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Falta alguém em Nuremberg

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Por Rogério Tadeu Romano
Atualização:
Rogério Tadeu Romano. FOTO: ARQUIVO PESSOAL  Foto: Estadão

Do que noticia a imprensa, no mais contundente documento analisado até agora pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid no Senado, um grupo de juristas coordenado pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior concluiu que o presidente Jair Bolsonaro cometeu ao menos sete crimes durante a pandemia. O grupo majoritário da CPI afirma que os especialistas apontaram "provas contundentes e materiais" para a abertura de um processo de impedimento na Câmara.

O parecer, que foi encomendado pela comissão e será usado como base para o relatório final, lista práticas que atentam contra a saúde pública, a administração pública, a paz pública e a humanidade, além de infração de medidas sanitárias preventivas, charlatanismo, incitação ao crime e prevaricação.

Sobre o tema já escrevi.

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Houve o crime de charlatanismo.

Sobre o tema fático já disse o Partido Democrático Trabalhista(PDT), em representação criminal(noticia crime), ao STF que:

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"É fato inconteste que desde o período crítico da pandemia o Excelentíssimo Senhor Presidente da República professa a utilização da cloroquina como panaceia para conter e disseminar a doença causada pelo novo coronavírus. Para além desse medicamento, o Governo Federal também passou a indicar de forma indiscriminada o uso de azitromicina e ivermectina. No que toca especificamente à cloroquina, o Senhor Jair Messias Bolsonaro mobilizou todo o aparato estatal para que a distribuição do medicamento virasse uma política de governo. Era necessário amainar a desídia e o comportamento ignóbil do Senhor Jair Messias Bolsonaro na condução do país durante o caos pandêmico.

No entanto, são inúmeros os estudos que dão conta da ineficácia da cloroquina no combate ao coronavírus. Cite-se, por exemplo, que em trabalho publicado no The New England Journal of Medicine, assinado por 35 (trinta e cinco) médicos, aportou-se à conclusão sobre a ineficácia do tratamento com cloroquina, pois não trazia benefícios como antiviral. O medicamento também foi testado contra outras infecções, como ebola, H1N1 e outros vírus, tudo sem sucesso. O que a ciência comprova é que o tratamento com a cloroquina está associado com o aumento das mortes de pacientes com COVID-19. Inclusive, é de bom alvitre registrar que a agência que regula o uso de medicamentos dos Estados Unidos (FDA) revogou, em 15 (quinze) de junho de 2020, a autorização emergencial que previa uso de cloroquina e hidroxicloroquina de forma oral para o tratamento da COVID-A FDA baseou-se nas evidências que mostram que não há provas de que o uso do medicamento é eficiente para tratar as complicações respiratórias decorrentes da COVID-19."

E continuou o PDT, em sua digressão, na representação criminal enviada ao STF:

"Mesmo diante do amplo espectros de estudos realizados, o Senhor Jair Messias Bolsonaro insiste na prescrição da cloroquina como panaceia para todos os males advindos da COVID-19, com realização de lives semanais e aparelhamento do Estado para a fabricação e difusão do medicamento. Rememora-se, no ponto, que o Governo Federal e as Forças Armadas distribuíram 2,8 milhões de comprimidos de cloroquina produzidos pelos laboratórios do Exército e da Marinha à população de todos os estados brasileiros. De acordo com documentos obtidos pela "Agência Pública", "o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército (LQFEx) e o Laboratório Farmacêutico da Marinha (LFM) produziram ao todo 3,2 milhões de comprimidos de cloroquina em 2020. Antes da pandemia, o LQFEx produzia 250 mil comprimidos a cada dois anos para o combate à malária".

Muitos ganharam dinheiro em propaganda, prescrição e exibição desses medicamentos que comprovadamente não curam o mal da covid-19.

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Esse é o fato.

Prevê o artigo 283 do Código Penal:

Art. 283 - Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Trata-se de um crime de menor potencial ofensivo onde se prevê transação e sursis processual e proposta de acordo de não persecução penal. Na lição de Celso Delmanto e outros(Código Penal Comentado, 6ª edição, pág. 563), cabe o sursis processual mesmo que resulte lesão corporal grave ou morte(artigo 76 da Lei nº 9.099/95).

