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Lula planeja nomear mulher para comandar Itamaraty, se vencer a eleição

Embaixadora Maria Luiza Viotti é a mais cotada para o cargo; ex-ministra Marina Silva também é lembrada

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Por Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) planeja nomear uma mulher para a chefia do Itamaraty, caso seja eleito na disputa para o Palácio do Planalto. Até agora, o nome mais cotado para comandar o Ministério das Relações Exteriores em eventual governo Lula é o da embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti.

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Economista e diplomata de carreira, Viotti é da confiança do embaixador Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa. Amorim continua sendo o mais influente conselheiro de política externa do ex-presidente. No PT e no Itamaraty, ninguém descarta o retorno do ex-chanceler a eventual novo governo de Lula, mas tanto ele quanto o ex-presidente pregam a renovação de quadros no primeiro escalão. “Certamente, temos mulheres diplomatas muito competentes, que poderiam ser excelentes ministras”, disse Amorim ao Estadão. “A embaixadora Viotti é uma das mais qualificadas.” A indicação de uma mulher para o Itamaraty contemplaria o movimento feminino na diplomacia, que ganhou força política no Congresso e foi incentivado por Amorim no passado. O Brasil nunca teve uma chanceler.

O nome de Viotti também foi sugerido a Lula e seu entorno pelo ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio (PSDB), num jantar do Grupo Prerrogativas, em dezembro do ano passado. Virgílio foi contemporâneo da embaixadora no Instituto Rio Branco. Os dois se formaram em 1976, numa turma de onze jovens diplomatas. “Ela é muito capaz, foi a primeira da nossa sala. Sabe muito de ONU, o que é fundamental por causa da discussão sobre meio ambiente”, disse o tucano.

Embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti está cotada para assumir o Ministério das Relações Exteriores em eventual governo Lula 

A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede) é outro nome lembrado por interlocutores do Itamaraty e da campanha de Lula. A ideia surgiu porque Marina tem renome internacional na pauta climática, tema no qual o País ficou negativamente marcado no governo Jair Bolsonaro. Com isso, acordos comerciais ficaram emperrados e houve bloqueio de doações para o Fundo Amazônia.

Marina não é diplomata e o PT sempre evitou escolhas fora da carreira. A articulação depende, porém, de uma reconciliação entre ela e o ex-presidente. Lula já deu sinais de que quer se aproximar, mas Marina ainda mostra mágoa por causa dos ataques lançados contra ela pela campanha da então presidente Dilma Rousseff, em 2014. Atualmente, a ex-ministra é pré-candidata a deputada federal pela Rede Sustentabilidade, mas também tem sido cortejada para entrar na disputa paulista como candidata a vice na chapa de Fernando Haddad (PT) ao Palácio dos Bandeirantes.

Já a embaixadora Viotti tem laços com o multilateralismo, algo que Lula pretende valorizar. Ela já presidiu o Conselho de Segurança da ONU e até dezembro era chefe de gabinete do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, em Nova York. No Itamaraty, lidou com temas sociais, direitos humanos, meio ambiente e assuntos indígenas. Viotti também chefiou a embaixada em Berlim, de 2013 a 2016, durante os governos Lula e Dilma.

Embaixadores e especialistas em política externa apostam que Amorim terá assento privilegiado no Palácio do Planalto, caso Lula vença a eleição. Aos 80 anos, ele seria uma espécie de decano entre os auxiliares de Lula, influente em diversas áreas, como a relação com as Forças Armadas. Ele tem dito que não dispensará nenhum chamado de Lula.

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Nas diretrizes do programa de governo, o PT e os partidos aliados destacam que uma nova governança global deve estar comprometida com o multilateralismo, a paz, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental. A diplomacia brasileira, prega o documento, deve fechar parcerias “sem submissão a quem quer que seja”. “Defender nossa soberania exige recuperar a política externa ativa e altiva que nos alçou à condição de protagonista global”, diz o texto. “Reconstruiremos a cooperação internacional Sul-Sul com América Latina e África.”

A linha de integração tem crescido diante de vitórias de governos de esquerda em países vizinhos. A ideia do PT é “manter a segurança regional e a promoção de um desenvolvimento integrado de nossa região, com base em complementaridades produtivas potenciais entre nossos países”. O programa promete a valorização de mecanismos como o Mercosul, a Unasul, a Celac e os Brics. O PT sugere também foco na crescente comunidade brasileira no exterior, formada por imigrantes.

CRÍTICAS

Na prática, o rascunho do programa de governo de Lula reedita propostas de Amorim. As ideias expostas até agora, no entanto, não respondem a críticas relacionadas à influência do partidarismo nas relações internacionais e ao personalismo de Lula. Embora tenha sido pragmático e projetado o Brasil mundialmente, mesmo sem poder bélico, o governo Lula manteve alinhamento ideológico com governantes de esquerda. Foi acusado, ainda, de complacência com violações de direitos humanos em países controlados por regimes autoritários, como Venezuela e Cuba, entre outros.

“O Brasil precisa recuperar sua credibilidade, reorganizar a presença como indutor de desenvolvimento no entorno regional”, observou o cientista político Hussein Kalout, pesquisador em Harvard e interlocutor frequente de Amorim. No diagnóstico de Kalout, é preciso recalibrar a posição nos foros multilaterais, redimensionar os interesses estratégicos diante da rivalidade entre a China e os Estados Unidos, além de “elaborar uma política externa específica para a Ásia e a estratégia para a geopolítica do meio ambiente”.

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Para o embaixador Paulo Roberto de Almeida, Lula promoveu uma diplomacia “fortemente presidencialista e exageradamente personalista”, tentando “alcançar transformações imaginárias no cenário mundial”. Crítico do bolsonarismo e de Lula, Almeida vislumbra um cenário internacional com prolongamento das hostilidades, na esteira da guerra iniciada pela Rússia na Ucrânia. No plano regional, aposta na “continuidade da desintegração” por causa das distintas orientações políticas de governos latino-americanos. Na sua avaliação, se Lula voltar ao poder haverá “menos pirotecnia ao estilo dos dois primeiros mandatos”, não apenas em decorrência dos cenários internacional e regional, que são mais complicados, mas também porque o ex-presidente terá difíceis problemas pela frente a resolver no plano interno, “a começar pela ‘herança maldita’ que receberá no lado das contas públicas, com o agravamento do desequilíbrio fiscal e uma inflação ainda ultrapassando, e muito, o teto da meta”.

Almeida disse, ainda, que o cenário no Congresso e a persistência da fome e da miséria entre largos estratos da sociedade não serão fáceis de equacionar e exigirão “atenção máxima” nas primeiras semanas e meses do novo governo. “O lado mais difícil será o encaminhamento a ser dado ao problema da Ucrânia, tendo em vista as tomadas de posição claramente contra a OTAN já publicamente feitas por Lula”, disse o embaixador.

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