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Zanin no STF poderá julgar processos contra Lula, Moro e Deltan? Entenda

Juristas e constitucionalistas ouvidos pelo Estadão se dividem sobre eventual impedimento de advogado em causas do presidente, mas são categóricos com relação a demandas envolvendo ex-juiz e ex-procurador da Lava Jato

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Por Pepita Ortega
Atualização:
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao lado do advogado Cristiano Zanin quando foi expedido mandado de prisão do petista no bojo da Lava Jato. Foto: Felipe Rau/Estadão

A indicação do advogado Cristiano Zanin Martins ao Supremo Tribunal Federal, formalizada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta quinta-feira, 1º, já levantou o debate sobre os limites de sua atuação na Corte. Como advogado do próprio chefe do Executivo, Zanin ficará impedido de julgar processos que ele mesmo levou ao STF, como recursos da defesa do petista, inclusive no âmbito da Operação Lava Jato. É o que destacam constitucionalistas e juristas consultados pelo Estadão.

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De outro lado, os especialistas ponderam que Zanin atuará sem impedimentos caso os artífices da Lava Jato - o senador Sergio Moro e o deputado cassado Deltan Dallagnol -, com quem travou embate deligerante, em Curitiba, base da Operação, virem alvo de ações no STF. No caso do ex-juiz, pode haver uma inversão de lado quando a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Moro, por calúnia ao ministro Gilmar Mendes, for analisada pela Corte máxima. Se o STF receber a acusação, Zanin pode vir a julgar Moro.

Já com relação a processos que possam atingir o presidente Lula, os especialistas divergem. Alguns avaliam que a relação advogado-cliente não implicaria em hipótese de impedimento para que Zanin não atue em casos diretos ligados ao petista. Outros consideram que o fato de o futuro ministro ter representado o chefe do Executivo obstaria a análise de processos a ele relacionados.

O caminho de Zanin até o STF começou a ser pavimentado nesta quinta-feira, 1º. Ele ainda vai passar por uma sabatina no Senado e precisa ter o nome aprovado no Plenário da Casa antes de ser nomeado. Só então ele vai decidir em quais casos terá de se dar por suspeito.

Para o criminalista e cientista político Fernando Augusto Fernandes, não há qualquer impedimento em que Zanin atue em processos da Operação Lava Jato, ou em ações que atinjam tanto o presidente Lula, Moro e Deltan. Sobre Lula, o criminalista argumenta que a relação advogado-cliente gera 'certo nível de intimidade', mas não configura a 'amizade' prevista nos Códigos de Processo Penal (CPP) e Civil (CPC) como impeditivo de atuação.

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"A prova disso é que o advogado, exercendo um papel público, defende inclusive pessoas que pensam absolutamente diferente dele. E não pode ser confundido com a causa. Você pode defender pessoas com quem você tenha vínculo ideológico ou tem admiração e passe a ter uma relação. É muito difícil você defender alguém sem passar a ter uma relação de pessoalidade com essa pessoa. Mas essa relação não é uma relação que impede a atuação como juiz", ressalta.

Já com relação a Deltan e Moro, o criminalista destaca que 'conflitos que ocorreram entre o advogado e o juiz ou membros do Ministério Público, mesmo que tenham se resvalado em processos, não são causas de impedimento'. "O juiz não precisa se dar como impedido ou suspeito em causas em que o próprio réu tenha causado o impedimento. Isso serve para os conflitos que tem ocorrido entre advogado e juiz. Portanto, não há impedimento nenhum em relação a os processos da Lava Jato", afirma.

De outro lado, o advogado Fernando Neisser, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), do Instituto Paulista de Direito Eleitoral (IPADE) e da Comissão de Direito Eleitoral OAB-SP, entende que Zanin não pode atuar em casos que envolvam seus antigos clientes, devendo se dar impedido - 'prática bastante comum com relação a juízes oriundos da advocacia em quaisquer tribunais.' "O impedimento, naturalmente, não se estende a casos em que um ex-cliente, como é o caso do Presidente Lula, tenha mero interesse", ressaltou.

