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De coach milionário à esquerda radical, ‘nanicos’ sem tempo de propaganda inflam disputa em SP

Altino Prazeres (PSTU), Fernando Fantauzzi (DC), João Jorge Pimenta (PCO), Marina Helena (Novo), Pablo Marçal (PRTB) e Ricardo Senese (UP) correm por fora nas eleições para a prefeitura da maior cidade do País

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Por Samuel Lima
Atualização:

Ainda que as pesquisas de opinião indiquem um cenário polarizado nas eleições pela Prefeitura de São Paulo, a disputa deve contar com cerca de 10 nomes nas urnas, número não tão distante de outros pleitos na capital paulista. O cenário se deve, em grande parte, a representantes dos chamados partidos “nanicos”, que não superaram a cláusula de barreira e concorrem sem tempo de propaganda em rádio e televisão. Eles também não têm presença garantida em debates, por conta da regra que exige convites somente aos partidos com pelo menos cinco parlamentares no Congresso.

A lista é abrangente e envolve desde um coach milionário que jura não ter a intenção de investir dinheiro do próprio bolso na campanha pelo PRTB até partidos da chamada “esquerda radical” (PSTU, PCO e Unidade Popular) que mantêm uma postura crítica inclusive ao PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pelo lado conservador, o Novo tenta ampliar suas chances aderindo ao uso do fundo eleitoral pela primeira vez na história, enquanto o Democracia Cristã apela a um advogado “linha dura” que já desfilou pelas ruas de São Paulo em um tanque de guerra para reclamar da segurança.

Disputa pela Prefeitura de São Paulo deve envolver cerca de 10 candidatos, a maioria representando legendas pequenas que não atingiram a cláusula de barreira e não têm tempo de propaganda em rádio e TV. Foto: Antonio Augusto/Ascom/TSE

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O cientista político e professor do Insper, Leandro Consentino, aponta que a decisão de lançar um candidato sob condições desfavoráveis pode ser explicada tanto por uma tentativa de contemplar uma linha ideológica mais afastada do eleitorado médio quanto por interesses eleitorais imediatos. A presença nas urnas pode ampliar as chances de eleger vereadores, por exemplo, e o desempenho pode trazer contrapartidas em troca do apoio no segundo turno ou tornar o candidato mais conhecido para eleições futuras.

“Temos candidaturas nanicas que representam fatias menores do eleitorado, sobretudo quando pensamos nos extremos, em partidos que estão muito à esquerda ou muito à direita. Normalmente é ali onde se encontram candidatos mais de perfil ideológico. O Brasil teve historicamente muito disso à esquerda e agora surgem também algumas alternativas à direita, como o Novo”, analisa.

“E, claro, temos candidaturas nanicas de corte mais fisiológico”, acrescenta o professor do Insper. “Alguns caciques partidários têm interesse em manter essas máquinas sob seu comando e, para isso, precisam renovar seus candidatos e mostrar uma movimentação político-eleitoral para que o partido não morra de inanição, ainda mais diante das novas regras de distribuição do fundo partidário.”

Consentino também destaca que, apesar de serem mais raros, existem casos de candidatos que saíram de um patamar baixo nas pesquisas e conseguiram ser eleitos ou chegar ao segundo turno.

Esse, no entanto, não parece ser o caso na disputa pela Prefeitura de São Paulo em 2024, com a intenção de voto concentrada no atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), e no deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), apoiado pelo PT. “Dada a polarização vigente, fica muito mais difícil pras campanhas médias como a da Tabata (a deputada federal Tabata Amaral, do PSB) e praticamente impossível para um nanico”, argumenta.

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Novo adere ao financiamento público e quer atrair eleitor bolsonarista

Entre os partidos que não atingiram a cláusula de barreira e se movimentam para a disputa em São Paulo, quem aparece melhor colocada nas pesquisas de momento é a pré-candidata do Novo, Marina Helena, ex-diretora da Secretaria de Desestatização no Ministério da Economia durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

O partido também deve contar com mais recursos que os outros “nanicos” por conta da votação obtida para o Congresso em 2022, que rendeu à sigla três cadeiras na Câmara dos Deputados e um fundo eleitoral estimado em R$ 37,7 milhões em 2024. Os demais partidos, de menor expressão em termos de voto e que não elegeram nenhum deputado, terão R$ 3,4 milhões cada.

