Retrospectiva do agro 2019: avanços e desafios em curso

Blog

image

Blog

Blog do Fausto Macedo

PUBLICIDADE

Por Manuel Eduardo C. M. Borges
5 min de leitura
Manuel Eduardo C. M. Borges. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O ano inaugural do novo governo federal e da legislatura do Congresso Nacional iniciou com a seguinte palavra de ordem: reformas. Esse anseio por mudança não se estende apenas à Previdência Social, reestruturação administrativa do Estado e do sistema tributário nacional, mas também sobre condições que imperam há anos sobre os setores da economia nacional, em especial o agronegócio.

Previdência

Nesse cenário, 2019 experimentou importantes debates políticos com potencial para transformação estrutural no ambiente legal e fiscal da produção rural, das agroindústrias e tradings. A começar pela reforma da Previdência (Proposta de Emenda à Constituição 06/2019) que, apesar de mudanças significativas, ainda dispensa tratamento especial para a aposentadoria do trabalhador rural.

Por outro lado, a agenda da reforma previdenciária é marcada por um desafio ao setor ainda sem solução definitiva: o fim da imunidade da contribuição previdência sobre receita de exportação do agronegócio, que chegou a integrar o texto inicial da PEC 06/2019 e foi restabelecido pela nova Proposta de Emenda à Constituição 133/2019, conhecida como PEC Paralela da Previdência e que encerra o ano aprovada pelo Senado Federal.

A proposta segue para votação na Câmara dos Deputados e, se prevalecer o fim da imunidade, representará custo adicional do agro com a Previdência na ordem de R$ 60 bilhões nos próximos 10 anos, impactando a competitividade brasileira sobre exportação de commodities.

Lei Kandir e Reforma Tributária

Continua após a publicidade

Outro tema que demandou neste ano grande mobilização dos representantes do agro e que se estenderá por 2020 é a proposta de revogação da Lei Kandir. Com propósito de solucionar a perda de arrecadação dos Estados, a PEC 42/2019 poderá extinguir a imunidade do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte e Comunicação (ICMS) sobre as exportações do agro, cujo impacto negativo é estimado em R$ 47,8 bilhões.

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) tem atuado para afastar a revogação prevista na PEC 42/2019 sobre os produtos rurais primários e semielaborados.

Também é centro das atenções a reforma tributária, objeto da PEC 45/2019 em trâmite na Câmara dos Deputados e da PEC 110/2019 de iniciativa no Senado Federal. Com foco prioritário na simplificação do irracional sistema tributário nacional e na unificação dos principais tributos, todas as propostas de reforma tributária têm sido monitoradas com lupa e amplamente discutidas pelas entidades representativas do agro.

Isso porque a proposta busca a unificação e transformação do ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins no Imposto Sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), sem diferenciação entre os setores da economia, o que pode representar o fim dos benefícios e desonerações tributárias vigentes para o setor rural desde a Constituição de 1988, além da aplicação de alíquotas maiores.

Através dos congressistas integrantes da FPA, o texto da reforma tributária já é objeto de inúmeras propostas de emenda, em sua maioria buscando assegurar a manutenção das peculiaridades do setor.

A matéria encerra 2019 com a promessa pelo governo federal de apresentar sua versão da reforma, de forma fatiada, a partir do início do próximo ano, e com longo caminho ainda a avançar sobre as propostas já em tramitação no Congresso Nacional.

Fundos Estaduais

Continua após a publicidade

2019 também ficou marcado pela situação financeira falimentar de vários estados brasileiros, herdada de anos anteriores. Para vários governos estaduais onde o agronegócio representa importante parcela do Produto Interno Bruto (PIB), o setor tem sido alvo da sanha arrecadatória na tentativa de salvar as contas públicas.

O estado do Mato Grosso largou na frente e, no início do ano, majorou significativamente o Fethab (Fundo Estadual de Transporte e Habitação) cobrado sobre combustíveis e os principais produtos rurais, dentre eles algodão, gado, milho e soja. Apenas entre janeiro e agosto deste ano, a arrecadação geral registrou aumento de 20% em cooperação ao período do ano anterior.

A iniciativa foi replicada pelo vizinho Mato Grosso do Sul, que no último novembro aprovou o aumento do Fundersul (Fundo de Desenvolvimento Rodoviário) exigido sobre gado (acréscimo de até 72%), milho (acréscimo de 46%), algodão, cana-de-açúcar e arroz (todos com acréscimo de 50%).

Além do estado de Goiás, onde existe o Fundo Protege, outros governos estaduais com aptidão agrícola iniciaram projetos para constituição de fundos semelhantes que podem atingir mais o bolso dos produtores e agroindústrias. Esse risco de propagação sobre os demais estados exigirá grande mobilização das entidades e lideranças locais e somente poderá ser afastado de forma efetiva caso o Supremo Tribunal Federal venha a ser demandado e pronuncie pela inconstitucionalidade desses fundos.

Crédito e Seguros

O atual governo federal inaugurou seu primeiro Plano Safra (2019/2020) fiel à nova estratégia, em que busca reforçar o estímulo ao seguro rural e concentrar as linhas subsidiadas de crédito aos pequenos produtores, para que o crédito rural a juros livres ganhe espaço sobre os médios e grandes, uma vez que a taxa do mercado passou a ser competitiva diante do cenário de baixa histórica da Selic.

No entanto, as inovações estruturais para as operações de crédito no agronegócio foram trazidas pela Medida Provisória 897/2019, a MP do Agro, destacando aqui as mudanças para a Cédula de Produto Rural - CPR, que poderá ser objeto de circulação e negociação no mercado financeiro e a ser emitida com cláusula de variação cambial, uma importante ferramenta para internacionalização no comércio de commodities agrícolas.

Continua após a publicidade

Outras novidades da MP do Agro são a Cédula Imobiliária Rural - CIR e o Patrimônio de Afetação, as quais apresentam nova forma de capitação e garantias e permitirão a redução de juros a médio e longo prazo.

Acordo UE-Mercosul e conjunto de medidas

Finalmente, 2019 foi protagonizado pelo anúncio do acordo União Europeia-Mercosul, que para o agribusiness representará novas portas se abrindo para o significativo aumento da exportação dos produtos do campo. Mas o ano também tem sido palco de importantes iniciativas, lideradas em sua maioria pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). São ações e projetos para a desburocratização e melhora do ambiente competitivo do setor rural, desde a abertura de novos mercados no exterior, celeridade na liberação de acesso aos novos defensivos agrícolas, avanço sanitário e simplificação do licenciamento ambiental.

Essa retrospectiva revela o desafio que ficará para o próximo ano, em especial a possibilidade de elevação da carga fiscal para o agronegócio, mas também aponta grandes perspectivas para setor a partir do conjunto de medidas já concretizadas e em curso.

*Manuel Eduardo C. M. Borges, advogado especialista em Direito Tributário pela FGV/SP e integrante do escritório Peluso, Stüpp e Guaritá Advogados