Bolsonaro chama Elon Musk de ‘mito da liberdade’ e diz que compra do Twitter é ‘sopro de esperança’

Presidente diz que visita de fundador da SpaceX para tratar de marcos regulatórios, conectividade na Amazônia e operação de satélites no Brasil

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Por José Maria Tomazela, Eduardo Gayer e Circe Bonatelli
Atualização:
9 min de leitura

Pré-candidato à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL) usou a visita de Elon Musk ao Brasil nesta sexta-feira, 20, como um palanque em defesa de uma pauta política própria. Na batalha por menos moderação de conteúdos nas redes sociais, o chefe do Executivo afirmou que a compra do Twitter pelo bilionário, a quem chamou de “mito da liberdade”, é um “sopro de esperança”. Sem nenhum contrato formalizado, o mandatário anunciou parceria com a Starlink, empresa de Musk, para levar internet a escolas, além de monitorar a Amazônia.

O presidente e Musk se encontraram no evento “Conecta Amazônia”, organizado pelo Ministério das Comunicações, no Hotel Fasano Boa Vista, em Porto Feliz (SP). Participaram empresários brasileiros e ministros de Estado.

“O mais importante da presença dele é algo que é imaterial. Hoje em dia, poderíamos chamá-lo de mito da liberdade. O exemplo que nos deu, há poucos dias, quando anunciou a compra do Twitter, para nós aqui foi como um sopro de esperança”, disse o presidente.

Elon Musk e Bolsonaro se encontraram no interior de São Paulo nesta sexta. Foto: Twitter/Reprodução

Bolsonaro tem criticado as políticas de combate às fake news e a discursos de ódio nas redes sociais. Para ele, trata-se de uma violação às liberdades de expressão. “Ele (Musk) é a favor da liberdade total de expressão. Criticar Executivo, Legislativo e Judiciário não tem problema nenhum”, disse. Bolsonaro tem investido contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e é um entusiasta da ditadura militar no Brasil, quando os direitos políticos e a liberdade foram cerceados.

O presidente, no entanto, ponderou que o futuro do Twitter não fez parte das discussões com Musk. Fundador da SpaceX e simpatizante do ex-presidente Donald Trump, Musk anunciou a aquisição do Twitter em abril por US$ 44 bilhões, mas neste mês pediu garantias para prosseguir com a transação.

Na ocasião, ele falou sobre um possível afrouxamento das regras de moderação para conter a desinformação na rede social. “Muito animado por estar no Brasil para o lançamento da Starlink para conectar 19 mil escolas em áreas rurais e fazer o monitoramento ambiental da Amazônia”, escreveu Musk no Twitter.

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Bolsonaro diz que negocia parceria com Musk para conectar Amazônia

Após o encontro, Bolsonaro disse, entretanto, em entrevista, que a visita foi de cortesia, não de negócios. Mesmo assim, ele e o ministro das Comunicações, Fábio Faria, afirmaram que discutiram uma potencial parceria. “O que mais nos chamou a atenção foi sua preocupação com a Amazônia de verdade”, disse o presidente. No Brasil, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), já posto em xeque por Bolsonaro, é responsável por monitorar a floresta.

Bolsonaro afirmou que a cobertura da Região Norte com satélites da Starlink será um marco para o País – ainda que não haja acordo formal nem data para isso acontecer. “Vamos mostrar para o mundo a verdade sobre a Amazônia”, afirmou ele. “É o início de um namoro que vai acabar em casamento.”

Logo depois de Bolsonaro, Faria tomou a palavra e, em inglês, chamou Musk de “visionário” e disse que “o Brasil” o ama. De forma reservada, Bolsonaro condecorou Musk com uma medalha pelos “serviços prestados ao País”.

O encontro foi explorado politicamente. O presidente publicou no Twitter a foto de seu aperto de mãos com Musk. Nas redes sociais, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) defendeu a narrativa de que o pai é próximo do empresário. Ele postou fotomontagem em que Bolsonaro e Musk estão lado a lado comendo pastel de feira. Aproveitou para divulgar a hashtag “Bolsomusk”. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) chamou a reunião de “encontro de mitos”.

O anúncio de início das tratativas para a parceria entre o governo e Musk foi visto por agentes públicos e privados do setor de telecomunicações como um potencial favorecimento ao bilionário estrangeiro.

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Sem qualquer previsão de licitação, o acordo em formulação com a Starlink ignoraria, segundo fontes, a existência de outros prestadores de serviços como Viasat, Hughes, Embratel, entre outras. A crítica do setor é que todas deveriam ser tratadas com isonomia. 

As núpcias não devem ser seladas tão cedo. O pacto teria de passar por licitação, mas isso não é permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal tão próximo de eleição. Bolsonaro precisaria ser reeleito para dar andamento às tratativas, algo para 2023 em diante.

Outra crítica é que houve atropelo às competências da Anatel ao se escolher Musk para prover internet às escolas públicas. Questionado pela reportagem se houve favorecimento, ausência de licitação e atropelo das funções da Anatel, o Ministério das Comunicações afirmou apenas que “não houve formalização de contrato na visita do empresário Elon Musk ao Brasil”.

