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Cade cobra gigantes do transporte de valores sobre 'aumento de preços'

Em agosto, o Estado revelou que uma concorrente e parte da clientela de Protege, Brink’s e Prosegur reclamam de suposto conluio

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Foto do author Luiz Vassallo

 Foto: Brink's, Prossegur e Protege

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) enviou às detentoras de 80% dos contratos de transporte de valores no País ofício em que pede esclarecimento sobre o 'aumento de preços' no setor. Em agosto, o Estado revelou que uma concorrente e parte da clientela de ProtegeBrink's e Prosegur reclamam de suposto conluio.

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Transações dessas empresas chegaram a ser consideradas 'complexas' pelo órgão antitruste, o que significa que a apuração sobre o setor foi intensificada. Somente no ano passado, este mercado girou R$ 33 bilhões.

Segundo o Cade, o ofício tem o 'objetivo de apurar a evolução dos preços dos serviços prestados pelas companhias de transporte e custódia de valores às empresas em geral, entre 2014 e 2018 pela operação  de aquisição de ativos da empresa Tecnoguarda Vigilância e Transporte de Valores Ltda. pela Brink's Segurança e Transporte de Valores Ltda. no mercado de transporte e custódia de valores nos estados do Goiás e Mato Grosso'.

As três empresas foram intimadas a entregar ao CADE até 2 de outubro, sob pena de multa diária, todos os preços praticados nas licitações públicas junto a bancos públicos e privados e também redes de varejos nos estados de Mato Grosso, Goiás, São Paulo e Rio de Janeiro.

A apuração se intensifica na medida em que uma briga se avoluma no setor. A TecBan, concorrente, acusa essas empresas de conluio e diz já ter sido 'vítima de uma estratégia de imposição de reajustes contratuais abusivos 'pelas gigantes do mercado'.

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Conselheiros do Cade já chegaram a recomendar investigação sobre a possível colusão entre as maiores transportadoras e sua associação de classe - até hoje, nunca foi aberta.

"Os dados confirmarão que as licitações são a grande galinha dos ovos de ouro das três gigantes, que de há muito vinham cobrando preços excessivos nas licitações públicas, em detrimento do erário, em valores que chegam até 30% a mais para os bancos públicos", afirma o advogado José Del Chiaro, que defende a TecBan junto ao CADE.

"A TBForte, que pertence ao grupo TecBan, detém meros 8% do mercado do setor no País e tem sido alvo de diversas práticas abusivas e de várias tentativas para impedir que possa participar das licitações. Existe o exercício de poder coordenado das três gigantes e das entidades que as representam, que são a Fenaval, Fenavist e ABTV, de tentar impedir que a TBForte concorra com elas nas licitações e contribua para o fim de preços excessivos praticados junto aos bancos públicos.", diz o advogado.

As requisições foram expedidas para apuração de práticas coordenadas no processo que analisa a compra da Tecnoguarda pela Brink's. "Ao dispor dos dados requisitados às três gigantes, o CADE poderá abrir uma caixa de pandora e passar a limpo o setor do transporte de valores no Brasil", diz Del Chiaro. "Nos próximo dias, vamos encaminhar mais documentos ao CADE que demonstrarão a existência de poder coordenado, os prejuízos causados à TBForte pelas tentativas de sua exclusão das licitações públicas e todas as consequências e danos impostos pelas práticas coordenadas ao mercado."

Estas práticas abusivas, lembra Del Chiaro, já são "corroboradas por ofícios respondidos ao CADE por empresas que atuam no mercado do varejo, farmacêutico, de alimentação e financeiro (cooperativas de crédito)".

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Procedimento

Del Chiaro diz que a Federação Nacional das Empresas de Transporte de Valores (Fenaval), "em mais um abusivo exercício de prática coordenada, ingressou no CADE com uma denúncia contra o Grupo Tecban novamente tentando dificultar sua legítima atuação no mercado".

"Contudo", pondera o advogado, "tudo o que a entidade conseguiu foi um mero recebimento protocolar com abertura de procedimento preparatório". "Existissem sérios indícios, o CADE teria instaurado um processo administrativo, o que não fez. Ao contrário, está apurando a concertação das três gigantes com a própria Fenaval."

