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Pressão de Valdemar Costa Neto derruba presidente do Banco do Nordeste

Romildo Carneiro Rolim é exonerado do cargo após líder do PL pedido demissão de toda a diretoria em meio à disputa política pela área que cuida do microcrédito

Foto do author Adriana Fernandes
Foto do author Felipe Frazão
Por Adriana Fernandes e Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA –Por ordem do Palácio do Planalto, o Conselho de Administração do Banco do Nordeste (BNB) exonerou nesta quinta-feira, 30, o servidor Romildo Carneiro Rolim da presidência da instituição. A saída se dá em meio à disputa pelo controle do programa de microcrédito, uma referência dessa modalidade de financiamento em todo o País.

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A demissão dele foi uma cobrança do Centrão, a um ano das eleições de 2022. Os empréstimos de pequena monta - em torno de R$ 2 mil a R$ 5 mil, em média - têm potencial eleitoral no Nordeste, região onde o presidente Jair Bolsonaro precisa melhorar seu desempenho: são 3,5 milhões de clientes ativos e R$ 15 bilhões aplicados ao todo, espalhados em mais de 2 mil municípios.

Essa carteira bilionária é cobiçada não apenas por políticos, mas por lobistas do mercado financeiro, que há anos tentam convencer parlamentares cearenses a pressionarem politicamente pela venda da operação mais lucrativa do BNB à iniciativa privada. O Banco do Nordeste é sediado em Fortaleza e costuma abrigar apadrinhados de políticos do Ceará.

O ex-deputado Valdemar Costa Neto Foto: Leonardo Prado/Câmara dos Deputados

O Conselho de Administração foi convocado a pedido do Planalto para fazer a mudança. Segundo o Estadão apurou, a Casa Civil, chefiada pelo ministro Ciro Nogueira, negou a recondução do mandato de Rolim. Na véspera, ele fez um aceno público a Bolsonaro. Afirmou em uma transmissão ao vivo na internet que o BNB era “um braço de governo” e que recebia todo o apoio do governo para ampliar a liderança no mercado nacional com seus programas de microcrédito. 

Ciro Nogueira é também presidente do Progressistas, maior partido do Centrão. O ministro mantém boas relações com o novo presidente interino e diretor de negócios do BNB, o advogado Anderson da Cunha Possa, também avalizado pelo PL. O partido, no entanto, fez chegar ao Palácio do Planalto que seu novo indicado para presidir o banco é Ricardo Pinto Pinheiro, consultor do setor regulatório de energia e saneamento.

A troca no comando do Banco do Nordeste, entregue por Bolsonaro ao PL, ocorreu três dias depois de o presidente nacional do partido, Valdemar Costa Neto, cobrar em público a substituição de toda a diretoria. Em vídeo, ele afirmou que Bolsonaro o questionou sobre o contrato de R$ 583 milhões, justamente no setor de atendimento ao microcrédito, com o Instituto Nordeste Cidadania (Inec). Essa organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) firmou a parceria com o BNB em 2003, no primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva e, para apoiadores do atual governo, empodera politicamente os adversários de Bolsonaro.

Ex-aliado do PT, condenado e preso no escândalo do mensalão em 2012, Costa Neto afirmou que o contrato era uma “barbaridade”. Ele falou em tom de moralização e levantou suspeitas sobre o contrato vigente há 18 anos, sem indícios anteriores de irregularidades. “Não podemos ter uma ONG contratada num banco da importância do Banco do Nordeste”, disse Costa Neto, que aos poucos abandona a discrição e começa a reaparecer em público ao lado de Bolsonaro. O ex-deputado nunca deixou de comandar o partido de fato e sempre seguiu articulando as principais decisões nos bastidores.

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O Inec afirmou que os recursos oriundos da parceria com o BNB são aplicados na operacionalização dos programas e que não recebe remuneração. “Todos os anos, o Inec é auditado por empresas de auditoria independente e, até a presente data, todas atestaram a regularidade do Termo de Parceria firmado com o Banco do Nordeste, comprovando a correta aplicação dos recursos”, disse a entidade, em posicionamento oficial.

Como revelou o Estadão, a disputa política pelo controle do BNB oculta um interesse pela carteira de microcrédito avaliada internamente na cúpula em cerca de R$ 30 bilhões. O agora ex-presidente Romildo Carneiro Rolim se opunha à venda da operação de microfinanças. Ele é servidor de carreira do BNB. Rolim havia chegado à presidência do banco no governo Michel Temer e se amparou em diferentes apoios políticos para permanecer na direção.

Rolim não era a primeira opção de Costa Neto. Em 2020, quando Bolsonaro cedeu o banco ao Centrão, quebrando promessa de campanha, o PL chegou a emplacar na presidência do BNB o nome de Alexandre Borges Cabral. Porém, Cabral foi demitido após o Estadão revelar que era suspeito de “gestão temerária” na Casa da Moeda, segundo o Tribunal de Contas da União. Ele teria deixado um prejuízo de R$ 2,2 bilhões. Rolim teve apoio de integrantes da equipe econômica para retornar. 

“Em todas as apurações administrativas feitas pela CGU, internas e externas, bem como na ação penal instaurada, nenhum membro da então Diretoria ou empregado da Casa da Moeda do Brasil foi responsabilizado”, diz a Casa da Moeda em nota. “Houve um acordo de leniência recentemente firmado entre a CGU e as empresas envolvidas, cujos valores majoritariamente foram destinados a Casa da Moeda do Brasil como beneficiária em razão dos fatos apurados e do acordo assinado.”