Marina Helena, pré-candidata do Novo, se diz única candidata de direita e tenta atrair eleitorado bolsonarista Foto: @marinahelenabr via Instagram

Será a primeira vez que o Novo adere ao dinheiro público para bancar suas campanhas, abandonando uma de suas principais bandeiras políticas desde que foi registrado oficialmente, em 2015. Em entrevista ao Estadão, em dezembro, a pré-candidata justificou a postura alegando que o financiamento público cresceu muito e que “seria como entrar de canivete numa guerra em que todo mundo está usando bazuca”.

Ainda não se sabe quanto do montante será investido de fato na campanha majoritária em São Paulo, mas o entendimento interno é de que a divisão de recursos deve refletir a relevância de cada cidade. Além do fundo eleitoral, o Novo pode incrementar o financiamento das campanhas com rendimentos do fundo partidário, aplicados em renda fixa, que permaneceram intocados no período em que a legenda recebia alguma quantia e se recusava a utilizá-la. A quantia parada gira em torno de R$ 92 milhões. O Novo também costuma captar doações de forma efetiva.

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Marina Helena tem apostado em uma postura crítica a Nunes e Boulos e tenta se aproximar do eleitorado bolsonarista; ela esteve, por exemplo, na manifestação convocada pelo ex-presidente na Avenida Paulista, dias depois de a Polícia Federal deflagrar uma operação para apurar a elaboração de uma “minuta do golpe” no Palácio do Planalto após ele ser derrotado por Lula. Em entrevistas, Marina costuma duvidar do real apoio de Bolsonaro ao prefeito paulistano e tenta se colocar como a única candidata “verdadeiramente de direita”.

Coach tirou R$ 1,2 milhão do próprio bolso para tentar se eleger

A distribuição desigual de recursos também pode incentivar a adesão de alguns partidos a candidatos endinheirados. Foi o caso do PRTB, sigla fundada por Levy Fidelix, que escolheu para a disputa o coach e empresário Pablo Marçal. Em 2022, quando teve os planos de concorrer a presidente barrados pelo seu antigo partido, o PROS, e precisou se contentar com uma candidatura a deputado federal, o coach declarou patrimônio de R$ 96,9 milhões para a Justiça Eleitoral.

O coach e empresário Pablo Marçal, pré-candidato pelo PRTB, diz que não pretende usar recursos próprios; ele gastou mais de R$ 1 milhão na campanha para deputado Foto: Enzo Beckham/Divulgação Pablo Marçal

Pablo Marçal gastou, do próprio bolso, R$ 1.285.572,25 naquela eleição, somando os valores doados por ele mesmo para a campanha a presidente e deputado. O número supera os 10% do limite total de despesas para o cargo legislativo em 2022 que poderiam ser obtidos por meio de recursos próprios, o chamado autofinanciamento. À época, o teto era de quase R$ 318 mil. Fica abaixo, no entanto, dos limites para se concorrer a presidente.

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Eleito com 243 mil votos em São Paulo, teve o registro indeferido por falta de documentos e não tomou posse em Brasília. Sua vaga foi preenchida pelo atual ministro de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira (PT).

O coach negou ao Estadão a intenção de repetir a dose este ano. “Não pretendo utilizar recursos próprios”, declarou ele, por meio de nota enviada pela assessoria. Marçal aposta em crescimento nas pesquisas para garantir presença “em todos os debates”, além de aporte de recursos do PRTB. Seu objetivo, segundo ele, será “trazer para a cidade de São Paulo o protagonismo que ela merece”.

O limite de despesas para a campanha a prefeito de São Paulo ainda não foi divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas espera-se que seja maior do que os R$ 51 milhões da eleição municipal de 2020, o que contemplaria ao menos R$ 5,1 milhões de autofinanciamento. A direção do PRTB foi procurada para comentar a declaração de Marçal, mas não houve resposta.

