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Opinião|Estrago de bets em famílias é problema que a gestão Lula colhe por só ter pensado na arrecadação

Documentos internos da Fazenda mostram que tema foi tratado apenas como uma questão a ser regulada para definir qual a alíquota de imposto o setor teria que pagar

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Foto do author Francisco Leali
Atualização:

O estrago que a disseminação das bets está provocando no País, dos beneficiários pelo Bolsa Família e tantos outros das mais variadas faixas de renda, bate à porta da administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O problema surge como se o governo federal tivesse sido pego de surpresa. A gestão petista colhe os frutos de ter tratado o tema como a sanha de encontrar mais uma fonte de arrecadação, esquecendo-se do que a jogatina que chega fácil no celular de milhões poderia provocar.

Nesta sexta-feira, 27, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez divulgar que Lula encomendou a diversos ministérios de seu governo mobilização para buscar soluções. Com a porta arrombada, o governo põe a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o ministro do Bolsa Família, Wellington Dias, além do próprio Haddad para capitanear uma solução.

O presidente Lula avisou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que é preciso adotar providências para resolver problemas causados pelas bets. Foto: WILTON JUNIOR/Estadão

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Dias já prometeu à Coluna do Estadão mudar o titular do benefício do programa federal se o dinheiro for usado em apostas. Nísia Trindade classificou o caso como uma pandemia. “É uma pandemia, guardada a questão da gravidade. Isso precisa ser trabalhado na saúde. A consequência é grave do ponto de vista da dependência”, disse.

Ao tratar do tema nesta sexta, o ministro da Fazenda apontou suas críticas à gestão Bolsonaro, alegando que o governo passado deixou correr o assunto sem qualquer definição. Documentos internos do Ministério da Fazenda, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, revelam, no entanto, que a regulação que Haddad diz ter colocado para andar começou com o que foi produzido pelo pessoal de Paulo Guedes. O texto de uma medida provisória ficou pronto e foi para Casa Civil. Mas Bolsonaro estava mais preocupado em tentar se reeleger e não assinou o ato.

Os documentos da Fazenda mostram ainda outro lado da história. Quando a equipe de Haddad desengavetou o texto da MP de Guedes e começou a atualizá-lo, a discussão principal era o valor de alíquota e questões jurídicas para garantir a cobrança pelo governo. O tema ficou restrito à esfera da equipe econômica. O processo ainda tem manifestação da Caixa Econômica Federal, que temia ver suas loterias enfraquecidas pela concorrência digital das bets.

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Minuta elaborada na gestão do então ministro da Economia Paulo Guedes Foto: Reprodução / Estadão

A palavra “lavagem de dinheiro”, por exemplo, aparece na exposição de motivos desde a versão Guedes. Parecia uma maneira do pessoal justificar a sanha por arrecadação com o discurso de moralizar o setor. A expressão permaneceu na versão Haddad em forma bem parecida. A equipe do atual ministro da Fazenda elaborou ainda estimativas de arrecadação com a taxação das bets. Uma dessas estimativas chegou a ser elaborada a partir de uma “consulta verbal” da Receita à Coordenação-Geral de Apostas, setor do ministério que colocou de pé o novo texto da medida provisória.

Fac-símile de documento da Fazenda com estimativa de arracadação com bets Foto: Reprodução/Estadão

A MP assinada pelo presidente Lula, que acabou caducando sem ser votada no Congresso, é a prova de como o governo só pensou na arrecadação. O texto saiu no Diário Oficial assinado pelo presidente, por Haddad e por representante do Ministério dos Esportes. Parece que não se lembraram de consultar o Ministério da Justiça, já que citam tanto a importância de conter a lavagem de dinheiro. Também não houve espaço para se lembrar dos riscos à saúde que a aposta de acesso tão fácil e estimulada nas TVs, em jogos de futebol e por publicidade amparada no “apoio” de celebridades e atletas.

No Ministério da Fazenda, auxiliares de Haddad não concordam com o argumento de que só se pensou em arrecadação. E citam que, após a aprovação de lei que regulamentou a atividade de bet, o Ministério da Fazenda editou 17 portarias e o governo baixou dois decretos. Houve ainda uma portaria interministerial assinada também pela Advocacia-Geral da União e o Ministério dos Esportes. Os atos foram para regular a atividade, impor restrições e estabelecer regras de controle para a atividade.

Até agora não se fala em dar marcha ré, ou seja, proibir as bets. O setor hoje banca times de futebol e deve estar despejando milhões em publicidade nas transmissões de jogos. Já houve tempo em que o dinheiro fácil de anunciante inapropriado foi banido. É só lembrar que não se vê mais cigarro e cerveja bancando eventos esportivos.

Opinião por Francisco Leali

Coordenador na Sucursal do Estadão em Brasília. Jornalista, Mestre em Comunicação e pesquisador especializado em transparência pública.

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