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Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião|Presidente do PT mostra conceito peculiar de democracia ao defender ditadura chinesa

Pela visão de Gleisi Hoffmann, repressão pode ser relativizada frente ao desenvolvimento célere do país nos últimos 40 anos

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Foto do author Fabiano Lana

Apologia à ditadura é algo que merece censura e bloqueio nas redes sociais? Se a resposta for sim, qual deve ser a reação aos comentários da presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, sobre o regime autoritário da China, país que foi visitar? Lá ela só viu desenvolvimento e prosperidade. E ainda desafiou seus críticos, sobretudo do agronegócio e do setor mineral, a cortar relações comerciais com o gigante asiático.

“O que vi na China foi uma sociedade próspera, que cresce, inclui a população, e influencia o mundo. Com grandes investimentos na indústria, infraestrutura e tecnologia”, afirmou Gleisi, em tom quase fervoroso, no “X” de Elon Musk – que aliás é proibido por lá. Gleisi certamente teve uma visão parcial da China. Não deve ter sido apresentada, por exemplo, às políticas de repressão a minorias como a Uigure, entre outros grupos mulçumanos, denunciadas pelo Comissão de Direitos Humanos da ONU. Os prisioneiros políticos da China são estimados em 48,7 mil, números que devem ser negados pelas autoridades oficiais, e talvez Gleisi concorde com os burocratas.

Discussão e votação de propostas. Dep. Gleisi Hoffmann (PT-PR) Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

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Mas pela visão da deputada, tudo isso, aparentemente, pode ser relativizado frente ao desenvolvimento célere da China nos últimos 40 anos. “Estão construindo um modelo socialista a partir de sua realidade sustentando um país com 1,4 bilhão de habitantes”. Sem entrar no pormenor de que hoje a China exerce muito mais um capitalismo de Estado dirigido por uma organização central e não o sonho utópico do socialismo, permanece a seguinte dúvida: se existe o sucesso econômico, a violência pode ser minimizada ou perdoada? Isso valeria também para o regime do chileno Augusto Pinochet, que a despeito dos assassinatos conduzidos pelo Estado, abriu as portas para o Chile ser hoje o pais mais rico do continente em termos per capita? Fica uma pergunta geral: até que ponto podemos aceitar repressão por progresso?

A visão peculiar de democracia de Gleisi foi complementada hoje, ao defender o ministro do STF Alexandre de Moraes da acusação de censura. Para ela, a maior ameaça à democracia brasileira vem da “extrema-direita, comandada por Jair Bolsonaro, que utiliza de todos os meios para atacar as instituições e seus representantes, semeando mentiras e conspirando, inclusive, com forças poderosas de fora do país”. Pode até ser (apesar de tudo indicar que o movimento golpista já foi debelado e Bolsonaro estar mais próximo de uma temporada na prisão do que se tornar um ditador). Mas será que se o movimento ameaçador contra a democracia partisse de grupos de esquerda a presidente do PT estaria tão preocupada? Os elogios vibrantes ao que ocorre na China talvez provem que não, que não estaria comovida.

É a suspeita daquele filósofo rebelde do século 19, o Nietzsche, que denunciava a subordinação dos valores, sobretudos os morais, aos interesses de cada um e à luta pelo poder de todos. No Brasil temos vários exemplos, de todas as ideologias. Temos no cardápio, entre outras opções: 1) o silêncio da maioria da esquerda, ou mesmo o desdém aberto, com as acusações proferidas pela ex-companheira do filho de Lula, por violência doméstica, em tempos de “mexeu com uma mexeu com todas”; 2) a nota do Itamaraty, comandado pelo nosso Rasputin Celso Amorim, de que o ataque do Irã a Israel se trata de “envio de drones”; 3) frases do presidente Lula que ajudam o protoditador Putin; e muito mais a escolher. Esses ingredientes mostram que o tempero que dá sabor a certas declarações e atitudes políticas tem sido a hipocrisia. Aliás, se não fosse a hipocrisia, o que seriam das relações comerciais e mesmo políticas no mundo?

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Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

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