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Opinião|Violações à Súmula Vinculante 24/STF

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Por Amir Mazloum e Walid Mazloum

A Constituição Federal conferiu ao Supremo Tribunal Federal o poder de editar súmulas com efeito vinculante em relação a todos os demais órgãos do Poder Judiciário, bem como à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 103-A da CF).

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Busca-se com isso a pacificação sobre determinado tema, de modo a conferir a necessária segurança jurídica. Por isso a súmula vinculante obriga a todos.

No âmbito fiscal, sabe-se que o crédito tributário só pode ser cobrado pela autoridade fazendária com o lançamento definitivo (art. 201 do CTN). No que tange aos crimes tributários, havia muita celeuma a respeito do momento em que se podia deflagrar inquérito policial ou ação penal, em face de recurso administrativo do contribuinte ou responsável tributário. Também se discutia sobre o marco inicial da prescrição.

Em 2009, pacificando a jurisprudência, foi editada pela Suprema Corte a Súmula Vinculante nº 24, estabelecendo que “”não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo. "

A partir de então, somente com a constituição definitiva do crédito tributário ficaram autorizados os órgãos da persecução penal a dar início à investigação criminal por crime tributário. De outra parte, o Fisco só pode enviar ao Ministério Público a Representação Fiscal Para Fins Penais (RFPFP) depois de proferida decisão final na esfera administrativa (art. 83 da Lei 9.430/1996).

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Entretanto, o que se tem visto ultimamente é um grande esforço para se contornar o enunciado da Súmula 24/STF, com intuito arrecadatório ou simplesmente para precipitar a persecução penal.

Tem-se visto casos em que a Receita Federal do Brasil, logo após a lavratura do auto de infração, pendente recurso administrativo, formula RFPFP para a apuração de crimes alheios ao escopo da representação fiscal.

E, nessa toada, abundam investigações criminais por crimes outros, mas que têm como pano de fundo o delito fiscal, tudo para obviar a Súmula 24. Assim, instauram-se inquéritos e ações penais desprovidas de lançamento definitivo, empregando-se rótulos os mais exóticos, como estelionato contra entidade pública (art. 171, § 3º, CP), falsidade documental (art. 297 do CP), lavagem de dinheiro sem crime antecedente (art. 1º da Lei 9.613/1998), ou até mesmo organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013), transformando uma sociedade comercial em associação criminosa.

Enfim, dá-se uma roupagem diferente para o crime material tributário, na falta de constituição definitiva do crédito tributário.

O ineditismo não para por aí. Seletivamente, tem-se exigido que a impugnação no processo administrativo tributário seja específica quanto ao valor do tributo. Questionar outras matérias não impediria, nessa linha de pensamento, o lançamento definitivo, podendo-se dar início à persecução penal.

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Está-se desvirtuando o conceito de lançamento para fugir à aplicação da súmula 24/STF. Entendemos que não há lançamento definitivo enquanto pender de julgamento recurso administrativo, não se podendo, portanto, deflagrar investigações criminais.

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Com efeito, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 142, elenca quatro requisitos essenciais ao lançamento: ocorrência do fato gerador; determinação da matéria tributável; cálculo do montante do tributo devido; identificação do sujeito passivo.

O crédito tributário só existe a partir do lançamento. E, este, exsurge validamente somente com a composição dos quatro requisitos citados. Assim, não se pode dizer que o crédito tributário se constitui com a constatação apenas de um ou outro dos mencionados requisitos essenciais.

Em outras palavras, o crédito tributário é o resultado da combinação dos aludidos fatores que integram o lançamento, e não apenas da apuração do valor devido.

A lei tributária não faz distinção sobre qual aspecto do lançamento deva recair a impugnação para que se protraia a constituição definitiva do crédito e, a partir de então, possa a autoridade fazendária dar início à cobrança com a inscrição de dívida ativa.

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A Súmula Vinculante 24/STF, de aplicação obrigatória, também não distinguiu sobre quais aspectos do lançamento deve incidir a impugnação administrativa para se obviar a constituição definitiva do crédito. A Súmula é clara, havendo recurso administrativo, não há falar em lançamento definitivo e, portanto, não há crime.

Havendo impugnação, quer com relação à ocorrência do fato gerador, quer relativa à matéria tributável, quer do montante devido, ou relacionada com a sujeição passiva, não há lançamento definitivo enquanto não proferida decisão final no processo administrativo

A impugnação administrativa sobre qualquer um dos requisitos essenciais do lançamento protrai ex lege a constituição definitiva do crédito tributário (artigos 145, I, 151, III, 201, dentre outros, do CTN).

Em outras palavras, o lançamento definitivo do tributo ocorre somente com o exaurimento da via administrativa. A constituição definitiva do crédito tributário se dá apenas e tão somente com o lançamento definitivo, nos moldes exigidos pela Súmula Vinculante 24/STF.

Caso o contribuinte ou responsável tributária tenha impugnado apenas o requisito da sujeição passiva, não há falar em constituição definitiva do crédito por não se estar discutindo o valor do tributo apurado. Ora, a todo crédito corresponde necessariamente a existência de um devedor. E, se este não está determinado ainda, não se pode considerar definitivo o lançamento.

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É preciso frear essa busca frenética em contornar o enunciado da Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal, procurando-se esvaziá-la em seu sentido normativo. E que o Poder Judiciário fique atento a essas manobras.

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Advogado tributarista do escritório Mazloum Advogados. Foto: Arquivo pessoal
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