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Opinião|Eficácia dos acordos policiais de colaboração premiada

convidado
Rafael Ferracina Foto: Divulgação

O acordo de colaboração premiada tem desempenhado um papel importante no combate à corrupção no Brasil. O instituto foi introduzido pela Lei nº 12.850/2013 , alterado pela Lei nº 13.964/2019 .

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Além de ser um meio de investigação e de obtenção de prova, tem se mostrado um instrumento de defesa, ante o benefício, em regra, da imunidade ou garantia da redução de pena para o coautor ou partícipe de crime em relação aos demais.

A colaboração premiada tem se mostrado de grande importância para as investigações em crimes de maior complexidade, especialmente para os praticados por organizações criminosas e crimes de colarinho branco em geral.

É inicialmente um procedimento extracontratual, que resulta da negociação voluntária realizada pelo colaborador, acompanhado pelo seu defensor, com o delegado de polícia ou pelo Ministério Público, materializada em uma proposta, posteriormente levada à homologação pelo judiciário.

Conforme previsto na Lei 13.964/19, “Incumbe à defesa instruir a proposta de colaboração e os anexos com os fatos adequadamente descritos, com todas as suas circunstâncias, indicando as provas e os elementos de corroboração.”

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O Supremo Tribunal Federal reputa que sequer a instauração de inquérito é viável quando a palavra do colaborador não se fizer amparar por elementos de corroboração (Pet 7474 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, j. em 22.09.2020 ).

Homologada, considera-se um negócio jurídico processual personalíssimo, que, no entendimento do STF não pode ser impugnado pelo delatado, exceto em caso de homologação sem respeito à prerrogativa de foro .

Conforme art. 104 do Código Civil, a validade do negócio jurídico requer: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei .

Parte da doutrina sustenta a capacidade negocial do delegado de polícia, tendo como elemento complementar dessa capacidade a manifestação do Ministério Público. Outra parte entende que a atuação da autoridade policial nos acordos sempre dependerá da concordância do Ministério Público.

A lei prevê a possibilidade da autoridade policial firmar acordo de colaboração premiada na fase policial, sendo necessária a manifestação do Ministério Público. Diante dessa previsão surge uma indagação: no caso de discordância do Ministério Público, poderia o acordo ser homologado pelo juiz?

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O STF julgou, em 2021, um caso importante e de grande repercussão diante do suposto envolvimento de Ministro da Suprema Corte em caso de corrupção. Trata-se do termo de colaboração firmado entre a Polícia Federal e Sérgio Cabral, ex-Governador do Estado do Rio de Janeiro. O caso tomou grande destaque devido ao novo julgamento, pelo STF, após a Corte ter reconhecido na ADI 5.508 a legitimidade de o delegado de polícia firmar acordo de colaboração premiada.

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Foram temas do julgamento pelo STF a possibilidade de homologação de colaboração premiada realizada pela polícia judiciária sem a concordância do Ministério Público; a possiblidade de homologação da colaboração premiada no caso de o colaborador ter ocultado bens ou mascarado o produto do crime durante as tratativas do acordo; e a legalidade de cláusula do acordo de colaboração que prevê a possibilidade do colaborador confessar outros crimes em um prazo de até 120 dias após a assinatura do acordo.

Posição do STF na ADI 5.508 em 2018

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.508/DF, buscou a Procuradoria-Geral da República que fosse assentado entendimento pela inconstitucionalidade da legitimidade dos delegados de polícia para firmar acordo de colaboração premiada, ou, subsidiariamente, pela indispensabilidade da participação do Ministério Público em todas as fases do acordo.

Em 20/06/2018, o Plenário do STF, por maioria de votos, decidiu pela legalidade do delegado de polícia para a realização de acordo de colaboração premiada, em concorrência com o Ministério Público.

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Também por maioria o Tribunal definiu que a manifestação do Ministério Público não vincula o Poder Judiciário no juízo de homologação.

