A insatisfação é visível quando o vereador Gilson Barreto, um dos fundadores do PSDB na década de 1980, fala sobre o cenário político atual da sigla e a recusa da direção tucana em apoiar a reeleição de Ricardo Nunes (MDB) em 2024. Ele, que é líder da bancada tucana na Câmara Municipal de São Paulo e vice-presidente da comissão provisória que lidera o diretório municipal, anuncia oficialmente a desfiliação em plenário nesta terça-feira, 2.
O partido, até então o maior da Câmara, ao lado do PT, com oito vereadores, agora se vê diante da possibilidade concreta de perder todos os seus representantes nesta janela partidária. A debandada ocorre até a próxima sexta, 5 de abril, data limite para estar filiado ao partido que representará nas urnas em outubro. A direção do partido minimiza o episódio, diz que a questão é “página virada” e que a decisão de não fechar com Nunes foi feita democraticamente, por 9 votos a 2, entre militantes históricos do PSDB que compõem o diretório municipal (veja mais abaixo).
Em conversa com o Estadão em seu gabinete no Palácio Anchieta, o vereador criticou abertamente a cúpula partidária e reclamou que as decisões são tomadas “de cima para baixo” em Brasília e no Rio Grande do Sul — uma referência a líderes no plano federal, como o governador gaúcho Eduardo Leite e o presidente da sigla, Marconi Perillo. Para ele, há uma “falta de compreensão” a respeito da continuidade da gestão Bruno Covas, prefeito tucano que faleceu em 2021, na cidade de São Paulo.
O empenho do PSDB estaria principalmente em apoiar a deputada Tabata Amaral (PSB), segundo observa pelas tratativas das semanas recentes, mas o endosso acabaria sendo feito apenas em termos de marca, e não no corpo a corpo com os eleitores paulistanos. “Eles vão entregar a sigla, o PSDB, juridicamente, porque a militância, os adeptos, os filiados estão com o Ricardo Nunes”, declara o parlamentar, falando em nome de uma suposta maioria nos 58 diretórios zonais da capital, berço político do partido.
![](https://www.estadao.com.br/resizer/v2/BTBKUQDRHBBEVJOAZDSSANMBCQ.jpg?quality=80&auth=dde3d226f9fbc754b707da31cee12bb6a478c3ad499195f672cd0a62b7c4cda8&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/BTBKUQDRHBBEVJOAZDSSANMBCQ.jpg?quality=80&auth=dde3d226f9fbc754b707da31cee12bb6a478c3ad499195f672cd0a62b7c4cda8&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/BTBKUQDRHBBEVJOAZDSSANMBCQ.jpg?quality=80&auth=dde3d226f9fbc754b707da31cee12bb6a478c3ad499195f672cd0a62b7c4cda8&width=1200 1322w)
Essa decisão, no entanto, ainda não foi tomada. Há dentro do partido quem defenda uma candidatura própria. Barreto alega, porém, que nunca foram apresentados nomes concretos para a bancada nas reuniões, o que reforçaria o interesse em Tabata. Nesse caso, haveria o temor de que o apoio tucano acabe se revertendo, ainda que indiretamente, no segundo turno, ao deputado Guilherme Boulos (PSOL), em razão da proximidade entre o PSB e o PT no plano federal e da incredulidade nas chances eleitorais da deputada, que está em um distante terceiro lugar nas pesquisas neste momento.
Eles vão entregar a sigla, o PSDB, juridicamente, porque a militância, os adeptos, os filiados estão com o Ricardo Nunes
Gilson Barreto, líder do PSDB na Câmara Municipal de São Paulo
Outra questão apontada publicamente pela direção nacional para rejeitar o atual prefeito é a aproximação dele com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Nunes compareceu, por exemplo, a ato convocado pelo ex-presidente na Avenida Paulista em meio a investigações da Polícia Federal que o acusam de participar de uma trama de golpe de Estado antes e depois das eleições de 2022, vencidas pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse caso, repete um argumento comum do prefeito — de que o candidato na cidade é ele, e não outro. “É importante para o Nunes ter o apoio, e acho que não é problema nenhum aceitar.”
O fato de o PSDB, que ganhou a eleição passada com Bruno Covas na cabeça de chapa, sequer compor com o vice não é algo que afaste a bancada tucana dissidente na Câmara. Barreto argumenta que a questão da legenda “é muito relativa” e que Nunes manteve gestores nomeados por Covas na prefeitura, seus projetos e o plano de metas.
