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Presidente da ANPR diz que Lula tem discurso ‘incoerente’ sobre escolha de procurador-geral

Procurador da República Ubiratan Cazetta disse em entrevista ao Estadão que o Ministério Público Federal está sob a égide da opacidade com a presença de Augusto Aras no cargo de procurador-geral, escolhido fora da lista tríplice

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Foto do author Weslley Galzo
Por Weslley Galzo
Atualização:

BRASÍLIA. Presidente da associação responsável por elaborar a lista tríplice de candidatos ao cargo de procurador-geral da República, Ubiratan Cazetta considerou “incoerente” o discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista ao Jornal Nacional (JN) na noite da última quinta-feira, 25. Para ele, que comanda a Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) desde 2021, o petista foi incongruente ao dizer que defende a autonomia do Ministério Público, mas, na mesma oportunidade, ter se negado a selar o compromisso de respeitar o modelo da lista tríplice, caso eleito.

Na entrevista ao JN, Lula disse que deixaria a categoria dos procuradores da República com a “pulga atrás da orelha” em relação aos critérios que adotaria para escolher o próximo chefe da PGR. A escolha do procurador-geral por meio da lista tríplice se tornou pauta da campanha, uma vez que o atual detentor do cargo, Augusto Aras, foi escolhido sem passar pela aprovação da categoria. Ele agora é alvo de críticas por ser considerado por setores do Judiciário e do Congresso como um aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL), que age para protegê-lo. Até o momento, Aras já pediu para arquivar mais de 100 pedidos de investigação do presidente.

Ubiratan Cazetta - Presidente da ANPR Foto: pedlino

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Para Cazetta, a PGR está sob a égide da “opacidade” desde que Aras se tornou o chefe da instituição. Ele defende a existência de apenas dois modelos de escolha do procurador-geral: o transparente, por meio da lista tríplice; e o opaco, passível de negociatas nos bastidores, sem que a população conheça os candidatos favoritos ao cargo.

Confira abaixo os principais pontos da entrevista:

No Jornal Nacional, o ex-presidente Lula disse que vai deixar a ‘pulga atrás da orelha’ sobre seguir a lista tríplice elaborada pela categoria no processo de escolha do próximo procurador-geral da República. O que a ANPR acha dessa posição?

A partir do momento que esse tema entrou para a discussão eleitoral, eu acho que tem que ter posturas, tem que ter posições e ele tem que ser coerente com o próprio discurso. O discurso do ex-presidente Lula tem sido o de escolher um procurador-geral independente, que fortaleça o Ministério Público Federal e que não seja ‘o amigo do presidente’, mas uma pessoa que represente a instituição. Para esse modelo de procurador-geral independente, escolhido com base em critérios técnicos, o único modelo transparente é a lista tríplice. Então, para nós é incoerente você ter uma defesa importante da instituição e não assumir o compromisso com a lista, por ser hoje o único modelo transparente existente. É um alento que os critérios (do ex-presidente Lula) sejam esses, mas é uma preocupação que não haja um compromisso concreto que seja congruente com esses critérios manifestados.

Então a postura do ex-presidente Lula é de incoerência?

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O discurso é incoerente. Agradeço e fico feliz com a sua ideia de formato da PGR, mas fico preocupado com alguma outra solução que não seja a lista, porque as que estão postas hoje são: opacidade de um lado e transparência de outra, com lista e sem lista.

O presidente Jair Bolsonaro inaugurou uma era de opacidade ao indicar uma pessoa fora da lista tríplice?

Sim, porque nós não sabemos quais foram os critérios para a escolha, quais foram os compromissos assumidos. Nós não sabemos nem mesmo quem foram os candidatos a esse cargo. Não é uma crítica pessoal à A, B ou C. O problema é exatamente a opacidade num regime democrático. No regime republicano, a luz do sol é a solução para tudo. Você tem que estabelecer legitimamente a concorrência para ser procurador-geral da República. “Ótimo, não fui escolhido, mas o que eu pretendia fazer? Como eu pretendia fazer?”. A opacidade não é compatível com regimes democráticos.

O Ministério Público hoje continua numa situação de opacidade, já que não tem um procurador-geral que passou pelo escrutínio da categoria? O MPU está sobre égide da opacidade?

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A recondução do Aras já foi menos opaca, porque se sabia que ele seria conduzido. Você já tinha conhecimento dos critérios. Não se conhece, por exemplo, se outros candidatos se apresentaram. Então, nesse sentido, sim, permanece o processo de escolha opaco.

O Lula não é o único candidato que tem feito críticas ao modelo da lista. O Ciro Gomes também já disse que não sabe se esse é o modelo ideal e não explicou qual que ele adotaria. O presidente Bolsonaro escolheu uma pessoa fora da lista. Como o senhor tem visto o posicionamento dos principais candidatos?