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Inculcar significa apregoar ou dar a entender; anunciar quer dizer divulgar ou fazer saber. O objeto das condutas é a cura por meio secreto ou infalível. Tem-se, como disse Guilherme de Souza Nucci(Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 979), por fim punir aquele que, sendo médico ou não, se promove à custa de métodos questionáveis e perigosos de curar pessoas, de maneira oculta ou ignorada do paciente e do poder público, além de divulgar mecanismos inverídicos de cura de enfermidade.

Para Heleno Cláudio Fragoso(Lições de Direito Penal, parte especial, 1965, volume III, pág. 915) é mister que haja insinceridade e falsidade da parte do agente.

Para Magalhães Noronha(Direito Penal, 1995, volume IV, pág. 65) que não se trate de um convicto, ou seja,, que sabia não ter eficácia o que proclama e anuncia.

Como ensinou Flamínio Fávero(Medicina Legal, páginas 41 e 42), charlatanismo é "inculcar ou anunciar cura por meio secreto e infalível. No segredo e a infalibilidade estão os pontos fundamentais do ilícito moral e legal, porque a medicina não pode agir por meios secretos, devendo ser franca e leal em sua atuação e também porque nunca pode pretender a infalibilidade".

O crime exige o dolo de perigo, genérico, a vontade de gerar um risco não tolerado a terceiros. Ainda Guilherme de Souza Nucci(obra citada, pág. 980), ao contrário de outros autores, não vê necessidade de se exigir do agente que saiba que o seu método não é infalível ou ineficaz. A vontade deve pautar-se em divulgar a cura por método infalível, creia nisso ou não.

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Cura é o restabelecimento da saúde de alguém.

Meio é o recurso utilizado para atingir um determinado objetivo, que seria a cura do doente, para o caso. Secreto é meio oculto ou ignorado pelo paciente.

O crime é comum(qualquer pessoa pode praticá-lo), formal, comissivo, excepcionalmente omissivo impróprio.

Como lecionou Heleno Cláudio Fragoso(Lições de Direito Penal, volume II, parte especial, 5ª edição, pág. 267) o crime consuma-se com a simples ação de inculcar ou anunciar, sem que seja necessária a habitualidade ou qualquer outro resultado."

O PDT me honrou naquela representação ao me citar da seguinte forma ao me pronunciar sobre o crime previsto no artigo 283 do Código Penal:

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"Ensina Rogério Tadeu Romano que a materialidade do crime reside na ação de inculcar (encarecer, sugerir) ou anunciar (divulgar, noticiar) cura por meio secreto ou infalível. O crime reside numa fraude que ocorre em um momento anterior, tendo em vista a relevância do interesse prevalentemente atingido ou posto em perigo, que é a saúde pública."

Houve incitação de entrada de pessoas a ele ligadas em um hospital onde lá eram tratadas vítimas da covid-19.

Disse eu naquela oportunidade:

"O presidente Jair Bolsonaro pediu a apoiadores que "arranjem" um jeito de entrar em hospitais públicos ou de campanha que atendam pacientes com a Covid-19 para filmarem o interior das instalações. A ideia, segundo ele, seria mostrar a real dimensão da epidemia causada pelo novo coronavírus. Mais uma vez, sem provas, Bolsonaro levantou suspeitas de que os dados referentes à doença no país estariam sendo manipulados para atingir o seu governo.

-- Seria bom você fazer... na ponta da linha, se tem um hospital de campanha perto de você, se tem um hospital público... arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tem feito isso, mas mais gente tem que fazer pra mostrar se os leitos estão ocupados ou não. Se os gastos são compatíveis ou não. Isso ajuda. Tudo o que chega para mim nas redes sociais a gente faz um filtro e eu encaminho para a Polícia Federal ou Abin (Agência Brasileira de Inteligência) -- afirmou Bolsonaro.

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É uma declaração lamentável, desprezível e grosseira.

