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Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião|Por ideologia apoia-se o assassinato de inocentes

Em todo mundo, pessoas com ideologia contrárias ao Estado de Israel fizeram enormes contorcionismos para transformar vítimas em culpados, nem que fossem abstratamente culpados

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Foto do author Fabiano Lana

É comum, ao assistirmos a um filme qualquer, sermos cúmplices psicológicos de assassinatos de inocentes. Basta que nos identifiquemos com um personagem, daí passamos a torcer para que sua missão dê certo, e não ligamos muito para as consequências dos seus atos.

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Imaginemos um mocinho escapando da máfia (ou mesmo um bandido carismático fugindo da polícia), com um automóvel em alta velocidade a atirar em pessoas que estão em seu caminho, fazendo voar outros carros ao redor, provocando explosões fenomenais ou incêndios incontroláveis. No final, quando o nosso herói está a salvo dos perigos, sentimos um alívio interior – sem parar e refletir sobre os que morreram no caminho.

Ah, mas isso são apenas obras de ficção e de alguma maneira fomos manipulados pelas técnicas dramatúrgicas de provocar a empatia pelos personagens. Mas na verdade, no mundo real, podemos agir da mesma maneira, com pessoas inocentes de carne e osso. Só que a base motivadora nesses casos não é mais a habilidade de um autor/roteirista, mas a força que as ideologias possuem em nossas vidas – de maneira consciente ou não. Ideologias, como as artes dramáticas, também operam por simpatias e antipatias.

O caso dos massacres de israelenses no último sábado, pelos militantes do grupo obviamente terrorista Hamas, é apenas um exemplo entre muitos em que se inclui a guerra na Ucrânia, por exemplo. Mas ocorreu que, em todo mundo, pessoas com ideologia contrárias ao Estado de Israel fizeram enormes contorcionismos para transformar vítimas em culpados, nem que fossem abstratamente culpados. Em geral deixando de lado a situação pessoal de quem sofreu violência e invocando questões de Estado, injustiças históricas, etc. Há também aqueles casos das condenações envergonhadas, em que a denúncia do ato violento em si vem seguida de um grande número de conjunções adversativas (mas, porém, contudo, todavia, no entanto, etc.).

Também há o contrário. Quem agora quer que as forças israelenses realizem uma contraofensiva atroz na faixa de Gaza sem se importar que os alvos sejam civis desarmados ou militantes do Hamas.

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É a ideologia, uma maneira de tentar ver o mundo de forma esquemática operando nas nossas mentes sem levar tanto em conta as histórias pessoais de cada um.

Obviamente a guerra que ocorre no Oriente Médio é mais uma consequência de um processo conflagrado que já dura milênios, muito distante da possibilidade de compreensão profunda dos cidadãos. Há uma série de arbitrariedades cometidas pelo Estado de Israel e líderes palestinos, atos inconsequentes dos adversários, incompreensões mútuas de lado a lado. Há pobreza, dificuldades econômicas entre os palestinos, interesses internacionais, paradoxos comportamentais - há elementos demais para levarmos em conta para termos uma visão precisa dos acontecimentos.

Já os especialistas no assunto, muitas vezes, estão de tal forma contaminados por suas ideologias, que até deles devemos desconfiar.

Estamos numa espécie de pântano moral de tal profundidade e turvação de que deveria ser um espanto a maneira como as pessoas possuem opiniões tão assertivas sobre o assunto, muitas vezes tão distantes.

Mas temos uma inclinação política, o que significa que opinar, se posicionar, inclusive sobre o que não nos diz a respeito e do qual temos parcas ideias, talvez faça parte de nossas naturezas. Mas daí poderia haver um princípio ético a ser respeitado: independente de contextos, relativizações, pragmatismos, ou o que for, mortes de inocentes deveriam ser absolutamente condenadas, afinal a vida não é cinema.

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Mas mesmo esse princípio pode ser falho. É possível haver situações da geopolítica em que a morte de alguns inocentes é invocada como necessárias para salvar a vida de milhões. Logo, os cálculos morais, políticos, e de poder, são labirínticos.

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Não há saídas fáceis para esses dilemas. Mas de um ponto podemos partir: tomar muito cuidado para que nossas opiniões ou mesmo ações não sejam guiadas apenas por ideologias. Se por um lado as ideologias nos ajudam a tentar entender o mundo, oferecendo uma ordem aparente ao caos das coisas, costumam ser apenas camisas de força ou mesmo lentes distorcidas quando levadas para o que chamamos de mundo real.

A saída frágil, incompleta, seria: veja o que o lado de quem você a princípio discorda tem a dizer e pondere o máximo possível antes de apresentar as soluções apressadas, e na maioria das vezes inúteis, para qualquer litígio que aparece no feed de suas redes sociais.

Opinião por Fabiano Lana

Filósofo e consultor político

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