Eu acho que primeiro a gente tem que reconhecer que o Ministério Público e o Judiciário entraram na campanha eleitoral por conta dos fatos dos anos recentes, então é natural que esse debate ocorra. Com o Ciro, nós vamos ter um novo diálogo para entender qual é a crítica e a partir das críticas apontar: para esse problema a solução é esta e esta ligado, ou não, à lista. O Ciro abriu esse debate no Roda Viva: “Vou falar com a associação deles para ver qual é o modelo”. A gente aceita discussão de modelos. O modelo que existe hoje para todos os Ministérios públicos, com exceção do MPF, é a lista tríplice e se mostrou vitorioso e legítimo em todos os outros. Então, um novo modelo que venha a ser apontado, a gente pode discutir, desde que a gente não perca uma premissa: a independência do Ministério Público. Eu não acho que o Ministério Público possa ser dependente quer do Executivo, Legislativo, do Judiciário, da advocacia. Ele tem que ser independente e para alcançar a independência o grande foco é: Como é que eu garanto transparência? Como é que eu alinho isso a uma cobrança social? Qualquer modelo que consiga fechar a garantia de independência e transparência terá apoio da ANPR.

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A ANPR está pleiteando no Senado a aprovação da PEC 52 de 2019, que estabelece a escolha obrigatório do PGR por meio da lista tríplice. Independente de eventuais mudanças no Congresso e no Palácio do Planalto, há expectativa de que essa PEC seja enfim votada no ano que vem?

Sim, essa é a expectativa, porque até agora esse é um tema que a sociedade não parecia dar importância. Quando ele entra no processo eleitoral, quando ele passa a ser parte do debate eleitoral, isso é uma sinalização para o Senado de que esse não é um assunto que interessa apenas ao Ministério Público. Esse é um assunto que interessa a sociedade e o debate público é o que faz o Senado escolher a sua pauta.. Então, a nossa expectativa é que o tema voltou a existir como uma agenda política, num cenário em que a casa que faz esse filtro político vá apreciar PEC.

Caso o governo do presidente Jair Bolsonaro seja reeleito, o senhor acredita que a maioria seguirá por esse caminho? E caso o ex-presidente Lula seja eleito, o senhor crê que a base petista apoiaria a constitucionalização da lista tríplice?

É difícil fazer essa leitura hoje, até porque a base pode ser outra, né? Não tem ainda a composição do Senado em 2023. Vamos ter pelo menos um terço de alteração. Na Câmara dos Deputados haverá uma alteração ainda maior. Eu acho que a própria existência do debate vai nos levar – vai nos forçar —, enquanto Ministério Público e Congresso, a fazer esse debate de uma forma transparente. Aí, eu sinceramente acredito nos meus argumentos. Eu acho que os argumentos, tanto os comparativos com os outros Ministérios Públicos, quanto os argumentos históricos e essa noção de democracia e transparência levam à aprovação da PEC. Se ganharemos ou não, se eu estou certo ou não, aí vai depender de um contexto político. Eu acho que a conjuntura de um novo governo facilita o debate facilita e facilita que isso seja feito de forma transparente para toda a sociedade. Aí o resultado vai depender das composições políticas do momento.

A ANPR vai fazer uma chamamento, ou uma cobrança pública, para fazer com que os candidatos se comprometam ou descartem desde já aderir à lista tríplice caso eleitos?

Nós lançamos na semana passada um ‘manifesto’, uma carta, a todos os candidatos dizendo dos nossos temas do Ministério Público para os candidatos à Presidência da República. A lista tríplice é um deles, não é o único, mas discussão gira sempre em torno de uma ideia de independência e efetividade no Ministério Público, como um olhar pro futuro. Nós vamos levar isso a cada um dos candidatos, pedindo um compromisso, pedindo uma manifestação clara sobre o que pretendem fazer. Nós temos condições de amarrar alguém? Não, mas nós temos condições de dizer claramente: “Ó, nós entendemos isso e queremos saber qual é a posição da estrutura de partido e campanha em relação a esse tema”. E vamos fazê-lo.

A ANPR teve ou tem tido encontros com os presidenciáveis para tratar da questão da lista tríplice?

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Nós abrimos para todas as campanhas, estamos buscando há pelo menos dois meses todos os candidatos. Temos sinalizações de todos eles de que seremos recebidos, mas nenhum com data específica. Temos procurado não só os candidatos propriamente, mas as coordenações de campanha para levar as nossas propostas e também para algo que é muito essencial: ouvir deles os críticos. Eu acho que tem que ser um processo de mão dupla. Ouvir quais são as críticas, quais são os problemas, refletir sobre isso para poder responder, mas ouvir também quais são as nossas demandas. Isso tem sido feito e continuará sendo feito.

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