Bastou o presidente Jair Bolsonaro sugerir a invasão em hospitais para comprovar que a tragédia do coronavírus não é tão grave como afirma a ciência em todo o mundo, para despertar um grupo de deputados estaduais a fiscalizar o Hospital Dório Silva, na Serra, no último dia 12 de junho de 2020.

Em 13 de junho de 2020, o Brasil tinha 832.866 casos de Covid-19, e o número total de mortes é de 42.055. Os números são do boletim do consórcio de veículos de imprensa formado por O GLOBO, Extra, G1, Folha de S. Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo, a partir das atualizações das secretarias estaduais de Saúde.

É, de longe, a pior pandemia que assolou o país.

A declaração representa um verdadeiro desrespeito aos profissionais de saúde que estão em uma luta insana no combate a covid-19 e ainda aos pacientes e seus familiares que sofrem com tamanha tragédia e que, hoje, representa uma imensa dor.

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Invadir hospitais é crime e estimular também.

O código penal estabelece o crime de pôr em perigo a saúde de outrem (artigo 132 do CP) e ainda a incitação ao crime (artigo 286).

Ora, a covid-19 é uma doença grave.

Na matéria, observe-se o site do OPAS Brasil:

  • A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 30 de janeiro de 2020, que o surto da doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19) constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional - o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia.
  • Quando uma pessoa no Brasil apresentar sintomas respiratórios - febre, tosse, dor de garganta ou dificuldade para respirar - a (o) médica (o) vai prescrever o isolamento e emitir o atestado para o doente e todas as pessoas que residem no mesmo domicílio (mesmo que não apresentem sintomas) por 14 dias, conforme a Portaria Nº 356 de 11 de março de 2020.
  • A OPAS e a OMS estão prestando apoio técnico ao Brasil e outros países, na preparação e resposta ao surto de COVID-19.
  • As medidas de proteção são as mesmas utilizadas para prevenir doenças respiratórias, como: se uma pessoa tiver febre, tosse e dificuldade de respirar, deve procurar atendimento médico assim que possível e compartilhar o histórico de viagens com o profissional de saúde; lavar as mãos com água e sabão ou com desinfetantes para mãos à base de álcool; ao tossir ou espirrar, cobrir a boca e o nariz com o cotovelo flexionado ou com um lenço - em seguida, jogar fora o lenço e higienizar as mãos.
  • Há sete coronavírus humanos (HCoVs) conhecidos, entre eles o SARS-COV (que causa síndrome respiratória aguda grave), o MERS-COV (síndrome respiratória do Oriente Médio) e o SARS-CoV-2 (vírus que causa a doença COVID-19).

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Observo o tipo penal exposto no artigo 132 do Código Penal.

Há um tipo genérico para o caso, previsto no artigo 132 do CP:

Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:

Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.

Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998)

Esse tipo é válido para todas as formas de exposição da vida ou de terceiros a risco de dano, necessitando da prova da existência do perigo, para configurar-se.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa e o sujeito passivo deve ser pessoa certa.

O crime exige dolo de perigo.

O risco há de ser palpável de dano voltado a pessoa determinada. A conduta, como explicou Guilherme de Souza Nucci (Código pena comentado, 8ª edição, pág. 632), exige, para configurar este delito, a inserção de uma vítima certa numa situação de risco real - e não presumido - experimentando uma circunstância muito próxima ao dano. Há um perigo concreto. O dano é iminente, mas o perigo é atual.

Como tal, trata-se de crime de perigo concreto (delito que exige prova de existência do perigo gerado para a vítima) e exige a forma comissiva.

Quanto a questão do transporte público, que envolve a edição da Lei 9.777, de 29 de dezembro de 1998, a questão envolve os proprietários de veículos que promovem o transporte de trabalhadores sem lhes garantir a necessária segurança.

Trata-se de crime de menor potencial ofensiva caso não constitua crime mais grave. Ora, trata-se de crime subsidiário, pois somente será utilizado quando outra mais grave deixa de se concretizar. Assim se houver tentativa de homicídio, aplicam-se as regras atinentes a esse crime contra a vida.

