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Opinião|Em inversão de poderes, política ganha corpo no STF e definha no Congresso

Ministros do Supremo Tribunal Federal não podem ser juízes e legisladores ao mesmo tempo

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Foto do author Diogo Schelp

O cientista político americano Robert Dahl escreveu em 1972 que “uma característica-chave da democracia é a contínua responsividade do governo às preferências de seus cidadãos, considerados como politicamente iguais”. No sistema político brasileiro, os poderes Executivo e Legislativo são os responsáveis por garantir que essas preferências sejam levadas em conta — se não forem, presidente e parlamentares podem ser punidos nas urnas. Eis a força motriz da política.

Não é esperado do Judiciário que seja responsivo aos anseios populares. Isso é bom, porque garante aos juízes independência para resolver controvérsias à luz do Direito, sem as pressões da política. Nesse sentido, o presidente do STF Luís Roberto Barroso falou recentemente que era função dos tribunais constitucionais “dar limite ao poder das maiorias políticas”.

Ministros do STF reagiram à aprovação de proposta no Senado que limita decisões monocráticas na Corte contra projetos do Legislativo Foto: CARLOS ALVES MOURA / STF

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Mas para esse sistema funcionar, os ministros do STF não podem ser juízes e legisladores ao mesmo tempo. Sim, o STF pode propor leis que serão apreciadas pelo Congresso Nacional, mas de forma institucional, não em combinação com táticas de pressão nos bastidores, com chantagens implícitas — acenando com o poder da corte de decidir sobre temas com impacto sobre as contas do governo ou de julgar ações envolvendo políticos.

Na última semana, tivemos a confirmação de uma tendência preocupante: uma inversão de poderes, em que as práticas políticas crescem no STF e definham no Congresso. Depois da reação violenta de integrantes do Supremo à aprovação, no Senado, de limitações à sua capacidade de tomar decisões individuais, descobriu-se que avança na Câmara uma contraproposta sobre o tema, mais branda e apadrinhada por um dos ministros do STF.

Enquanto isso, na madrugada do mesmo dia, a Câmara aprovou um pacote de leis que flexibiliza pagamentos de emendas e regras de licitações para prefeituras. Deputados reclamavam que nem sabiam o que estavam votando. O episódio reflete um distanciamento de poder crescente entre a cúpula do Congresso, em especial da presidência das casas, e o restante dos parlamentares.

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Atropelados pela tática da imposição, cada vez menos eles têm oportunidade de exercer outras formas clássicas de atuação política próprias do Legislativo, como a persuasão e o binômio negociação e compromisso. Como ser responsivo às preferências dos cidadãos se os seus representantes não podem fazer política?

Opinião por Diogo Schelp

Jornalista e comentarista político, foi editor executivo da Veja entre 2012 e 2018. Posteriormente, foi redator-chefe da Istoé, colunista de política do UOL e comentarista da Jovem Pan News. É mestre em Relações Internacionais pela USP.

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