O reconhecimento da constitucionalidade da atuação da polícia judiciaria na fase de inquérito para firmar acordo de colaboração premiada se deu com base no entendimento de que o instituto é um meio de obtenção de prova, o que se encontra dentro da função investigativa do órgão, como estabelecem o art. 144, §1º, inc. IV e §4º da Constituição da República e o art. 4º, caput, do Código de Processo Penal.

Posição do STF no AgRg na Pet 8.482 em 2021.

Em que pese a matéria ter sido enfrentada pela Suprema Corte, o tema sempre foi controverso na doutrina, voltando a ser enfrentado em 2021.

Dessa vez a PGR interpôs agravo regimental (Pet 8.482) ao Plenário do STF contra a homologação, pelo Min. Edson Fachin, da colaboração premiada formulada pel Sérgio Cabral, firmado com a polícia federal, mesmo com manifestação contrária da Procuradoria-Geral da República.

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Apesar do sigilo do caso, grande parte das decisões foram amplamente publicizadas, e, em 21/09/2021 foi publicado o inteiro teor do acórdão. Vejamos a ementa:

Ementa: ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. PRELIMINAR SUSCITADA PELA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA. LEGITIMIDADE DA AUTORIDADE POLICIAL. PRECEDENTE DA ADI 5.508, POSIÇÃO MAJORITÁRIA DO STF PELA AUTONOMIA DA PF NA CELEBRAÇÃO DE ACP. POSIÇÃO CONTRÁRIA DESTE RELATOR VENCIDA NA OCASIÃO. TEMA QUE REPÕE A PGR EM PLENÁRIO E EM MENOR EXTENSÃO DO VOTO ENTÃO VENCIDO. ANUÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO SUSCITADA AGORA PELA PGR. CONDIÇÃO DE EFICÁCIA. ACOLHIMENTO. 1. Nos termos do entendimento formado no julgamento da ADI 5.508, a autoridade policial tem legitimidade para celebrar autonomamente acordo de colaboração premiada. Em voto vencido, assentada a negativa dessa faculdade. 2. Matéria novamente suscitada, em menor extensão, pela PGR. Considerada a estrutura acusatória dada ao processo penal conformado à Constituição Federal, a anuência do Ministério Público deve ser posta como condição de eficácia do acordo de colaboração premiada celebrado pela autoridade policial. Posicionamento de menor extensão contido no voto vencido proferido. Possibilidade de submeter a matéria ao mesmo Plenário a fim de que o entendimento majoritário seja confirmado ou eventualmente retificado. Em linha de coerência com o voto vencido, pela retificação do entendimento majoritário na extensão que pleiteia a PGR. 3. Questão preliminar suscitada pela Procuradoria-Geral da República acolhida para dar parcial provimento ao agravo regimental e tornar sem efeito, desde então, a decisão homologatória do acordo de colaboração premiada celebrado nestes autos, ante a desconformidade manifestada pelo Ministério Público e aqui acolhida. Eficácia ex tunc.

Decisão

O Tribunal, por maioria, acolheu a preliminar suscitada, dando parcial provimento ao agravo regimental, para tornar sem efeito a decisão homologatória do acordo de colaboração premiada, nos termos dos votos proferidos, vencidos os Ministros Roberto Barroso, Marco Aurélio, Rosa Weber e Cármen Lúcia, que rejeitavam a preliminar. Redigirá o acórdão o Ministro Relator. Plenário, Sessão Virtual de 21.5.2021 a 28.5.2021.

Verifica-se que a questão tratada na Pet. 8.482 é de menor abrangência, em que se debateu um ponto específico do acordo de colaboração firmado pela polícia, após a recusa do Ministério Público em sua negociação e manifestação contrária à sua homologação.

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Esse será o enfoque da abordagem do caso: possibilidade de homologação do acordo de colaboração premiada firmado pela polícia judiciária em contrariedade à manifestação do Ministério Público.

No caso, o Ministério Público foi contrário à homologação e manifestou pela não produção dos efeitos do acordo em relação aos crimes objeto de ação penal.

Mesmo com a negativa do MPF, o acordo foi homologado pelo Min. Edson Fachin.