Partido de Eymael prepara advogado que desfilou em tanque de guerra

Até o penúltimo dia do prazo para concorrer em outubro, Marçal estava filiado ao Democracia Cristã (DC). A migração para o PRTB rifou padre Kelmon e forçou o partido do ex-deputado José Maria Eymael a lançar como pré-candidato o advogado Fernando Fantauzzi, com uma plataforma voltada para a segurança pública. Em 2014, quando fazia oposição interna no MDB à candidatura de Paulo Skaf a governador do Estado, Fantauzzi desfilou pelas ruas em um tanque de guerra; segundo ele, era a única forma de se manter seguro em São Paulo.

Ligado ao grupo do ex-governador paulista Orestes Quércia, falecido em 2010, Fantauzzi foi dirigente da sigla, assessor de Luiz Antônio Fleury, quando este era secretário estadual de Segurança Pública, e secretário municipal de Planejamento de São Paulo na gestão de Regis de Oliveira, em 2000. Oliveira respondeu pelo cargo por apenas 19 dias, em razão do afastamento do titular, Celso Pitta, e seu posterior retorno à prefeitura. O advogado ainda se apresenta como “militante do MDB” nas redes sociais; a troca teria se dado poucos dias antes da janela partidária, entre março e abril.

Bebeto Haddad, presidente municipal do DC, alega que ter candidatos próprios nas eleições é uma “tradição” do partido; ocorreu em três das cinco últimas eleições em São Paulo. “A nossa candidatura é irreversível. Obviamente, no segundo turno, se não estivermos presentes, vamos abrir conversas (com outros partidos). Mas queremos apresentar uma proposta de segurança pública para a cidade de São Paulo, com um cara que é especialista e tem experiência internacional, fez vários cursos”, afirma.

O dirigente do DC entende ser necessário que Fantauzzi aplique recursos do próprio bolso na campanha diante da limitação do fundo eleitoral distribuído ao partido. O ideal, segundo ele, seria recolher um total de R$ 10 milhões, o que representa quase o dobro do autofinanciamento permitido na eleição de 2020 para o cargo. A campanha bem-sucedida de Bruno Covas, do PSDB, naquele ano, custou pouco mais de R$ 20 milhões, a maior parte oriunda do fundo eleitoral.

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Esquerda ‘radical’ critica aproximação de Lula e Boulos com empresários

O eleitorado paulistano também verá ao menos três candidatos da chamada “esquerda radical” nas urnas em outubro, representando partidos que adotam correntes marxistas revolucionárias e criticam a aproximação da maior legenda de esquerda do País, o PT, com “grandes empresários” em troca de maior apelo social e governabilidade.

Entre eles, o Partido da Causa Operária (PCO) e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) têm um longo histórico de candidaturas a prefeito em São Paulo. Será a sexta eleição seguida para o PCO e a terceira para o PSTU na capital paulista. Já a Unidade Popular (UP), criada em 2019, deve participar pela primeira vez do pleito, depois de apoiar Boulos logo no primeiro turno, em 2020. O Partido Comunista Brasileiro (PCB), que optou pelo mesmo caminho na eleição anterior, não respondeu se pretende ter candidato próprio ou apoiar de novo o psolista.

“Não temos acordo com a candidatura de Boulos e Marta (Marta Suplicy, vice na chapa pelo PT) porque achamos que eles vão repetir o mesmo projeto do governo Lula, que é de fazer uma frente ampla que acaba se adequando e governando junto com o status quo, os grandes empresários”, afirma o metroviário Altino Prazeres, pré-candidato pelo PSTU. Altino já disputou o pleito, em 2016, e teve pouco mais de 4,7 mil votos.

O metroviário Altino Prazeres, pré-candidato pelo PSTU, critica aproximação de Lula e Boulos com empresários Foto: Paulo Iannone/Divulgação Sindicato Metroviários SP

A estreante UP apostou no metroviário Ricardo Senese, que foi um dos detidos, em novembro do ano passado, por conta de um confronto com a Polícia Militar no plenário da Assembleia Legislativa do Estado (Alesp) durante a votação do projeto que autorizou a privatização da Sabesp. Vivian Mendes, presidente estadual do partido em São Paulo, afirma que a decisão leva em conta a estruturação da UP, que estaria mais preparada para uma campanha própria na capital, e a noção de que é preciso ter mais vozes criticando o governo do Estado e do município.