Entenda o caso

O mais recente atrito se deu na aquisição da Transvip pela Prosegur, que detém aproximadamente 50% do mercado de transporte de valores no Brasil.

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Durante o processo, clientes das transportadoras são oficiados pelo Cade a se manifestarem sobre os impactos que a fusão teria sobre seus negócios.

'Non-compete'

Um deles foi a Arcos Dourados, dona do Mc Donald's, maior empresa do mundo no ramo de fast-food.

Em seu ofício ao órgão anti-truste, a empresa afirmou que o mercado, é 'altamente consolidado em três grandes prestadores (Brinks, Protege, Prosegur) onde, ainda dentro da cidade de São Paulo, nos parece que existe uma postura de non-compete entre eles ao evitarem oferecer precificação para uma loja atualmente atendida pelo seu concorrente'.

Outra empresa que também se manifestou foi o Magazine Luíza. "São encontradas algumas dificuldades junto ao processo de trocas de fornecedores, principalmente no que diz respeito ao envio de propostas razoáveis e atendimento aos pontos demandados. Dado que não há propostas interessantes no mercado, as trocas de fornecedores de transporte de valores são raramente efetivadas na Companhia".

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A constatação da suposta não concorrência já foi alvo, em outros processos, de reclamações de empresários de diferentes setores, em outros processos no Cade envolvendo fusões das transportadoras que dominam a maior fatia do mercado.

'Vítima'

A fusão da Transvip e a Prossegur também é alvo de uma concorrente. Fundada por seis bancos, a TecBan - empresa de gestão de caixas de autoatendimento bancário -, dona da TB Forte, que detém 7% do mercado, acusa as três gigantes de atuarem em conluio.

Segundo os advogados José Del Chiaro, Mário André Machado Cabral e Luís Nagali, que defendem a TecBan, o 'Cade não deve se fiar na rivalidade que podem ofertar os dois outros grupos que dominam, ao lado da Prosegur, o setor de transporte de valores no Brasil: Protege e Brink's'.

A TecBan ainda diz que 'Prosegur, Protege e Brinks também oferecem, entre eles, rivalidade insuficiente - ou quase inexistente - em um mercado altamente concentrado'.

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Em experiência própria, a TecBan diz ter sido 'vítima de uma estratégia de imposição de reajustes contratuais abusivos 'pelas gigantes do mercado'.

"Entre o final de junho e o começo de julho de 2017, a TecBan foi surpreendida com notificações extrajudiciais bastante semelhantes e quase simultâneas realizadas pela Prosegur e pela Protege, solicitando reajustes injustificados e abusivos de seus contratos de fornecimento, sob pena de resilição contratual no irrazoável prazo de 30 (trinta) dias", afirmam os advogados.

De acordo com eles, 'diante da possível inviabilização da manutenção das suas atividades em cerca de 7.600 ATMs distribuídos pelo País, a TecBan ajuizou ações no Tribunal de Justiça de São Paulo nas quais foi reconhecida, em sede de tutela antecipada, a abusividade dos pedidos de reajuste'.

Segundo os advogados da TecBan, 'diante do achaque aparentemente coordenado de Prosegur e Protege e da ausência de medidas da controladora espanhola da Prosegur, a TecBan tentou realizar migração de boa parte dos seus ATMs, anteriormente atendidos por Prosegur e Protege, para a concorrente mais parecida com as duas em termos de porte, capacidade, capilaridade, reputação, credibilidade e história no mercado brasileiro: a Brink's'.

A empresa recusou, de início. "Os argumentos utilizados pela Brink's - de falta de capacidade - parecem à TecBan insuficientes, considerando que a Brink's possuía bases na maioria das regiões ofertadas. Ademais, um player com o porte e a capilaridade da Brink's não ter capacidade operacional não parece factível, a não ser por desinteresse em concorrer com seus dois principais concorrentes no Brasil", relata a TB Forte.

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De acordo com os advogados da TecBan, 'após a impugnação da operação Brink's-Rodoban pela TecBan, a Brink's mudou a postura e passou a assumir pontos que eram de Prosegur ou Protege'.