O STF publicou notícia de que a maioria acolheu questão preliminar suscitada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no sentido de que o acordo não poderia ter sido firmado sem a concordância do Ministério Público. Acolheram a preliminar os ministros Edson Fachin (relator), Luiz Fux (presidente do STF), Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Nunes Marques. Os ministros Marco Aurélio e Luís Roberto Barroso e as ministras Carmen Lúcia e Rosa Weber rejeitaram a preliminar e votaram no sentido de negar provimento ao agravo regimental da PGR, mantendo a validade do acordo.

O relator, Min. Édson Fachin, repetiu em seu voto muitos dos argumentos trazidos em seu voto divergente na ADI 5.508. Em preliminar de mérito votou no sentido de que somente o Ministério Público, titular da ação, poderia celebrar acordo de colaboração premiada, cabendo à polícia judiciária participar das negociações, representar ao juiz pela concessão de perdão judicial e apresentar ao MP, para manifestação, colaboração realizada com o investigado e defensor, por não ser considerada parte.

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Quanto ao mérito, votou no sentido de ser a colaboração um meio de obtenção de prova e que o acordo não teria violado prerrogativas por tratar de fatos novos. Por fim, negou provimento ao agravo.

O Ministro Alexandre de Moraes votou pela possibilidade da realização da colaboração premiada pela polícia judiciária na fase de inquérito, pela sua natureza mista, de obtenção de prova e de negociação. Ressaltou a privatividade da ação penal pelo Ministério Público e a necessidade de um trabalho conjunto entre a polícia e o MP.

Destacou o Ministro a recusa do acordo por parte do Parquet por omissão da verdade e ausência de elementos de corroboração por parte do colaborador, e que a polícia judiciária teria extravasado os limites de sua discricionariedade. No mérito, votou pela existência de graves vícios no acordo que impediriam a sua homologação, em razão do não cumprimento dos requisitos legais.

A Ministra Rosa Weber votou no sentido de o acordo de colaboração premiada ser um meio de obtenção de prova, portanto, pode a polícia judiciária utilizar-se dessa ferramenta de investigação.

Quanto à preliminar, votou a Ministra pela impossibilidade de sua reanálise, devendo-se respeitar a coisa julgada e os precedentes da Corte, referindo-se ao julgamento da ADI 5.508. Quanto ao mérito, entendeu que a polícia judiciária observou os seus limites, negando provimento ao agravo.

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O Ministro Marco Aurélio votou no mesmo sentido da Min. Rosa Weber.

O Min. Barroso votou no sentido de o STF já ter decidido pela legitimidade da polícia judiciária em celebrar acordo de colaboração premiada, respeitando das prerrogativas do Ministério Público. Votou no sentido de ser desnecessária a concordância do MP para a polícia judiciária formalizar o acordo. Por fim, votou no mesmo sentido da Min. Rosa Weber e min. Marco Aurélio, mantendo o decidido na ADI 5.508, rejeitando a preliminar e negando provimento ao agravo.

O Min. Dias Toffoli destacou ser o Ministério Público o representante do Estado e, por esse motivo, necessária à sua manifestação quanto ao acordo para a homologação, visando a segurança jurídica.

Acompanhou o Relator quanto à preliminar para provimento do agravo, sem adentrar no caso concreto.

O Min. Fux votou nos mesmos termos do Min. Dias Toffoli, inclusive com a ressalva de não adentrar no caso concreto.

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A Min. Carmen Lúcia votou pela manutenção dos termos do julgamento da ADI 5.508 e, no mérito, votou pela negativa de provimento do recurso, sob o fundamento de que a PGR ter requerido compartilhamento do depoimento do colaborador para a instrução e outra investigação, o que demonstra uma certa utilidade no acordo.

O Min. Gilmar Mendes votou pela ineficácia do acordo sem a concordância do Ministério Público, em virtude do caráter vinculativo de manifestação de arquivamento da Procuradoria-Geral da República. No mérito votou pelo provimento do recurso, não devendo ser homologado diante das ilegalidades e falta de interesse público.