“Hoje a prefeitura está num estágio muito bom, dá para fazer obras à vontade, graças ao enxugamento da máquina, a reorganização de tudo”, diz. “E o Ricardo tem sido leal com o PSDB. Se ele tivesse chegado e dito ‘Agora sou eu, sai todo mundo’, era uma coisa. Mas ele pegou um vereador e colocou como secretário, pegou o staff do Bruno e não mexeu em ninguém. A questão é só de sigla?”
A debandada tucana também seria motivada pela dificuldade de formação de chapa no estourar do prazo da janela partidária. Essa prévia é importante para a tomada de decisão do parlamentar porque dificilmente o candidato obtém sozinho o número de votos para conquistar a cadeira, dependendo do desempenho geral do partido. Apesar da desfiliação, Barreto ainda aguarda para decidir o destino, escolhendo uma legenda que apoie Nunes e que não esteja com candidatos competitivos em excesso. Ele citou na conversa diretamente o MDB do prefeito e o PSD de Gilberto Kassab, os dois destinos preferidos dos tucanos até agora.
Direção do PSDB fala em ‘controle por holerites’ e defende protagonismo
O Estadão procurou o presidente da comissão provisória do diretório municipal, o ex-senador José Aníbal, nome indicado pelo presidente Marconi Perillo na capital paulista após a intervenção contra Fernando Alfredo, ligado ao ex-governador João Doria, ainda no ano passado, e a posterior saída de Orlando Faria, que atualmente trabalha na pré-campanha de Tabata Amaral. Ele rebate as afirmações dizendo que a proposta apresentada a Nunes só era “inviável” porque o partido foi escanteado pelo vice de Bruno Covas em favor de uma aliança com Bolsonaro e o PL.
![](https://www.estadao.com.br/resizer/v2/QOAYX62WQ5F2XHE7O35SR6FJJE.jpg?quality=80&auth=62ec643c60eda797664093e55e56d970bb6bb10085f027dd521f04f3525d4c12&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/QOAYX62WQ5F2XHE7O35SR6FJJE.jpg?quality=80&auth=62ec643c60eda797664093e55e56d970bb6bb10085f027dd521f04f3525d4c12&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/QOAYX62WQ5F2XHE7O35SR6FJJE.jpg?quality=80&auth=62ec643c60eda797664093e55e56d970bb6bb10085f027dd521f04f3525d4c12&width=1200 1322w)
“O nosso objetivo era retomar o acordo vitorioso de 2020, com o PSDB agora indicando o vice. Eles não consideraram em nenhum momento, nem esses vereadores. Nenhum deles quis assumir a relevância e o protagonismo do partido”, diz Aníbal. “O MDB nos tratou como apêndice. Foi atrás de outra freguesia (em referência ao PL de Valdemar Costa Neto). A gente sabe que o não acordo é caminho livre para o acerto com Bolsonaro, e com ele nós não vamos. Bolsonaro é golpista, como as investigações estão mostrando. O fato de ele ter voto é um desafio para todos que não são golpistas, de conquistar esse eleitorado que se deixa seduzir por um cara que teve um governo desastroso.”
Aníbal considera que críticas sobre a rejeição do PSDB ao prefeito já são “página virada” e que o processo que sepultou o acordo, por 9 votos a 2, foi democrático e teve a participação de “pessoas que tem militância histórica no partido”. A campanha interna na capital em favor de Nunes é atribuída por ele a um suposto “controle por holerites” na prefeitura, ou seja, a presença de diversos indicados políticos entre os dirigentes zonais do PSDB na cidade de São Paulo.
O MDB nos tratou como apêndice. Foi atrás de outra freguesia. A gente sabe que o não acordo é caminho livre para o acerto com Bolsonaro, e com ele nós não vamos.
José Aníbal, presidente do diretório municipal do PSDB em São Paulo
“A nossa proposta não era fisiológica, não. Era acordo político, como o que foi feito quatro anos atrás”, afirma o dirigente. “Enquanto tiver esse controle dos zonais através dos holerites, esse diretório municipal estará totalmente contaminado. Vamos cuidar disso fortemente a partir da semana que vem. Não vamos ficar inertes”. Ele também rebate a afirmação de que o partido estaria esvaziado. “O PSDB tem um ativo, fez o Plano Real, mudou o Brasil e governou São Paulo por vários mandatos. Esse partido tem história, tem imagem, e é preciso trabalhar isso.”
A respeito dos problemas na construção da chapa para o Legislativo, motivo apontado inclusive por parlamentares que manifestavam o desejo de ficar, Aníbal entende que houve comodismo dos próprios vereadores a partir do momento em que Ricardo Nunes passou a ter a “bancada na mão”. “Eles se conformaram com uma situação que certamente julgaram que era melhor para eles, mas não era o melhor para o partido, nem para a cidade. São Paulo queria que o partido estivesse ativo, se posicionando.”