"Contudo, a resistência inicial em responder ao desvio de demanda continua parecendo irracional", afirmam os advogados.

De acordo com a concorrente, há um comportamento sistêmico entre as três gigantes do mercado, em que elas não apresentam interesses em contratos que já tenham passado ou estejam sob influência de uma delas.

"Qual, então, seria a racionalidade dessas empresas em agir dessa forma? Somente uma racionalidade colusiva justificaria uma postura claramente não-competitiva", afirmam os advogados da TB Forte ao Cade.

O mercado reclama

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A briga já vem de outros carnavais. A mesma TB Forte chegou a se manifestar contra a aquisição da empresa Rodoban pela Brinks. O negócio teria principal impacto em Minas Gerais, área de atuação da empresa adquirida.

À época, dois grandes clientes dos transportes de valores manifestaram suas preocupações com a fusão: os supermercados e o varejo de combustíveis.

Segundo o Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo de Minas Gerais, 'o mercado de transporte de valores é um mercado que vem se comportando com visível aparência de olígopólio, especialmente após o aumento do volume de dinheiro transportado nos postos de combustíveis, no primeiro semestre de 2017'.

A entidade chegou a dizer que 'a concentração decorrente de sua aprovação poderá gerar sensível perda de bem-estar aos consumidores dos serviços de transporte de valores, essencial para o regular funcionamento de todo o comércio varejista e de inúmeras instituições financeiras'.

Já a Associação Brasileira de Supermercados o 'mercado vem presenciando uma série de concentrações nos últimos anos'. A entidade apontou quatro negócios envolvendo Brink's e a Prosegur. "Os três grandes grupos, líderes do mercado, capitaneiam essa tendência de concentração, e o Cade como demonstrado inclusive por este expediente, não está alheio a eventuais consequências dessa tendência".

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"Isso porque a dinâmica do mercado, do ponto de vista de quem demanda e depende dos serviços prestados pelas guardas de valores (GVs), não é, infelizmente, pautada por acentuada competitividade. Ao contrário", disse a entidade.

A posição do Cade

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou, sem restrições, a fusão, no fim de 2018.

Houve dois votos pela aprovação com a condição de que fossem vendidos os ativos da Brinks em Minas Gerais, mas a maioria entendeu que a operação não prejudicava a concorrência.

Um dos votos vencidos foi o da conselheira Christiane Alckmin. Ela afirmou que a' Rodoban tem mais 7 bases em cidades do interior de MG'.

"É preocupante a mera substituição de um player com o perfil competitivo da Rodoban por um player com o perfil da Brink's, que pode estar fazendo parte de uma conduta coordenada com a Prosegur e com a Protege", disse.

"Sugiro, assim, que a SG investigue uma já existente possível colusão neste setor, incluindo as empresas deste mercado, assim como a Associação Brasileira de Transporte de Valores (ABTV) e a Federação Nacional das Empresas de Transporte de Valores (FENAVAL)", pediu a então conselheira.

Já que foi voto vencido, e a ação foi aprovada sem restrições, o Cade não investiga Prosegur, Brink's e Protege.

Entidades em guerra

As três gigantes do mercado pertencem à Associação Brasileira das Empresas de Transporte de Valores. Já a rival TBForte, por exemplo, pertence à Associação Nacional de Segurança e Transporte de Valores. As entidades também rivalizam quando o assunto é a discussão sobre o Estatuto da Segurança Privada, que está no Congresso.

Em artigo ao Blog, o diretor-presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transporte de Valores (ABTV), Ruben Schechter, afirmou que a 'aprovação do Estatuto, tão importante para o desenvolvimento brasileiro, garantindo empregos e regulando atividades que atuam em conjunto com a segurança pública, está impedida de avançar pela resistência dos bancos em permitir que o mercado de transporte de valores concorra livremente, de forma igualitária'.

"Restringir a atuação dos bancos no controle de toda a cadeia de serviços significa defender o saudável desenvolvimento do setor de segurança privada", afirmou.

Também em artigo ao blog, o presidente da Associação Nacional de Segurança e Transporte de Valores, Gabriel Montenegro Damasceno, diz que o argumento é 'falacioso'.

