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Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião|Como evitar o ressentimento dos bolsonaristas que acreditam na suposta farsa nas eleições?

O desafio é tentar mostrar para milhões de brasileiros, sem tripudiar ou com espírito de vingança, que suas opções políticas estavam equivocadas

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Foto do author Fabiano Lana

Pelas últimas evidências apresentadas pelas autoridades, incluindo vídeos e prints, sustentar que o ex-presidente Jair Bolsonaro e sua turma não tinham intenções golpistas está no mesmo nível de desacreditar que o cantor Elvis Presley não morreu, que o homem não foi à lua, ou que a Terra não possui o movimento de rotação e dá voltas em torno do sol. Ainda falta aquela prova incontestável que poderá levar Bolsonaro para a cadeia. Falta explicar o porquê não executaram o plano, o que deu errado. Mas se o ex-mandatário for justamente preso isso mudará de maneira aguda o pensamento das pessoas que seguem simpáticas e apoiadoras ao indisciplinado ex-capitão do Exército, em muitos casos de maneira fanática? A resposta imediata é não. A tarefa custosa agora é fazê-los mudar de ideia.

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi alvo de operação da PF nessa quinta, 8 Foto: Wilton Junior / Estadão

Esse tipo de operação como a conduzida pela Polícia Federal na quinta-feira, 8, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, já estava precificadas na mente dos chamados bolsonaristas. O sistema um dia iria se vingar do ex-militar rebelde de maus modos e de boas intenções que resolveu desafiá-lo, pensam. De acordo com muitos, aprisionar Bolsonaro é apenas mais uma das ações de desmonte do processo de purificação que o Brasil começou a viver a partir da Operação Lava Jato, mas que foi abortado pelos donos do poder que se aproveitam de uma organização do Estado corrupta.

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Os bolsonaristas têm suas listas de inimigos bem catalogada: o Supremo Tribunal Federal, a chamada esquerda, os jornalistas, apenas para citar os que encabeçam o rol. Seriam os grupos que por ideologia ou interesse querem a destruição dos valores que os seguidores de Bolsonaro representam. Na cabeça desse grupo esses princípios seriam: a família, a pátria, o conservadorismo, a religião cristã. Do ponto de vista dos desafetos dessa turma, Alexandre de Moraes, inclusive, tem sido mais abominado do que o próprio presidente Lula.

Os discursos de Bolsonaro sobre urnas adulteradas como uma grande conspiração para fazê-lo perder as eleições transitam entre o desvario e o cinismo de quem precisava de um pretexto para comandar um golpe. A questão é que convenceu milhões de que sua tese fazia sentido. Hoje, cerca de 1/3 dos brasileiros considera que as eleições presidenciais de 2022 foi fraudada.

E a suposta farsa das eleições, sempre na cabeça de um seguidor de Bolsonaro, é apenas a ponta de um novelo que também inclui a libertação do “ladrão” Lula, a tentativa de dizer que os esquemas de corrupção não existiam, e por aí vai. O mostruário da seita bolsonarista segue com outros dogmas como sustentar que as vacinas contra a Covid não funcionam, odiar máscaras, ser contra o padre Julio Lancelotti, e outras excentricidades da cultura de rebanho.

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Jair Bolsonaro, assim como Lula, portanto, exerce liderança sobre parcela da população a ponto de até mesmo suas proposições mais disparatadas sempre possuírem defensores sinceros e exaltados. O problema, no caso de Bolsonaro, é que mesmo com toda a cantilena de enfraquecimento das instituições obteve 49% dos votos dos eleitores. É fato que o Brasil é parte desse fenômeno mundial de candidatos extremistas receberem toneladas de votos. Pior, de serem escolhidos como guias políticos e morais de multidões.

Nessas circunstâncias, mais do que prender Bolsonaro e seu entorno, o desafio para o Brasil é tentar convencer uma enorme parte da população sobre as vantagens das correntes políticas que possuem de fato compromisso com a democracia. E, missão impossível, provar que a figura de Bolsonaro é contraproducente quando se aspira uma nação pacificada e em direção ao desenvolvimento.

Para isso é preciso um pacto para evitar ações que mantenham a tropa extremista unida. Cada vez que o presidente Lula afaga ditadores de preferência, dá discurso para fortalecimento das teses do bolsonarismo. Ou então quando se flerta com políticas econômicas que só provocaram recessão e desemprego. O mesmo ocorre quando o Judiciário não consegue justificar o perdão a tantos figurões e empresas que admitiram prática de irregularidades. O próprio Lula não para de atiçar o inimigo político, em discursos e entrevistas, o que só faz alimentar a repugnância de quem ainda admira o antecessor.

Provadas as desobediências flagrantes às leis, as punições rigorosas serão necessárias. Mas por incrível que pareça esse é o passo mais fácil. Do ponto de vista do futuro da nação, para evitar ressentimentos, o desafio é tentar mostrar para milhões de brasileiros, sem tripudiar ou com espírito de vingança, que suas opções políticas estavam equivocadas. Se não a consequência é buscarem outro outsider insensato para nos desgovernar. Por muito pouco, os eleitores do talvez futuro presidiário Bolsonaro não são a maioria do Brasil.

Opinião por Fabiano Lana

Filósofo e consultor político

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