Nióbio

Bolsonaro contou ter também falado com Musk sobre as pesquisas brasileiras para desenvolvimento da bateria de nióbio e grafeno, tema sempre exaltado pelo presidente, mas ouviu do dono da Tesla, uma das maiores fabricantes de carros elétricos do mundo, que utilizam bateria de outro mineral, o lítio, que não há intenção de investir nessa área, ao menos por enquanto.

“Obviamente falei com ele (Musk) sobre a bateria de nióbio”, comentou Bolsonaro. “Por enquanto, não está no radar deles investir nessa área.”

Estratégia nas redes

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A estratégia de comunicação nas redes sociais é classificada como crucial pelo Planalto para Bolsonaro enfrentar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de outubro. Como mostrou o Estadão, integrantes da família Bolsonaro ganharam cerca de 200 mil novos seguidores no Twitter após a venda do aplicativo para Musk. Especialistas levantam a hipótese de haver impulsionamento por contas automatizadas. Esse padrão não foi identificado nos perfis dos políticos no Instagram.

O bilionário pousou em um aeroporto privado no interior de São Paulo, próximo a Sorocaba, às 9 horas, após deixar o Estado do Texas, nos Estados Unidos. Ao chegar no Brasil, disse estar animado para o lançamento do Starlink para a conexão de “19 mil escolas em áreas rurais e para o monitoramento ambiental da Amazônia”.

Bolsonaro chegou ao hotel, que fica dentro de um condomínio de luxo, em um comboio com mais de 20 carros, e parou para cumprimentar os policiais na porta.

O encontro dos dois aconteceu em paralelo ao “Conecta Amazônia”, evento para discutir marcos regulatórios, regulação na Amazônia e conectividade nas escolas.

O presidente Jair Bolsonaro na chegada ao Hotel Fasano Boa Vista de Porto Feliz, interior de São Paulo, para o encontro com o bilionário Elon Musk. Na foto, Bolsonaro cumprimenta policias na portaria do hotel. Foto: Epitácio Pessoal/Estadão

Além de Faria, estavam na comitiva de Bolsonaro os ministros Carlos França (Relações Exteriores), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Ciro Nogueira (Casa Civil).

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Empresários

Na lista de empresários presentes ao evento em Porto Feliz estavam, entre outros, André Esteves, do BTG Pactual, Flávio Rocha, da Riachuelo, Rubens Ometto, da Cosan, Luciano Hang, da Havan, Rodrigo Abreu, da Oi, José Feliz, da Claro, Alberto Griselli, da TIM, e Alberto Leite, da FS, empresa de soluções digitais.

Apesar de o evento com Elon Musk ter reunido cerca de 20 empresários, incluindo alguns apoiadores de primeira hora do governo, o acesso dos presentes ao fundador da Tesla foi limitado, segundo apurou o Estadão. Na mesa em que se sentou o quase trilionário, a presença mais marcante foi a do banqueiro André Esteves.

O fundador do BTG Pactual acabou sendo a pessoa na mesa que mais interagiu com Musk - o bilionário passou o almoço entre o banqueiro e Bolsonaro. No fim das contas, até por causa da barreira da língua, já que Bolsonaro não fala inglês, Esteves e o dono da Tesla passaram quase o tempo todo conversando.

Entre os demais empresários, ainda de acordo com fontes que participaram do encontro, quem teve o segundo lugar mais de destaque foi Rubens Ometto Silveira Mello, do grupo Cosan. Ele ficou ao lado do presidente Bolsonaro no evento, mas também interagiu pouco com Musk. O restante da mesa do bilionário foi composto por membros do governo, entre eles os ministros Fabio Faria e Ciro Nogueira.

Estudantes

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Um grupo de 40 alunos do Instituto de Tecnologia e Liderança (Inteli), escola do fundador dó BTG Pactual, foi convidado para fazer perguntas a Bolsonaro e Musk durante o evento.

Conforme a estudante Elisa Oliveira Flamer, de 18 anos, uma das sorteadas para participar, Musk monopolizou os questionamentos. “Ele chegou e deixou todos à vontade, dizendo: ‘Podem perguntar o que quiserem que eu respondo’. Ele falou bastante sobre proteção de dados e de como usar a Starlink para levar internet para as escolas ribeirinhas e para a Amazônia toda. E também como garantir que os dados não serão usados de forma indevida. Ele falou também sobre sua preocupação com a taxa de natalidade no mundo.”

Segundo a estudante, o empresário não falou nada de política. “Ele pareceu extremamente interessado em ajudar e nos dar conselhos. Foi algo realmente muito bom, um marco para nós.”

Durante a entrevista coletiva, Bolsonaro comparou o interesse dos estudantes por Elon Musk ao que foi demonstrado no passado pelo astronauta Marcos Pontes, que até há pouco tempo ocupava o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações em seu governo. “A vinda dele (Elon Musk) é importantíssima para nossa juventude, que o admira há algum tempo e vai admirar ainda mais. O Elon Musk vai incentivar essa garotada a se interessar ainda mais pelos seus feitos que, no passado, entravam no radar da ficção e agora vemos que é uma realidade”, disse o presidente. Colaborou Fernando Scheller

Convite cita a presença de Bolsonaro no evento em Porto Feliz. Foto: Reprodução
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