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Fontes do governo informaram que a equipe de Guedes não se opõe à venda da carteira de microcrédito. Um integrante do Ministério da Economia resumiu a disputa no banco como uma briga “deles com eles mesmos”. Ou seja, os donos das indicações políticas para o banco, que é comandado pelo Centrão.

Sem suspeitas fundadas, parlamentares precificaram o suposto elo com o PT como o “bode na sala” para convencer Bolsonaro a promover a troca da diretoria. Isso abriria espaço para instalar no banco uma diretoria politicamente guiada a ser favorável e promover a cisão das operações de fomento do desenvolvimento regional, como administrador do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), do mercado de microfinanças, em que supera os concorrentes públicos e privados. Primeiro, a nova diretoria promoveria uma licitação do microcrédito, que tem potencial eleitoral, e depois permitiria a venda para um banco privado.

Por meio da operação, o BNB atende micro e pequenos empresários que não acessam créditos em quantias baixas em outras instituições financeiras e antes estariam restritas à agiotagem. Políticos da bancada cearense afirmam que o programa “Crediamigo”, para áreas urbanas, é o mais lucrativo e que alcança vendedores ambulantes, tapioqueiros e bordadeiras. O valor médio dos empréstimos é de R$ 2,7 mil. O programa “Agroamigo” tem como público-alvo o segmento rural, focado em agricultores familiares, e o valor médio dos financiamentos fica em R$ 5 mil. 

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A ofensiva surgiu no momento em que a Caixa Econômica Federal tenta entrar nesse mercado com o lançamento de um programa de microcrédito com público voltado justamente para os beneficiários do auxílio emergencial. A meta é atingir 100 milhões de pessoas com o novo crédito. A intenção é aumentar a penetração do banco, sobretudo no Nordeste.

O auxílio está prestes a acabar e será substituído pelo novo programa Bolsa Família, o Auxílio Brasil. Bolsonaro e os seus aliados do Centrão nunca esconderam a intenção de aumentar a penetração no Nordeste, reduto em que o ex-presidente Lula, principal adversário em 2022, tem maior força política. Fontes ligadas ao banco avaliam que o Centrão quer também aumentar o poder dentro do banco na véspera das eleições de 2022 e agradar agentes financeiros.

A interlocutores, Romildo Rolim negou irregularidades no contrato e disse que não aceita passar à história como “ladrão”. Ele também deu sinais claros de que, defenestrado, vai procurar os órgãos de controle e fiscalização, como o Ministério Público, para dar detalhes da interferência política na instituição. Procurado pelo Estadão, ele não retornou os contatos da reportagem.

O Estadão apurou que o ex-presidente do banco tentou licitar a operação realizada pelo Inec, mas que o menor valor atingido teria sido de R$ 1,1 bilhão - cifra que não seria aprovada pelo Conselho de Administração e pelo compliance do BNB. Mesmo assim, Romildo Rolim relatou a políticos de sua confiança que vem sofrendo pressão política para levar adiante um edital que poderia beneficiar uma empresa de São Paulo.

Por outro lado, governistas dizem que ele se comprometeu, para receber o apadrinhamento do PL e ficar no cargo no governo Bolsonaro, a abrir um certame público e substituir o Inec. Mas ainda não conseguiu entregar. Isso porque o Inec, enquadrado como de interesse público, tem isenções tributárias e consegue operar o microcrédito a menor custo.

Veja abaixo o comunicado do banco sobre a troca de comando:

O Banco do Nordeste do Brasil S.A. comunica que o Conselho de Administração, em sua 739ª Reunião, ocorrida nesta data, às 12h, deliberou conforme segue:  1. Destituição do Sr. Romildo Carneiro Rolim como Presidente do Banco do Nordeste do Brasil S.A. 2. Nomeação do Sr. Anderson Aorivan da Cunha Possa, atualmente Diretor de Negócios, como Presidente Interino e Conselheiro de Administração do Banco do Nordeste do Brasil S.A., na forma do art. 25, §1º, IV, do Estatuto Social do Banco. O Sr. Anderson Possa ficará acumulando os dois cargos. 3. Anderson da Cunha Possa é bacharel em Direito, com Pós-Graduação em Processo Civil, Mestrado em Economia e Doutorando em Ciências Contábeis e Administração; Possui vários Cursos e Certificações pela Fundação Dom Cabral – FDC, Fundação Getúlio Vargas – FGV, Universidade de São Paulo - USP, como também por Instituições Internacionais. Ocupou funções na Caixa Econômica Federal desde Consultor, Gerente e Superintendente Nacional em Brasília, e Superintendente de Negócios do Setor Público do Banco de Desenvolvimento de São Paulo. 4. A Diretoria Executiva do Banco do Nordeste passou a ter a seguinte composição: ANDERSON AORIVAN DA CUNHA POSSA, BRUNO RICARDO PENA DE SOUSA, CORNÉLIO FARIAS PIMENTEL, HAILTON JOSÉ FORTES, HAROLDO MAIA JÚNIOR e THIAGO ALVES NOGUEIRA. 5. Registra-se que a Diretoria Executiva, na forma do art. 150, §4º, da Lei 6.404/76, bem como do art. 30, §7º, do Estatuto Social do Banco, permanece na extensão do prazo de gestão referente ao período 2019-2021, até a investidura dos administradores para o novo prazo de gestão (2021-2023).

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