pior das pessoas. O discurso de ódio é uma mostra desse último aspecto. A internet e as redes sociais não são necessariamente o que deve ser atacado, mas, sim, atacados devem ser os motivos que fazem com que alguém vocifere de maneira odiosa nas redes contra determinado grupo, indivíduo, ideologia ou causa.
Vive-se em um tempo em que é quase mandatório pertencer a algum grupo, defender uma causa, uma ideia. Tudo isso é parte da liberdade de manifestação do pensamento, tão cara à dignidade das pessoas, de um lado, e à democracia, de outro. Nas redes sociais, a Corte da Opinião Pública é implacável, e as marcas sabem disso. O estrago causado por uma decisão equivocada pode acabar com a reputação que levou anos e muitos recursos para ser construída.
Farber e Frickey chamaram a atenção para os efeitos da articulação de grupos minoritários, que conseguiam ter mais sucesso em suas reivindicações do que a maioria dispersa. O barulho do ativismo mostra bem essa lógica, que demonstra que a democracia está muito além de, simplesmente, resumir-se ao princípio majoritário. Hoje é o Facebook. Amanhã podem ser justamente as empresas que não mais publicam nessa aplicação. Ninguém está a salvo da Corte da Opinião Pública das redes sociais, e o Facebook pode estar provando de seu próprio veneno.
Contudo, se o algoz de hoje é a vítima de amanhã, é preciso cautela, sobretudo em assuntos tão difusos e limítrofes como o discurso de ódio (você saberá definir o que o caracteriza)? O Facebook, tão criticado por moderar conteúdo, por vezes acusado de censor, agora é acusado de ser reticente em coibir hate speech. É, no dizer popular, ser preso por ter cão ou preso por não ter, ou, mais tecnicamente, o Dilema das Redes Sociais. Risco do negócio, sem dúvida, para atores que são indispensáveis para a livre manifestação do pensamento no Século XXI.
*Marco Antonio Sabino é head de Mídia e Internet de Mannrich e Vasconcelos Advogados. Professor da FIA, Ibmec, Dom Cabral e Fipecafi. Membro da Comissão de Liberdade de Imprensa da OABSP. Doutor pela USP. Pesquisador (Columbia, Oxford). Coordenador do WEBLAB Ibmec
*Leandro Fraga é professor da Fundação Instituto de Administração (FIA)