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Novo penduricalho de procuradores dribla lei e extrapola benefícios concedidos a juízes

Benefício criado sob alegação de excesso de trabalho prevê até R$ 11 mil por mês a procuradores em férias ou licença

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Foto do author Luiz Vassallo
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Foto do author Davi Medeiros
Por Luiz Vassallo , Gustavo Queiroz e Davi Medeiros
Atualização:

Ao aprovar em pouco mais de um minuto um novo penduricalho por alegado excesso de trabalho, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) usou como justificativa um benefício já existente para juízes. O órgão dos procuradores, no entanto, estabeleceu critérios que vão além daqueles definidos em leis e normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na prática, a resolução amplia o leque de potenciais beneficiários.

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Como mostrou o Estadão, membros do Ministério Público da União terão uma compensação pelo chamado “acúmulo de acervo processual, procedimental ou administrativo”, mesmo quando os procuradores estiverem em férias, licença ou recesso e afastados para atuar em associações de classe. A cada três dias trabalhados, procuradores ganharão um de folga que poderá ser revertido em indenização. O penduricalho, assim, alcança R$ 11 mil por mês e está fora do teto. Com isso, poderão receber acima dos vencimentos de um ministro do Supremo Tribunal Federal – hoje, de R$ 39,3 mil.

O penduricalho foi aprovado no dia 19 de dezembro. Naquela sessão, havia mais holofotes do que o habitual sobre o plenário do órgão em razão do julgamento que terminou com a punição de procuradores da Operação Lava Jato do Rio. Eles haviam divulgado durante os trabalhos da força-tarefa um release a respeito de uma denúncia que estava em sigilo.

O procurador-geral da República e presidente do CNMP, Augusto Aras; órgão editou resolução com regras do novo penduricalho Foto: Dida Sampaio / Estadão

Foi após a saída do procurador-geral da República, Augusto Aras, que preside o conselho, e um intervalo que a norma por excesso de trabalho foi chancelada pelos integrantes do CNMP. Do anúncio da votação da pauta ao placar final, passou um minuto e 17 segundos. “Alguma objeção?”, questionou Oswaldo D’Albuquerque, que presidia a sessão no lugar de Aras. Não houve. A resolução foi publicada na sexta-feira passada.

O texto aprovado a jato se baseia em duas leis de 2015 sancionadas por Dilma Rousseff para criar a gratificação por sobrecarga de trabalho para juízes federais e do trabalho. Usaram ainda uma recomendação do CNJ que estendeu o benefício a toda a magistratura nacional, em 2020. O CNMP levou em consideração “a simetria constitucional e a paridade” entre as carreiras do Ministério Público e da magistratura <CF742>(mais informações nesta página).

Assimetria

No entanto, nem tudo na resolução para os procuradores é tão simétrico assim em relação aos juízes. Nos bastidores, há uma grita da toga por ter um benefício menos vantajoso do que aquele aprovado para os integrantes dos Ministérios Público Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito Federal e Territórios.

Uma das diferenças está em qual tipo de “acervo” pode ser levado em consideração para agraciar os beneficiados. No caso dos juízes, a legislação e a regulação do tema no CNJ preveem que apenas processos judiciais contam para calcular a sobrecarga de trabalho.

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Já os procuradores vão receber também pelo acúmulo de acervo administrativo. Nesse recorte, entra a participação em grupos de trabalho, de estudo e comitês temáticos. A ocupação de função “singular”, como chefia de gabinete de procuradores-gerais e secretarias do MP, também garante o novo penduricalho.

A portaria deixa ainda expresso que o “mandato classista” é considerado uma “função singular caracterizadora de acúmulo de acervo”. O termo se refere a procuradores que estão afastados de suas funções para integrar a diretoria de associações de classe – uma espécie de sindicato dos procuradores, destinado à defesa dos interesses corporativos da carreira.

Diferenças

As leis e a recomendação do CNJ, por exemplo, não preveem um conceito tão amplo de acervo nem permitem que juízes com mandato nas associações de classe ganhem mais por isso. Além disso, no texto que normatiza o benefício dos juízes está expresso que há abate-teto, sendo a gratificação de natureza remuneratória – ou seja, sujeita também a Imposto de Renda e contribuição previdenciária.

”Com esta resolução, o MP apresenta o argumento do princípio da simetria. Me parece que esta simetria está desfocada, porque o que está na resolução, a rigor, a magistratura não tem”, disse Guilherme Feliciano, professor de Direito do Trabalho da USP e ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Feliciano destacou que, independentemente do número de funções ou acervo acumulado, a gratificação dos juízes está limitada ao teto.

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Ex-presidente da Associação Nacional dos Juízes Federais (Ajufe), Gabriel de Jesus Tedesco Wedy disse que “existe a previsão de um teto (salarial na magistratura), com reposição anual de inflação, e nada mais”. “Quanto à decisão do CNMP, merece respeito. Não comento porque pode ser judicializada. Contudo, a sociedade não concorda com os chamados penduricalhos”, afirmou.

Na resolução do CNMP, há ainda a previsão para que os procuradores que já recebam gratificação pelo acúmulo de ofícios também possam acumular o novo penduricalho por excesso de acervo. No Judiciário, o ofício equivaleria às Varas da Justiça, para as quais há sempre juízes titulares e substitutos. Também não há menção expressa na lei sobre este acúmulo para a toga.

Procurado, o CNMP não havia se manifestado até a conclusão desta edição.

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