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O Senado Federal aprovou, no dia 26 de abril de 2022, o Projeto de Lei (PL) 4.401/2021 (antigo PL 2.303/2015) na forma de um substitutivo que incorpora alterações advindas de outros PL´s, entre eles o PL 3.825/2019, e outras propostas de emenda. O substitutivo aprovado pelo plenário do Senado Federal cria um marco legal para a criptoeconomia no país. O texto segue, agora, para a Câmara dos Deputados Federais, e, se aprovado, é encaminhado para sanção presidencial.
Uma vez aprovada a lei, haverá um ganho muito significativo para a criptoeconomia. O setor no país sai ganhando, na medida em que a matéria deixará a zona cinzenta na qual, atualmente, se encontra. Haverá mais clareza sobre as 'regras do jogo', e tudo isso gera enorme potencial de atração de investimentos para o país, constituição de empresas mais sólidas, ambiente de negócios mais efervescente.
Entre as proposições aprovadas, destaca-se a criação, em linha com as definições recomendadas pelo GAFI, de uma nova categoria no direito brasileiro chamada de "ativos virtuais". De acordo com o substitutivo aprovado, considera-se ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou de investimento.
Na categoria de ativos virtuais não se incluem a moeda soberana nacional, moedas estrangeiras, a moeda eletrônica, disciplina pela lei de pagamentos brasileira, nem utility tokens em geral, que, por definição, consistem em representações digitais que dão aos seus titulares acesso a produtos e serviços especificados. Também não se confundem com ativos virtuais valores mobiliários nem ativos financeiros discriminados em lei.
Além da criação dos chamados ativos virtuais, o substitutivo aprova a criação dos chamados "provedores de serviço de ativos virtuais". Segundo o texto aprovado, considera-se prestador de serviço de ativo virtual a pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, serviços relacionados à troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou estrangeira, troca entre ativos virtuais, transferência, custódia ou administração de ativos virtuais, entre outros.
O texto determina que as atividades dos provedores de serviços de ativos virtuais deverão ser aprovadas e regulamentadas por um ou mais órgãos ou entidades da administração pública federal a ser(em) indicada(s) por ato do Poder Executivo. Há grandes chances de que o regulador seja o Banco Central do Brasil.
Ao futuro regulador caberão as tarefas de autorizar funcionamento, transferência de controle, fusão, cisão e incorporação da prestadora de serviço de ativos virtuais, estabelecer condições para o exercício de cargos em órgãos estatutários e contratuais da empresa, supervisioná-la, aplicar as disposições da lei do processo administrativo sancionador aplicável ao Banco Central do Brasil e à Comissão de Valores Mobiliários, entre outras coisas.
A regulação infralegal deverá se orientar por princípios de livre iniciativa e livre concorrência, segregação patrimonial dos recursos aportados, segurança da informação e proteção dos dados pessoais, proteção à poupança popular, defesa dos consumidores e usuários, proteção contra a lavagem de dinheiro e ilícitos em geral, entre outros.
No que tange a proteção ao consumidor/investidor, chama a atenção a determinação expressa de que a segregação patrimonial implica no fato de que os recursos financeiros, ativos virtuais e respectivos lastros detidos por conta e ordem dos clientes não respondem, direta ou indiretamente, por nenhuma obrigação das provedoras de serviço de ativos virtuais, não podendo ser objeto de arresto, sequestro, busca e apreensão ou qualquer outro ato de constrição judicial em função de débitos dessas empresas.
O texto substitutivo mantém a criação de tipo penal de "fraude em prestação de serviços de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros" com pena de reclusão de 4 a 8 anos e multa. Além disso, o substitutivo inclui expressamente no escopo da lei de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98) e da lei que define os crimes contra o sistema financeiro (Lei 13.506/2017) que as atividades desenvolvidas por prestadores de serviços de ativos virtuais, incluindo pessoas físicas que prestem serviços semelhantes, estão sujeitas à incidência das respectivas leis.
O substitutivo prevê ainda a necessidade de criação do Cadastro Nacional de Pessoas Expostas Politicamente (CNPEP) e a possibilidade a redução a zero da alíquota de alguns tributos devidos sobre a importação, a industrialização ou a comercialização de máquinas (hardware) e ferramentas computacionais "verdes" utilizadas nas atividades de processamento, mineração e preservação de ativos virtuais desenvolvidas por pessoas jurídicas de direito privado.
Ato do Poder Executivo atribuirá a um ou mais órgãos ou entidades da Administração Pública Federal a competência para autorizar e fiscalizar a concessão do benefício fiscal. O benefício poderá ser extinto caso os bens adquiridos sejam alienados no período de três anos a quem não faça jus ao direito. Nesse caso, o alienante que fruiu do benefício da isenção deverá perder esse direito e recolher o montante devido conforme a legislação tributária.
A aprovação da lei dá um passo significativo na consolidação da criptoeconomia no país, muito embora a matéria ainda careça de regulação específica. Questões importantes como regime jurídico específico de emissão e circulação de stablecoins, de NFT´s e outros tipos de tokens ainda precisam ser melhor detalhadas em regulação infralegal. Além disso, as dúvidas existentes sobre natureza jurídica de tokens e potencial conflito com outras legislações persistirão. Isso pode gerar, inclusive, potenciais atritos entre reguladores, como atualmente acontece nos EUA. O arquivado PL 4.207/2019 criava um Fórum Interministerial com composição mista para resolver essas questões. No entanto, a ideia do Fórum não prosperou na atual redação do texto substitutivo.
Enquanto essas questões não forem resolvidas, o mercado cripto no país pode não conquistar a segurança jurídica necessária para desenvolver todo seu potencial, mas é importante deixar claro que, ainda assim, o momento é de comemoração pelo fato de nos aproximarmos, cada vez mais, mais de um primeiro marco regulatório para a criptoeconomia brasileira.
* Juliana Abrusio e Marcelo de Castro Cunha são, respectivamente, sócia e advogado da área de Direito Digital do Machado Meyer Advogados