Apologia à ditadura é algo que merece censura e bloqueio nas redes sociais? Se a resposta for sim, qual deve ser a reação aos comentários da presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, sobre o regime autoritário da China, país que foi visitar? Lá ela só viu desenvolvimento e prosperidade. E ainda desafiou seus críticos, sobretudo do agronegócio e do setor mineral, a cortar relações comerciais com o gigante asiático.
“O que vi na China foi uma sociedade próspera, que cresce, inclui a população, e influencia o mundo. Com grandes investimentos na indústria, infraestrutura e tecnologia”, afirmou Gleisi, em tom quase fervoroso, no “X” de Elon Musk – que aliás é proibido por lá. Gleisi certamente teve uma visão parcial da China. Não deve ter sido apresentada, por exemplo, às políticas de repressão a minorias como a Uigure, entre outros grupos mulçumanos, denunciadas pelo Comissão de Direitos Humanos da ONU. Os prisioneiros políticos da China são estimados em 48,7 mil, números que devem ser negados pelas autoridades oficiais, e talvez Gleisi concorde com os burocratas.
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Mas pela visão da deputada, tudo isso, aparentemente, pode ser relativizado frente ao desenvolvimento célere da China nos últimos 40 anos. “Estão construindo um modelo socialista a partir de sua realidade sustentando um país com 1,4 bilhão de habitantes”. Sem entrar no pormenor de que hoje a China exerce muito mais um capitalismo de Estado dirigido por uma organização central e não o sonho utópico do socialismo, permanece a seguinte dúvida: se existe o sucesso econômico, a violência pode ser minimizada ou perdoada? Isso valeria também para o regime do chileno Augusto Pinochet, que a despeito dos assassinatos conduzidos pelo Estado, abriu as portas para o Chile ser hoje o pais mais rico do continente em termos per capita? Fica uma pergunta geral: até que ponto podemos aceitar repressão por progresso?
A visão peculiar de democracia de Gleisi foi complementada hoje, ao defender o ministro do STF Alexandre de Moraes da acusação de censura. Para ela, a maior ameaça à democracia brasileira vem da “extrema-direita, comandada por Jair Bolsonaro, que utiliza de todos os meios para atacar as instituições e seus representantes, semeando mentiras e conspirando, inclusive, com forças poderosas de fora do país”. Pode até ser (apesar de tudo indicar que o movimento golpista já foi debelado e Bolsonaro estar mais próximo de uma temporada na prisão do que se tornar um ditador). Mas será que se o movimento ameaçador contra a democracia partisse de grupos de esquerda a presidente do PT estaria tão preocupada? Os elogios vibrantes ao que ocorre na China talvez provem que não, que não estaria comovida.
É a suspeita daquele filósofo rebelde do século 19, o Nietzsche, que denunciava a subordinação dos valores, sobretudos os morais, aos interesses de cada um e à luta pelo poder de todos. No Brasil temos vários exemplos, de todas as ideologias. Temos no cardápio, entre outras opções: 1) o silêncio da maioria da esquerda, ou mesmo o desdém aberto, com as acusações proferidas pela ex-companheira do filho de Lula, por violência doméstica, em tempos de “mexeu com uma mexeu com todas”; 2) a nota do Itamaraty, comandado pelo nosso Rasputin Celso Amorim, de que o ataque do Irã a Israel se trata de “envio de drones”; 3) frases do presidente Lula que ajudam o protoditador Putin; e muito mais a escolher. Esses ingredientes mostram que o tempero que dá sabor a certas declarações e atitudes políticas tem sido a hipocrisia. Aliás, se não fosse a hipocrisia, o que seriam das relações comerciais e mesmo políticas no mundo?