Quando um país vizinho vem a público para ameaçar outro de invasão, nomeia interventor da terra que não lhe pertence e até divulga mapa já como se a anexação estivesse garantida, os demais podem assistir passivamente ou escolher mandar recados brandos ou duros. Se o ditador Nicolas Maduro deseja transformar em solo venezuelano o que hoje a cartografia diz que é da Guiana, o governo brasileiro, o “grande irmão” ao lado, passa a ter papel definidor no que pode ser uma ameaça real ou apenas um factoide vindo de Caracas.
Os sinais que Maduro deu até agora são de que deve ser levado a sério. O governo da Guiana pelo menos já levou. Recorreu aos Estados Unidos. Os dois países anunciaram uma coincidente operação de militar conjunta explicada, para quem quiser crer, como ação “de rotina”.
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Do lado brasileiro, o presidente Lula mandou recados públicos de que não cabe guerra no continente. Mas poupou Maduro da crítica dura de que a América do Sul não vai aceitar invasão e quem a patrocinar estará contra todos. Não é do feitio do petista comprar briga com aliados. Muito menos queimar pontes antes da hora. Pelo andar das coisas há quem defenda que ainda é possível acionar a diplomacia para evitar o pior.
Pode ser, entretanto, que só o gogó e rodadas de conversas não resolvam. Se um líder está disposto a fabricar um conflito armado em tempos de aparente paz, só palavras podem não dissuadi-lo.
Nesse cenário de risco bélico, a cartilha da caserna prega que é preciso planejar, antever os conflitos e traçar cenários indicando forças a serem mobilizadas em caso de necessidade. Os arquivos do Exército guardam registros de preparações do gênero.
Nos anos 60/70, quando a Argentina ainda era vista com desconfiança entre os militares, a Força brasileira produzia documentos sobre o hipotético poderio bélico do vizinho ao Sul. Mais tarde, para eventuais riscos de conflitos na região, o Exército também manteve ativos planos de deslocamento de tropas a partir do Sudeste em direção à fronteira. Os documentos ficaram guardados com carimbo de ultrassecreto até virem a público quando o sigilo caducou.
Os registros confirmam que é função militar antever riscos e se preparar para eles, ainda que sejam só potência e não concretude. Agora que temos Maduro a querer trazer os delírios para o campo do real, as Forças Armadas podem oferecer a Lula alertas e até mesmo planos de contingência. Se o presidente quererá já autorizar eventuais deslocamentos de tropas e apetrechos mais para perto da Guiana, esse é um gesto que pode até escalar a crise. Mas haverá quem considere que isso também serviria para deixar claro de que lado o Brasil ficaria se a Venezuela, de fato, ultrapassar seus limites.
O movimento militar, mais do que uma declaração de que o País quer intrometer-se militarmente na região, pode ser em caráter preventivo. E, como no discurso oficial de Guiana e EUA, o governo brasileiro sempre poderá alegar que se enviou aviões militares com carregamento extra para a região Norte o fez por “rotina”.