A mesma opinião é compartilhada pelo advogado João da Fontoura, do escritório Bornholdt Advogados, que considera que a participação de Zanin nos julgamentos do STF só seria 'prejudicada' 'em casos específicos'. "De um lado, parte da competência do Supremo é exercida em processos "abstratos", aos quais não se aplicam as regras normais de suspeição. De outro, eventual impedimento ou suspeição seria plausível apenas em julgamentos que envolvessem pessoalmente o presidente Lula, e não o governo federal".

Nessa mesma linha, o constitucionalista Georges Abboud, sócio do Warde Advogados e professor na PUC-SP, ressalta que o fato de Zanin ter advogado para Lula não implica em qualquer impedimento nem gera qualquer tipo de suspeição para ele julgar temas de interesse do governo.

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"É muito diferente do que houve no passado, quando ex-ministros de Estado iam para o Supremo e lá julgavam pautas do governo. No caso do Cristiano Zanin, estamos falando de quem atuou como advogado e sequer foi ministro do governo Lula. Portanto, a indicação dele, com maior razão, não gera nenhum óbice para que venha a participar de julgamentos envolvendo questões institucionais do governo", indicou.

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Com relação à possibilidade de Zanin se deparar com um processo no qual Moro é réu, o constitucionalista segue o entendimento de Fernandes. "A priori, não haveria impedimento para Zanin julgar Moro. Zanin foi advogado em processos julgados pelo Moro; em tese, isso não gera a impossibilidade de Zanin participar dos julgamentos".

De um modo mais abrangente, a advogada Cecilia Mello, que atuou por 14 anos como juíza federal no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, entende que 'basta a possibilidade concreta de ofensa à imparcialidade' para se recomendar o afastamento de um magistrado da condução de um processo. "Não basta ser imparcial, mas demonstrar de forma induvidosa a sua imparcialidade", pondera.

A ex-magistrada explica que a imparcialidade do juiz é um pressuposto da relação processual, que assegura às partes da ação a isenção das autoridades do Poder Judiciário ao exercerem seu trabalho. "O julgador deve se colocar entre as partes e acima delas, sem qualquer interesse no objeto do processo ou intenção de favorecer qualquer dos lados, sendo esta a primeira condição e principio básico para se operar a Justiça em qualquer esfera de julgamento", pondera.

Nessa seara, Cecília explica que a quebra da imparcialidade de um juiz pode se dar tanto por causas objetivas, como subjetivas. No primeiro caso, ela se refere a hipóteses específicas, 'que interferem na relação entre o julgador e o objeto do processo', e são afastadas pela lei 'de forma clara e objetiva'.

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"Nas hipóteses de impedimento (arts. 252 e 253 do CPP, art. 144 do CPC) o juiz não poderá atuar na causa. No rol dos impedimentos, há a circunstância de o juiz ter atuado anteriormente, no mesmo processo, como advogado de uma das partes, mas não como advogado em outro processo que não aquele que esteja sob julgamento", indica.

Por outro lado, a imparcialidade do julgador também pode se revelar, 'não pela ocorrência de circunstância objetiva elencada na lei como um impedimento, mas por uma causa subjetiva, que compromete a isenção do magistrado em relação a determinada parte do processo', aponta Celília.

"São as hipóteses de suspeição, previstas no art. 254 do CPP e no art.145 do CPC. A suspeição trata de repelir o vínculo existente entre a pessoa do juiz (direta ou indiretamente) e a parte, como o amigo íntimo ou o inimigo capital. É a relação entre o juiz e determinada parte que se avalia. A suspeição também é causa de parcialidade do magistrado, constituindo ofensa ao princípio constitucional do juiz natural e imparcial", destaca.

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