“A nossa avaliação sobre a conjuntura e, principalmente, sobre o avanço do fascismo, entranhado no município e no Estado de São Paulo, é de que temos um desafio grande e precisamos de uma candidatura própria apresentando isso”, afirma Vivian. “Precisamos apresentar de fato o que significa o fascismo, quais são os seus objetivos e o que a classe trabalhadora precisa fazer para combatê-lo. É uma tática eleitoral que está submetida à avaliação da conjuntura e ao nosso papel dentro dela.”

Ricardo Senese, pré-candidato pela UP, foi detido após confronto com a PM na Alesp no dia de votação do projeto de privatização da Sabesp Foto: @ricardosenese.up via Instagram

Segundo a presidente do PSOL, Paula Coradi, ainda há conversas em andamento sobre o apoio da UP e do PCB a Boulos no primeiro turno, repetindo o cenário de 2020, antes do prazo das convenções partidárias e registro de candidaturas, em 15 de agosto. “Do ponto de vista político, achamos importante ter o apoio deles, que foram aliados nas principais lutas que enfrentamos nos últimos anos no Brasil”, declara.

Pelo PCO, o pré-candidato é João Jorge Pimenta, filho do presidente da sigla, Rui Costa Pimenta. Atuante em canais de propaganda do partido e no movimento estudantil, ele disputou a eleição passada para deputado federal e terminou com cerca de 1 mil votos. Em outubro do ano passado ele causou polêmica ao pedir uma salvas de palmas para o grupo terrorista Hamas após os ataques a Israel, com mortes e sequestros de civis.

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O partido, criado a partir de uma corrente do PT na década de 1990, costuma adotar posicionamentos contrários ao partido de Lula atualmente — defende o armamento da população e critica o movimento identitário, por exemplo. O PCO também acusa o Judiciário de “censura” no País e criticou o julgamento que resultou na inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro.

João Jorge Pimenta, pré-candidato do PCO, filho do presidente do partido Rui Costa Pimenta. Foto: @joaojorge.caproni via Facebook

Nunes e Boulos concentram apoios

A quantidade de “nanicos” na eleição paulistana é limitada, na prática, pelo apoio reunido pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e pelo deputado federal Guilherme Boulos. O mandatário conta com o apoio formal de outros 10 partidos. Já Boulos tem o endosso de cinco legendas.

Além deles, o grupo dos “grandes” partidos na disputa traz a deputada federal Tabata Amaral, hoje isolada, mas que negocia o embarque da federação de PSDB e Cidadania; e o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil), que tenta ir às urnas, mas enfrenta concorrência interna do partido por um acerto com Nunes.

Se confirmados todos esses nomes, seriam 10 candidatos. Ainda há possibilidade de surgirem novos por parte de PSDB/Cidadania, PCB e PMB, assim como desistências. Em 2020, foram 14 opções nas urnas para a Prefeitura de São Paulo. A conta inclui Filipe Sabará, que entrou na campanha, mas acabou expulso do Novo antes do primeiro turno por inconsistências no currículo apresentado pelo candidato.

Uma das opções do PSDB é o jornalista José Luiz Datena. No caso do PMB, quem tenta cavar a vaga é Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação no governo Bolsonaro. Sem apoio declarado do partido, ele fala em buscar autorização na Justiça para concorrer de modo independente, possibilidade considerada remota. Weintraub não conseguiu ser eleito deputado federal em 2022, mesmo investindo R$ 130 mil na campanha.

Veja a lista de pré-candidatos:

  • Abraham Weintraub (PMB)*
  • Altino Prazeres (PSTU)
  • Fernando Fantauzzi (DC)
  • Guilherme Boulos (PSOL)
  • João Jorge Pimenta (PCO)
  • Kim Kataguiri (União)
  • Marina Helena (Novo)
  • Pablo Marçal (PRTB)
  • Ricardo Nunes (MDB)
  • Ricardo Senese (UP)
  • Tabata Amaral (PSB)

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*sem apoio declarado do partido