Tem-se o artigo 265 do Código Penal:

Art. 265 - Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força ou calor, ou qualquer outro de utilidade pública:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Parágrafo único - Aumentar-se-á a pena de 1/3 (um terço) até a metade, se o dano ocorrer em virtude de subtração de material essencial ao funcionamento dos serviços. (Incluído pela Lei nº 5.346, de 3.11.1967)

Trata-se de crime para o qual cabe a suspensão condicional do processo, segundo o artigo 89 da Lei nº 9.099/95, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal ).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II - proibição de frequentar determinados lugares;

III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

Atentar significa perpetrar atentado ou colocar em risco, através de atos executórios, alguma coisa ou alguém. O objeto é a segurança ou o funcionamento de serviço de utilidade pública, tal qual é o que ocorre com os hospitais.

O elemento do tipo é o dolo de perigo, ou seja, a vontade de gerar um risco não tolerado a terceiros.

Segurança é condição daquilo que se pode confiar, funcionamento é a movimentação de algo com regularidade.

Trata-se de crime formal(que não exige para a sua consumação um resultado naturalístico), ocorrendo dano haverá um exaurimento.

A tentativa é de difícil concretização.

Por sua vez, tem-se o artigo 286 do Código Penal.

Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:

Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) meses, ou multa.

Os Códigos Penais de 1830 e 1890 eram omissos a respeito.

O crime, do que se lê pela pena, é de menor potencial ofensivo, razão pela qual há uma consciência de impunidade social nesse tipo de conduta.

Merecem ser estudadas as ocorrências na conduta, em redes sociais, de incitar (instigar, provocar, excitar), publicamente, a prática de crime. A publicidade da ação é um pressuposto de fato indispensável. Dela resulta a gravidade dessa conduta que, de outra forma, seria apenas um ato preparatório impunível. Pública é a incitação quando é feita em condições de ser percebida por um número indeterminado de pessoas, sendo indiferente que se dirija a uma pessoa determinada. A publicidade implica na presença de várias pessoas ou no emprego de meio que seja efetivamente capaz de levar o fato a um número indeterminado de pessoas (rádio, televisão, cartazes, alto-falantes, a internet). A publicidade é a nota nesse ilícito que surge pela indeterminação nos destinatários.

Exige-se a seriedade na incitação, que deve resultar das palavras e dos gestos empregados.

Como bem assevera Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, Rio de Janeiro, Forense, volume II, 5ª edição, pág. 274), a tutela penal exerce-se com relação a paz pública, pois a instigação à prática de qualquer crime traz consigo uma ofensa ao sentimento de segurança na ordem jurídica e na tutela do direito, independentemente do fato a que se refere a instigação e as consequências que possam advir. No direito comparado, aliás, há o exemplo do Código Penal alemão (§ 111) que classifica este delito entre as infrações que constituem resistência ao poder público, de tal sorte a considerar como bem jurídico tutelado o poder público.

O crime de incitação, crime contra a paz pública, pode ser praticado por qualquer meio idôneo de transmissão de pensamento (palavra, escrito ou gesto). Não basta uma palavra isolada ou uma frase destacada de um discurso ou de um escrito. A incitação deve referir-se a prática de um crime (fato previsto pela lei penal vigente como crime) e não mera contravenção. Deve a incitação se referir a um fato delituoso determinado, exigindo o dolo genérico, sendo crime formal que se consuma com a incitação pública, desde que seja percebida ou se torne perceptível a um número indeterminado de pessoas, independentemente de qualquer outro resultado ou consequência da incitação.

Repita-se que é indispensável que se trate de fato determinado (e não de instigação genérica a delinquir).

Cita o Ministro Nelson Hungria (Comentários ao código penal, volume IX, pág. 167), o exemplo daquele que lança a primeira pedra contra a mulher adúltera, incitando os demais da multidão colérica à criminosa lapidação. Mas, ainda ensina o Ministro Nelson Hungria que não há crime quando o agente faz apenas a defesa de uma tese sobre a ilegitimidade ou sem razão da incriminação de tal ou qual fato, por exemplo, o homicídio eutanásico, o aborto. Isso porque não haveria ali o animus instiganti delicti, mas uma opinião no sentido da exclusão do crime.

