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Opinião|Muito prazer, sou punitivista!

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convidado
Por Rodrigo Monteiro*

Tenho dois filhos. Um com 17 e outro, com 12 anos de idade. Na minha casa há regras que devem ser cumpridas e meus filhos têm seus deveres, pois a vida não é feita tão somente de direitos.

Quando descumprem as regras previamente estabelecidas, as consequências lhes são apresentadas. Nada mais é do que algo matemático: se não cumpriu as recomendações normativas familiares receberá uma reprimenda, proporcional ao ato ou omissão praticados.

Rodrigo Monteiro Foto: Arquivo pessoal

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E o cumprimento dessa regra tem um duplo efeito: fazer com que o filho que, voluntariamente, deu as costas às regras, receba uma resposta adequada e, sobretudo, servir de parâmetro para que o outro filho não atue do mesmo modo.

Aí estão os dois efeitos esperados de uma sanção: repressão e prevenção!

A aplicação de uma sanção previamente estabelecida e levada a efeito com a garantia dos preceitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa, tem a nobre função de contribuir com a manutenção da paz social, seja essa paz no âmbito da minha família ou em relação à sociedade em geral.

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A idealização do “não punir” como regra, guarda relação direta com o caos desenfreado que enfrentamos. Há pouco tempo esse caos era uma característica típica dos grandes centros urbanos, mas agora essa realidade mudou.

Informações divulgadas no primeiro dia útil de 2024 pela Secretaria de Segurança Pública do Estado do Espírito Santo revelam que das cidades com o maior número real de homicídios no ano de 2023, duas contam com população aproximada de 20.000 habitantes (Sooretama e Pedro Canário). Revela-se, assim, um implacável processo de interiorização da violência urbana.

E não há dúvidas de que a impunidade é o maior combustível à prática desses homicídios e de outros crimes violentos.

O que favorece a redução da “libido criminosa” não é a expectativa de penas elevadas, mas sim a certeza da pena. E no Brasil, infelizmente, o criminoso acredita piamente na cultura do “vai dar nada não”.

De forma coerente e fundamentada, Marcelo Tubino, na obra “Justiça e neurociência: Por que punir?”, demonstra que há uma relação neurológica entre a impunidade sistêmica e as decisões do indivíduo quanto à intenção de delinquir. O autor destaca que existem várias formas de controle social: família, sociedade, religião e, como última ferramenta, talvez grosseira, imperfeita, mas sempre necessária, a Justiça Penal. Ela, sim, como forma preventiva, age em áreas bastante remotas de nosso cérebro, tentando evitar comportamentos perniciosos à sociedade sob ameaça de punição.

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Punitivismo não é sinônimo de violação de direitos fundamentais, como muitos insistem em afirmar (por desconhecimento, ideologia ou por má-fé). Em verdade, a sobrevivência de qualquer estrutura social depende de sistemas de contenções como forma de correção e, sobretudo, de prevenção a novas escolhas desviantes.

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A aplicação (e o cumprimento) de uma sanção justa, obtida mediante a observância de todos os preceitos constitucionais, tem o condão de conferir estabilidade às relações sociais e, nesse sentido, impulsionar o princípio da confiança, que faz com que o cidadão decida cumprir as regras éticas aceitas por uma sociedade, na certeza de que o outro agirá da mesma forma.

O descrédito da justiça contribui para que o autor de atos violentos tenha a plena convicção de que jamais receberá qualquer medida coercitiva, fazendo com que o sentimento de impunidade em seu microssistema seja impulsionado. E esse sentimento é retroalimentado sempre que alguém, diante da escolha de fazer o certo ou o errado, voluntariamente, opta por agir em contrariedade às regras construídas democraticamente pela própria sociedade.

Cuida-se, conforme assinala a teoria da associação diferencial, desenvolvida pelo americano Edwin Sutherland, de um inegável processo de modelação social apto a fazer com que sejam observadas e imitadas a ações e comportamentos de outros indivíduos, fazendo com que o sujeito agregue novas respostas ao seu repertório social.

Não há como pensar no progresso de uma sociedade desprovida de regras de controle, as quais devem ser moduladas de forma democrática, bem como cumpridas com os olhos atentos aos ditames constitucionais.

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Somente animais irracionais não respondem por seus atos. Dessa forma, não é forçoso concluir que a punição atesta dignidade humana ao criminoso. A punição justa é o caminho para um processo de justiça restaurativa que é útil ao próprio condenado, para que aperfeiçoe suas virtudes.

A escolha deliberada por não punir importará em permitir o convívio social de quem já demonstrou ser inapto ao cumprimento das regras do contrato social.

Punir não é um ato de covardia, mas sim, o exercício de um poder-dever que o Estado avocou para si, como forma de evitar o justiçamento e a vingança privada.

O fortalecimento de estruturas (família, religião, ciclos de amizades, Estado, entre outras) com o potencial de inibir a prática de condutas desviantes e violentas é fundamental à vida em sociedade. Uma vez ultrapassada a prevenção, com a prática do ilícito, a punição é a medida adequada para sancionar o autor do mal injusto e, principalmente, evitar a ocorrência de novas condutas que irão infringir os padrões comportamentais eleitos democraticamente pela própria sociedade.

Há uma célebre frase atribuída a Albert Einstein, que condensa o pensamento de que a punição justa faz parte do processo de crescimento de toda sociedade que pretende ser reconhecida como evoluída: “O mundo é um lugar perigoso para viver, não exatamente por causa das pessoas más, mas por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer”.

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Meus filhos sabem que somente serão punidos se, voluntariamente, não observarem as regras pré-definidas e amplamente discutidas. A punição justa e proporcional, seja fora ou dentro das paredes da minha casa, é a maneira racional de buscarmos a prevenção de atos e omissões aptos a causar riscos à coletividade. E é exatamente por isso que sou, com orgulho, punitivista!

*Rodrigo Monteiro é promotor de Justiça Titular do Tribunal do Júri da Comarca de Vitória (ES); doutor em Direito (Universidad de Salamanca, Espanha); mestre em Direito (FDV)

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