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Opinião|O tempo e a paciência

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convidado
Por Marcela Arruda

Tolstói disse que os dois mais poderosos guerreiros são o tempo e a paciência[1]. De fato, o tempo é implacável. As mudanças inevitáveis não consideram nosso empenho e dedicação de anos, nem nossos interesses mais imediatos, e muitas vezes nos forçam a aceitar suas imposições. No entanto, eu sou do time da paciência, daquela que é capaz de contornar o tempo e extrair dele o melhor.

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A força do tempo exerce um papel crítico no âmbito funcional. Os avanços tecnológicos e novos contextos sociais forçam diversas profissões a se adequarem. Muitas delas, porém, não têm opção e acabam extintas. É o caso dos consertadores de máquinas de escrever, mensageiros, atores de rádio, e tantas outras profissões que gradativamente perderam espaço no mundo atual.

A lacuna no processo de realocação profissional daqueles que muito contribuíram com a sociedade e o risco de ter ocupações de funções sem o melhor aproveitamento das suas expertises e interesse público é sempre um desafio para os órgãos públicos, em especial quando temos mais de 130 mil servidores públicos,[2] oriundos de concursos realizados em diferentes janelas temporais.

Em uma tentativa de contornar o tempo e seus efeitos, no período de 2022 a 2023, criamos e lançamos o Programa “Ressignificando o Trabalho”[3], na Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Gestão. O projeto leva este nome por ter o potencial de ressignificar carreiras, levando em consideração as vontades e habilidades dos profissionais e se beneficiando da capacidade do poder público para gerar novas oportunidades. Mas uma mudança nessas proporções não é tão facilmente executada, demanda empenho, trabalho em equipe e a bendita paciência.

A movimentação de um servidor público, protegido pela estabilidade em sua função, visando ocupar um novo cargo em outra Secretaria Municipal, é um processo complexo e relativamente lento. Se, no entanto, o objetivo, por exemplo, é o de transferir 533 servidores, até uma data limite, próxima, o desafio é muito maior.

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Visualizando a oportunidade de fazermos um projeto piloto, começamos pela transferência dos servidores da extinta autarquia do Serviço Funerário. A Secretaria de Gestão ficou encarregada de coordenar o processo e se empenhou de forma especial para evitar traumas ou gerar resistências. A diretriz sempre foi conduzir o processo de forma humanizada e sensível.

Como se tratava de um processo em larga escala, com transferência de 533 servidores simultaneamente, era algo absolutamente inédito na Prefeitura. E tal desafio exigiria participação e colaboração de um grupo selecionado de diversas Secretarias Municipais e unidades vinculadas à Prefeitura. Juntamente com a Secretaria de Gestão, que coordenou o projeto, foram convocadas as Secretarias de Esporte e Lazer, Fazenda, Verde e Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico e do Trabalho, das Subprefeituras e a Controladoria Geral do Município.

Começamos pelo mapeamento das vagas existentes nas diversas unidades municipais e suas características. Em seguida, localizamos os endereços residenciais de todos os servidores e avaliamos o perfil e competências de cada um.

Dessa forma, foi possível oferecer aos servidores do Serviço Funerário diversas alternativas de destino. Mais do que isso, os servidores puderam escolher outras opções além das que lhes foram inicialmente oferecidas.

Com base nas características das vagas oferecidas, um amplo programa de capacitação foi organizado e ministrado por meio das diversas Secretarias Municipais participantes, com forte participação e orientação das equipes que atuam na Coordenadoria de Gestão de Pessoas (COGEP), Coordenadoria de Gestão de Saúde do Servidor (COGESS), Coordenadoria de Estudos e Gestão Estratégica (COEGE), todas da Secretaria de Gestão.

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Adquirir o know-how da condução de projetos como esse é especialmente importante nos tempos em que vivemos. Acima disso, deve-se ter sensibilidade para escolher atividades que interessem ou sejam aceitas pelos servidores.