O crime é formal e se consuma como incitação pública que seja percebida ou se torne perceptível a um número indeterminado de pessoas independente de qualquer outro resultado ou consequência da incitação. É possível a tentativa quando se trata de incitação oral. Assim, consuma-se o crime com a simples incitação, com a incitação pública (RT 718/378). Mas, repita-se: é indispensável, porém, que um número indeterminado de pessoas tome conhecimento da incitação, ainda que seja dirigida a pessoas determinadas.

O crime é de perigo presumido.

Se a pessoa instigada a praticar um crime vem, efetivamente, a praticá-lo, o instigador poderá responder por ele, como coautor, desde que a incitação tenha resultado em um contingente causal na formação do propósito criminoso, como ensinou Heleno Cláudio Fragoso (obra citada, pág. 276). Nessa hipótese, haverá a incidência de concurso material entre tal crime e o de incitação (artigos 29 e 69 do CP).

O dolo é genérico que consiste na vontade conscientemente dirigida à incitação à prática de um crime determinado, já que não exige um especial fim de agir. Tal consciência corresponde a sua seriedade, que é elemento indispensável e fundamental para que a pessoa possa reconhecer o fato, bastando que o agente saiba poder causá-lo e assuma o risco de produzi-lo.

Se isso não bastasse, na lei de abuso de autoridade, o artigo 22 estabelece que é crime "invadir ou entrar astuciosamente ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio", no artigo 25, obter provas, em procedimento de investigação ou fiscalização, de forma ilícita."

A conduta do atual presidente com relação ao crime de epidemia deve ser objeto de apreciação.

Sobre ele já disse:

"Observo a gravidade da notícia pelo site do Estadão, em 25 de março do corrente ano:

"Após fazer um pronunciamento criticando o confinamento e defendendo a abertura de comércios, o presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quarta-feira, 25, que pedirá ao Ministério da Saúde mudança na orientação de isolamento da população durante a pandemia do novo coronavírus. A recomendação defendida pelo presidente é que o isolamento seja adotado apenas para idosos e pessoas com comorbidades (outras doenças).

Segundo Bolsonaro, os efeitos das medidas de enfretamento à covid-19 na economia pode colocar em risco a "normalidade democrática". "Todos nós pagaremos um preço que levará anos para ser pago, se é que Brasil não possa ainda sair da normalidade democrática que vocês tanto defendem. Ninguém sabe o que pode acontecer no Brasil", disse o presidente ao deixar o Palácio da Alvorada pela manhã. Ele disse que ainda conversaria com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sobre a decisão de mudar a orientação sobre confinamento."

O número de mortes por causa do novo coronavírus subiu para 46 nesta terça-feira, 24, segundo o Ministério da Saúde. É o maior salto em um único dia: 12. O primeiro óbito foi registrado no dia 17 deste mês. O País já soma, desde o início da crise do coronavírus, 2.201 confirmações da nova doença.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirmou na noite desta terça-feira, em sua conta no Twitter, que o presidente Jair Bolsonaro "repetiu opiniões desastradas sobre a pandemia" do novo coronavírus durante pronunciamento transmitido em cadeia nacional de rádio e TV. FH disse ainda que Bolsonaro "passou dos limites" ao discursar em oposição às recomendações de médicos infectologistas. Para o tucano, se o presidente "não calar" estará "preparando o fim".

"Eu não ia voltar ao tema, mas o Pr repetiu opiniões desastradas sobre a pandemia. O momento é grave, não cabe politizar, mas opor-se aos infectologistas passa dos limites. Se não calar estará preparando o fim. E é melhor o dele que de todo o povo. Melhor é que se emende e cale", escreveu FH.

A Sociedade Brasileira de Infectologia divulgou uma nota na noite desta terça-feira, ainda conforme o site do Estadão, rebatendo as declarações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro em cadeia nacional de rádio e TV e reafirmando a necessidade de isolamento social para conter a pandemia do coronavírus. A entidade ainda criticou a classificação dada pelo presidente à doença: "resfriadinho" e se mostrou preocupada com a "falsa impressão" dada por ele de que as medidas anunciadas são inadequadas.