Importante se faz a comparação entre os julgados pois, conforme mencionado, nos autos da ADI 5.508/DF foi objeto de discussão o caráter vinculante da manifestação do Ministério Público, restando decidido que não vincula o Poder Judiciário no juízo de homologação.

Ademais, no referido julgado os votos dos Ministros foram divergentes quanto ao conteúdo do posicionamento contrário do MP, se ao acordo em si entabulado pela autoridade policial ou apenas os benefícios por ela ofertados.

Na decisão mais recente a Corte manteve o entendimento da constitucionalidade dos acordos firmados pela polícia judiciária na fase de inquérito policial, e que acordo sem a concordância do Ministério Público não tem eficácia.

Os art. 4º, § 6 e o art. 6º, II e IV da Lei n. 12.850/2013 preveem a participação do delegado de polícia nas negociações do acordo quando realizadas na fase de investigação, possibilitando a autoridade policial fazer proposta de acordo e representar ao juiz pela concessão e benefícios.

Porém, o art. 4º, §2º da mesma lei exige a manifestação do Ministério Público quando o acordo for formalizado com a autoridade policial.

Essa previsão se faz necessária em decorrência do Ministério Público ser o titular da ação penal pública, responsável por decidir pelo arquivamento da investigação, pelo oferecimento da denúncia ou pela realização de acordo penal.

Por todo o exposto, certamente haveria um maior aproveitamento das negociações se os representantes do Estado, polícia judiciária e Ministério Público, agissem em conjunto durante a fase de inquérito, como uma frente única de negociação.

O presente artigo buscou apresentar, resumidamente, um panorama geral sobre a necessidade de concordância do Ministério Público com os acordos firmados pela polícia judiciária na fase de inquérito, conforme entendimento do STF.

Buscou-se, também, responder à pergunta se seria possível a homologação do acordo firmado pela autoridade policial na fase de inquérito sem a concordância do MP.

A concordância do Ministério Público é obrigatória para que o acordo formulado pela polícia judiciária tenha validade.

A Lei n. 12.850/2013 prevê a participação do delegado de polícia nas negociações do acordo quando realizadas na fase de investigação, possibilitando a autoridade policial fazer proposta de acordo e representar ao juiz pela concessão e benefícios, desde que haja a concordância do Ministério Público.

A recusa do Ministério Público na homologação do acordo tem caráter vinculante. O Ministério Público detém a titularidade privativa da ação penal (art. 129, I, da CF) e é revisor dos atos da polícia judiciária, portanto, imprescindível a sua concordância com os termos da colaboração premiada firmado com a autoridade policial.

Este autor entende acertada a última decisão do Supremo Tribunal Federal, demonstrando a evolução do entendimento da Corte sobre o assunto. Porém, alguns pontos ainda ficaram pendentes de serem melhor delimitados, como qual o exato papel da polícia judiciária no tocante à colaboração premiada, se a sua atuação seria de um auxiliar do Ministério Público ou legítimo para firmar acordos; a força vinculante da recusa do Ministério Público quanto à homologação do acordo firmado pela polícia judiciária que realmente contribua com as investigações; e os parâmetros para considerar motivada a recusa do Ministério Público para a homologação do acordo.

*Rafael Ferracina, sócio da Ferracina, Girão Maia e Rodrigues Alves Advogados, LL.M. em Direito Penal Econômico, membro da Comissão de Ciências Criminais da OAB/DF e membro da Abracrim/DF - Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas

Referências

BRASIL. LEI Nº 12.850, DE 2 DE AGOSTO DE 2013. Disponível em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em: 2 junho 2023

BRASIL. LEI Nº 13.964, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2019. Disponível em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm>. Acesso em: 2 junho 2023

Disponível em:<https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15343817072&ext=.pdf>. Acesso em: 2 junho 2023.

Disponível em:< https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 2 junho 2023.

Disponível em:<https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4972866>. Acesso em: 2 junho 2023.

Disponível em:<https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=308597935&ext=.pdf>. Acesso em: 2 junho 2023.

Disponível em:<https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur452952/false>. Acesso em: 2 junho 2023.

Disponível em:< https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=466783&ori=1>. Acesso em: 2 junho 2023.

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