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Opinião|Reflexões sobre os precedentes judiciais no Brasil

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convidado

O atual microssistema brasileiro de precedentes judiciais foi iniciado, ao meu ver, há cerca de 20 anos, com a Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional 45 de 2004) e a adoção das Súmulas Vinculantes do STF, e posteriormente fortalecido com a observância obrigatória de juízes e tribunais às decisões nos incidentes de assunção de competência (IAC), nos incidentes de resoluções de demandas repetitivas (IRDR) e de resolução de recursos repetitivos . Algumas reflexões importantes devem ser feitas, diante do desafio do crescimento das demandas em massa e do advento de uma sociedade hiperconectada e digital.

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Esse microssistema de precedentes qualificados serve para impedir a dispersão judicial e jurisprudencial, provocadas sobretudo pela massificação, virtualização e facilidade de acesso à justiça, o que acarreta, por outro lado, o inchaço do poder judiciário, morosidade, advocacia predatória, aviltamento de honorários, possibilidade de decisões conflitantes e concomitantes em qualquer lugar do país, sem olvidar a afetação da saúde mental dos profissionais do direito diretamente envolvidos.

Além disso, as demandas em massa implicam ausência de estabilidade e de segurança jurídica, retirando a coerência, unidade e equilíbrio do sistema.

Os precedentes qualificados, então, em síntese, possuem três objetivos para o sistema judicial: isonomia (tratar todas as demandas com a mesma racionalidade), segurança (previsibilidade de decisões, sem loteria) e eficiência (duração razoável do processo, com efetiva entrega da prestação jurisdicional). Ou seja, os precedentes criam coerência, pois todo sistema necessita de unidade e coerência, e o que se estava vendo (e ainda se vê) é uma disfuncionalidade, a entropia de um sistema, provocados pelas demandas em massa.

E quando se fala de coerência, não é a coerência de um julgador individual, mas do próprio poder judiciário, da coletividade do sistema: uma coerência que vai além dos órgãos fracionários dos tribunais.

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Em outras palavras, quando falamos de decisão em precedentes, nos termos do artigo 927 do CPC, estamos falando de “decisão política”, de cima pra baixo, dos Tribunais Superiores para a base, almejando rapidez, eficiência e estabilidade, ou seja, a unidade e coerência do sistema.

Em muitas vezes, quando um processo é afetado, a discussão ultrapassa as partes daquela demanda e abre espaço para atuação de outros atores, como a intervenção do amicus curiae (art. 138 do CPC) e a realização de audiências públicas com ampla participação de interessados. Assim, diante de uma repercussão social e relevância, a parte perde o monopólio e o controle da sua pretensão.

Por outro lado, há o perigo da banalização dos precedentes qualificados, bem como a usurpação de competências do poder legislativo, com o judiciário fazendo as vezes do parlamento.

Parece, também, que há uma espécie de taylorização do fazer jurídico e uma certa perda de subjetividade do profissional do direito: de um lado, os engenheiros das teses, criadores e ditadores dos precedentes (o trocadilho aqui não foi proposital), e, de outro, os operários do direito que meramente repetem as teses. O que pretendemos ser?

O processo judicial eletrônico e a virtualização, por sua vez, permitem que todos os advogados e advogadas, de qualquer rincão do país, de qualquer casta, possam participar da criação de novas teses, retirando uma certa territorialidade e exclusividade subjetiva de acesso aos tribunais e tribunais superiores (e seus amici). Ou seja, criam-se as mesmas oportunidades aos profissionais (e não operadores) do direito.

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O que se vê, por fim, é o surgimento de uma anômala concentração e massificação de demandas no STF, de reclamações constitucionais e de outros instrumentos, requerendo a autoridade do precedente do STF, pois um tribunal de instância inferior não respeitou a ratio da decisão superior.

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Observa-se, por exemplo, uma certa resistência da Justiça do Trabalho em aceitar algumas decisões do STF em matéria trabalhista, o que demonstra a existência de uma arena política na construção dos precedentes qualificados. E às vezes essa resistência dá certo, como foi o caso das contribuições assistenciais aos sindicatos. Tal fato, como se disse, realça que estamos mais lidando no campo político (criação de normas!) do que meramente no campo jurídico (aplicação da norma).

Enfim, essas reflexões e angústias fazem parte do fazer jurídico atual: complexo, ágil, criativo e heterogêneo, levando em consideração que democracia não é simples nem fácil nem indolor.

Convidado deste artigo

Foto do autor Eduardo Pragmácio Filho
Eduardo Pragmácio Filhosaiba mais

Eduardo Pragmácio Filho
Doutor e mestre em direito do trabalho pela PUC-SP, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, pesquisador do Getrab/USP e sócio de Furtado Pragmácio Advogados. Foto: Arquivo pessoal
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