Essa medida, se concretizada, poderá desaguar numa epidemia de forma a trazer consequências no terreno do direito penal.

Assim se houver término da quarentena será caso de examinar o artigo 267 do Código Penal, que trata o crime de epidemia.

Determina o artigo 267 do Código Penal:

Art. 267 - Causar epidemia mediante a propagação de germes patogênicos.

Pena: Reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos.

Parágrafo 1º: se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro

Parágrafo 2º: No caso de culpa, a pena é de detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, ou, se resulta morte de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

Epidemia, como explicou Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8º edição, pág. 959) significa uma doença que acomete, em curto espaço de tempo e em determinado lugar, várias pessoas.

O objeto do crime é a incolumidade pública, considerando-se o perigo decorrente da difusão de epidemias, que põem em risco à saúde de indeterminado número de pessoas.

Trata-se de um crime de perigo para a incolumidade pública, perigo que se presume de forma absoluta. Para Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8º edição, pág. 960) trata-se de crime de perigo comum concreto, mas há posição oposta, como a de Delmanto e outros (Código Penal Comentado, pág. 486), para quem é crime de perigo abstrato. Mas o tipo exige que o agente provoque alguma doença. No mesmo sentido da posição de Nucci, tem-se a lição de Luiz Régis Prado (Código Penal anotado, pág. 823).

Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, parte especial, volume II, 5º edição, pág. 199) vê também a existência no delito de epidemia de um crime de dano, já que a epidemia constitui em si mesmo evento lesivo da saúde pública.

De toda sorte, a presunção de perigo funda-se na possibilidade notável de difusão da moléstia.

O crime é comissivo e, de forma excepcional, omissivo impróprio ou comissivo por omissão, quando o agente tem o dever jurídico de evitar o resultado . Magalhães Noronha (Direito Penal, volume IV, pág. 5) e ainda Delmanto e outros (Código Penal Comentado, pág. 486) observam que pode haver um delito passivo de cometimento na forma omissiva: quando o agente tem o dever jurídico de impedir o resultado.

O delito é instantâneo.

Sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa e o sujeito passivo é a coletividade.

O tipo objetivo do crime em discussão consiste em causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos. Está excluído o tipo penal se a propagação se der por qualquer outro meio.

O modo pelo qual a ação de propagar (espalhar, difundir, reproduzir) se pratica, é irrelevante.

Germes patogênicos, como dito na Exposição de Motivos ministerial do Código Penal Italiano, são todos os microrganismos (vírus, bacilos, protozoários), capazes de produzir uma moléstia infecciosa. São os micro-organismos capazes de gerar doenças, como os vírus e as bactérias, dentre outros.

O crime se consuma pela superveniência da epidemia que não se refere, como ensinou Heleno Cláudio Fragoso, à luz das conclusões de Manzini, a qualquer moléstia infecciosa e contagiosa, mas somente àquela suscetível de difundir-se na população, pela fácil propagação de seus germes, de modo a atingir, ao mesmo tempo, grande número de pessoas, com caráter extraordinário. Deve se tratar de moléstia humana.

Diverso das epidemias são as endemias, que são moléstias que atingem determinadas regiões e que se devem a causas ambientais.

O tipo subjetivo é o dolo específico, bastando o dolo eventual, de forma que o agente assuma o risco de produzir a epidemia.

O objeto material é o germe patogênico. O objeto jurídico do crime é a saúde pública.

Resultado Qualificador: De acordo com o parágrafo 1º do art. 267 do CP, se o fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro o resultado morte é imputado ao agente a título de culpa, na maioria das hipóteses, culpa consciente.

Modalidade Culposa: O tipo culposo se caracteriza pela inobservância do cuidado objetivo necessário, dando causa ao evento se da conduta culposa resulta morte, o crime é qualificado pelo resultado. O delito de epidemia é material.

Ação Penal: A ação penal é pública incondicionada."

Todas essas observações levantadas no parecer de juristas solicitado pela CPI da covid-19 devem ser levadas à PGR.

O que será feito pelo titular da ação penal pública?

*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado

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