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Nos preocupamos, também, em diminuir o deslocamento dos servidores, que foram transferidos para unidades próximas a suas residências ou, quando não havia essa possibilidade, para unidades próximas ao seu local de trabalho.

Uma servidora que gastava 1 hora e meia para se locomover até seu local de trabalho, identificou uma biblioteca nas vizinhanças de sua casa e solicitou uma transferência para este endereço. Foi constatado que a unidade tinha uma vaga. Hoje, ela gasta apenas 15 minutos de sua casa até o local de trabalho e atende a todos na biblioteca com um amplo sorriso, feliz da vida.

Caso ainda mais notável: a servidora do Serviço Funerário, que mora em Cotia[4], no km 39 da Raposo Tavares. A equipe do projeto localizou no próprio município de Cotia o Parque Cemucam:[5] um lindo espaço verde, com trilhas para desfrutar o verde e a natureza, com locais para passeios de bicicletas, quiosques para piquenique, condições que tornam o trabalho ainda mais agradável, onde a servidora foi alocada.

Há casos de servidores que viviam a 50 kms de sua residência e hoje estão a 14 km e outros cuja residência se situava a 35 km do local de trabalho e que hoje estão a uma distância de 6 kms.

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Outro fator positivo foi o número de cursos de capacitação oferecidos pelas Secretarias participantes: a Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia trouxe o curso de Inclusão e Alfabetização Digital, a Escola Municipal de Administração Pública de São Paulo, o curso de Atendimento ao Público, o Arquivo Público Municipal, Práticas Administrativas de Gestão Documental em Sistemas Informatizados, a Controladoria Geral do Município, o curso Ética no Setor Público e a Coordenação de Educação Ambiental e Cultura de Paz da Secretaria do Verde e Meio Ambiente e Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho trouxeram os cursos de Jardinagem e Zeladoria, respectivamente.

Os servidores destacam o processo de capacitação como um dos pontos altos do projeto Ressignificando o Trabalho, assim como o tratamento humanizado dado pelos professores e professoras que ministraram os cursos. Boa parte dos servidores transferidos pede que novos cursos sejam criados, sobretudo em áreas como uso do computador, envio de e-mails, conhecimentos de Word e treinamento no Sistema Eletrônico de processos utilizado pela Prefeitura.

Um dos servidores, que é músico e estaria próximo de se aposentar, gostou tanto do novo trabalho que, aparentemente, desistiu da aposentadoria no curto prazo.

A percepção dos gestores das unidades onde os profissionais foram alocados é de que os servidores estão conseguindo contribuir com o trabalho na nova equipe e atender o fluxo das demandas. Um dos gestores destaca que [boa parte] “dos servidores está muito engajada, disposta a aprender.”

Em resumo, ao dedicarmos cuidado aos servidores transferidos, sabendo ouvir e nos esforçando legitimamente para acertar, criamos condições para que muitos dos servidores do Serviço Funerário tivessem uma nova oportunidade e abrimos o caminho para a inovação na gestão de realocação e aproveitamento dos talentos.

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Assim, colocamos em prática a máxima de Altshuler: “a má notícia é que o tempo voa; a boa notícia é que os pilotos somos nós.”[6]

[1] TOLSTÓI, Liev. “Guerra e Paz”. Companhia das Letras, 2017.

[2] Quantitativo de servidores públicos ativos na Prefeitura de São Paulo até fevereiro de 2024.

[3] Disponível em <https://clic.prefeitura.sp.gov.br/ressignificandotrabalho>

[4] Situação excepcional, tendo em vista que o servidor público municipal deve de residir no Município ou, mediante autorização, em localidade próxima (Lei 8.989/1979, art.178, VI).

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[5] Único parque municipal localizado fora do município de São Paulo

[6] Michael Altshuler é um palestrante global americano, autor do bestseller “Get Hired!”.

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Marcela Arruda
Secretária Municipal de Gestão de São Paulo e mestra em Gestão e Políticas Públicas pela FGV EAESP
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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