"As três gigantes do mercado de transporte de valores detêm 80% de share do mercado nacional. Como ao redor do mundo, este segmento vive um momento perigoso de concentração. Poucos grupos acabam concentrando em vários países -- e também no Brasil -- o poder de ditar os preços e dividir espaços, em prejuízo severo aos empresários com menor poder de fôlego. Uma briga desigual que faz com que a sociedade perca", defende.

COM A PALAVRA, PROSEGUR

A Prosegur informa que a solicitação enviada pelo CADE trata-se de um mero trâmite dentro do processo de análise de um ato de concentração e será atendido dentro do prazo estipulado.

COM A PALAVRA, BRINKS

A reportagem entrou em contato. O espaço está aberto.

COM A PALAVRA, PROTEGE

A reportagem entrou em contato. O espaço está aberto.

COM A PALAVRA, A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE TRANSPORTE DE VALORES

A reportagem entrou em contato. O espaço está aberto.  Quando questionada em agosto, sobre as manifestações de clientes e concorrentes das três gigantes do mercado, a entidade assim se manifestou:

Não existe qualquer apuração oficial do CADE a respeito da atuação das empresas do setor. Durante uma análise de aquisição de uma empresa pelo colegiado de defesa da concorrência, seja dos mais variados setores, qualquer empresa ou pessoa pode se manifestar nos autos. É fundamental registrar que isso, por si só, não significa que o órgão irá acatar ou validar tal intervenção. Note que a empresa TBForte - subsidiária da empresa TECBAN, que detém o monopólio da exploração de caixas eletrônicos no Brasil - também fez duras acusações infundadas ao setor no caso Rodoban e Transfederal, aquisições aprovadas pelo Cade sem ressalvas.

Sobre a análise da empresa Transvip, esclarecemos que a ABTV não se manifesta sobre processos de aquisição em andamento. No entanto, é importante contextualizar que o mercado é regulamentado pela Polícia Federal, que fiscaliza a atuação das empresas. Convivem no país 36 empresas, com atuação nacional e regionais. A demanda de serviço está focada na distribuição pelas instituições financeiras. Cerca de 80% da demanda vem de bancos, que exercem enorme poder sobre a distribuição de serviços no mercado prestador de transporte de valores. Os outros 20% estão em varejistas (supermercados, postos de gasolina, etc.).

A prestação de serviço possui na logística de transporte e eficiência operacional fatores determinantes de formação de preço - além do impacto nas apólices de seguro em virtude dos sucessivos ataques de criminosos a carros-fortes. É notória a concorrência do setor, lastreada em análises já concluídas pelo Cade.

Como fica claro no voto do conselheiro Mauricio Oscar Bandeira Maia [encaminhamos em anexo], que aponta que as barreiras à entrada de novos concorrentes são consideradas muito baixas, principalmente para empresas que já atuam no segmento e têm expertise e equipamentos suficientes para começar a atender outros mercados geográficos. "As maiores barreiras à entrada no mercado de transporte de valores (doravante "TV") são as de ordem regulatória e, mesmo as informações mais conservadoras e restritivas, não demonstram a impossibilidade de entrada de novos concorrentes."

E acrescenta ainda: "Por fim, deve-se considerar ainda a entrada de empresas como a TBforte no mercado nacional, criada em 2008 para prestar serviços à rede de autoatendimento da Tecban e que tem expandido sua atuação no país de maneira efetiva (SEI 0551441), em claro movimento de integração vertical por parte dos bancos".

O próprio Cade, em recente audiência pública, realizada em 13 de novembro de 2018, manifestou preocupação em relação à atuação potencialmente predatória de instituições financeiras na verticalização de serviços. Naquela oportunidade, o Presidente do Cade declarou que: "a verticalização do sistema financeiro brasileiro pode gerar tanto eficiências econômicas, com benefícios ao mercado e ao consumidor, quanto problemas concorrenciais, se servir como instrumento de restrição de mercado". (http://www.cade.gov.br/noticias/impacto-da-verticalizacao-no-setor-financeiro-sobre-concorrencia-e-tema-de-debate-no-cade)

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