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Opinião | Litigância predatória: um problema ético, sistêmico e concorrencial

Ao desvirtuar o uso da máquina judiciária, a litigância predatória prejudica o pleno funcionamento do sistema de justiça, ferindo, por extensão, os direitos das partes legítimas que aguardam por uma solução célere e eficaz para suas demandas, além de onerar os contribuintes

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convidado
Por Luciano Benetti Timm
Atualização:

A litigância é um fenômeno factual, que ocorre no plano do ser e não do dever de ser, embora existam regras de processo e de teoria geral do direito que tratem do exercício de direitos como quadro normativo dentro do qual pessoas tomarão decisões sobre processos.

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A ciência do direito é fundamentalmente uma ciência normativa e, portanto, não trabalha com o mundo empírico, necessitando se valer de métodos científicos provenientes das outras ciências sociais como a Economia para adequada compreensão daquela situação fática.

Recente debate sobre esse fenômeno vem mobilizando as lideranças da OAB como se a discussão científica proposta pudesse colocar em risco o acesso à justiça e “criminalizar” o exercício da advocacia. Mas essas lideranças ou estão mal-informadas ou estão pensando em termos eleitorais, mas sem consultar os advogados.

Diz se isso porque é difícil pensar que a maioria dos advogados seja favorável à litigância predatória, até porque ela coloca em risco o funcionamento do sistema público de justiça, do qual o advogado é o primeiro juiz e parte indispensável de seu funcionamento.

A litigância predatória pode ser conceituada como a prática de ajuizamento sistemático e abusivo de ações judiciais ou de resistência sem motivação justificável, sem fundamento razoável ou com escopo desproporcional de obter vantagens processuais, pressionar a parte contrária ou sobrecarregar o Judiciário. Ela pode descrever comportamento de qualquer uma das partes em juízo e até mesmo ser incentivada (no jargão econômico) pelos stakeholders do sistema judicial. Sim, no limite, advogados, promotores, defensores públicos e mesmo juízes podem atuar de forma contribuir com a litigância predatória. Pense-se, por exemplo, em um juiz que não segue precedentes.

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Este tipo de litigância visa, muitas vezes, a exploração de brechas legais ou processuais ou até mesmo judiciais para finalidades outras que não a solução justa do conflito, mas do puro ganho financeiro. Ao desvirtuar o uso da máquina judiciária, a litigância predatória prejudica o pleno funcionamento do sistema de justiça, ferindo, por extensão, os direitos das partes legítimas que aguardam por uma solução célere e eficaz para suas demandas, além de onerar os contribuintes.

Já no plano normativo, o termo “litigância predatória” não possui previsão literal no ordenamento jurídico federal. No entanto, o Código de Processo Civil prevê o combate à litigância de má-fé (arts. 79 a 81), o que inclui práticas abusivas e sistemáticas que deturpam o uso do Judiciário para objetivos outros que não a tutela de direitos legítimos. Na mesma toada, o Código Civil proíbe o abuso de direito, instituto que pode naturalmente ser aplicado ao ramo processual, dado que processo é instrumento e não pode ser abusado. Até porque o campo o Direito Privado oferece flexibilidade normativa para a construção jurisprudencial favorável a preservação do sistema público. Afinal, já temos um dos judiciários mais caros do mundo em percentual do PIB e gastamos muito mais em disputas do que em saneamento básico, por exemplo.

Os efeitos deletérios da litigância predatória são notórios e por limitação de escopo não poderemos trabalhar aqui, mas ela requer um estudo desapaixonado, baseado em dados e evidências e longe de interesses corporativos.

Diante do exposto, resta claro que o enfrentamento da litigância predatória não se confunde com a tentativa de restringir o direito de acesso à Justiça ou criminalizar o exercício da advocacia. Ao contrário, trata-se de uma atuação destinada a preservar o Judiciário contra o uso abusivo e arbitrário de seus mecanismos por qualquer uma das partes. A existência de normas e diretrizes que permitem o combate à litigância predatória visa, sobretudo, desestimular práticas nocivas e assegurar que o Judiciário permaneça acessível, eficiente e focado na resolução de conflitos com substância e relevância.

Tais medidas têm como alvo condutas específicas, pontuais e, em geral, restritas a um número limitado de agentes que, ao explorar o sistema de forma abusiva, comprometem os interesses de todos.

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Mais do que isso, há preocupações éticas em relação ao exercício da advocacia que deveriam preocupar a OAB. Falsificação de procuração é crime! Captação indevida de clientela viola o Código de Ética Profissional. O excesso de faculdades de direito, associado ao fenômeno das redes sociais acabou potencializando situações que não podem ser admitidas pelo Poder Judiciário e pela própria OAB, que deveriam estar trabalhando juntos.

Finalmente, há preocupações concorrenciais, pois escritórios que atuam de forma a estimular a litigância predatória, acabam fazendo publicidade indevida, acumulando recursos com honorários de sucumbência e contratuais em situações potencialmente ilegais ou de infrações disciplinares que criam vantagem competitiva. Controlar a litigância predatória é atitude pró concorrência leal.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Luciano Benetti Timm
Advogado sócio do CMT Advogados e professor da FGVSP. Foto: Inac/Divulgação
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