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Renato Feder: o ‘trainee’ de Alckmin que virou o primeiro ‘secretário problema’ de Tarcísio

Antes de assumir a Secretaria da Educação no Paraná e depois ocupar o mesmo cargo em São Paulo, Feder se ofereceu para ser voluntário na Pasta e recebeu salário para ‘aprender’ a ser secretário

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Foto do author Gustavo Côrtes
Foto do author Marcelo Godoy
Por Gustavo Côrtes e Marcelo Godoy
Atualização:

O caminho de Renato Feder para se tornar o primeiro nome escolhido por Tarcísio de Freitas (Republicanos) para seu secretariado envolveu uma situação inusitada. Durante seis meses, em 2017, ele foi contratado pela Secretaria da Educação de São Paulo após se oferecer para trabalhar como voluntário na Pasta. E acabou exonerado depois de dizer que estava ali treinando para ser secretário. Tudo durante a gestão do então governador Geraldo Alckmin, atual vice-presidente da República.

Renato Feder tem sido defendido pelo governador Tarcísio de Freitas, em meio a polêmicas sobre contratos da Multilaser Foto: Flavio Florido

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Feder se tornou uma espécie de “trainee de secretário” no dia 9 de junho de 2017. O Diário Oficial do Estado registra que ele ganhou no cargo de Assessor Técnico de Gabinete, uma função remunerada – o salário atual é de cerca de R$ 10 mil, segundo o Portal da Transparência do Estado. Na época em que Feder ocupou o cargo, o salário girava em torno de R$ 7 mil. Dias antes, ele havia abordado o então secretário da Educação, o desembargador José Renato Nalini, em um evento no Teatro Municipal.

Ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Nalini integrava a Academia Paulista de Letras quando foi convidado por Alckmin para assumir a Pasta. Foi quando Feder, um jovem empresário, o abordou. Contou que havia acabado de recuperar sua empresa, mas que pretendia se afastar da gestão dela para trabalhar de forma voluntária pela educação pública. Nalini ouviu o rapaz e o convidou para um encontro em seu gabinete, na sede da secretaria, no centro da capital paulista.

Feder se tornara sócio de um amigo de infância – o empresário Alexandre Ostrowiecki – em 2003 em uma empresa que faturava R$ 32 milhões por ano. Ao pedir o emprego para Nalini, Feder estava à frente de uma sociedade que tinha como receita líquida R$ 1,75 bilhão. Em 2007, os dois amigos publicaram o livro: Carregando o Elefante – Como transformar o Brasil no país mais rico do mundo no qual defendia o fim da educação pública e propunha o governo pagar um voucher às famílias para elas colocarem seus filhos em escolas particulares.

Naquela época, aliados dizem que o secretário da Educação havia recém-começado um programa de adoção afetiva de escolas estaduais por meio do qual empresários podiam dar não só apoio financeiro, mas também fazer palestras e servir de exemplo para os jovens alunos. Feder, porém, ressalta que não participava do projeto. Foi essa iniciativa, contudo, que fez Nalini receber Feder em seu gabinete. O secretário ouviu então do empresário um pedido inusitado, com o qual concordou: ele precisava de um cargo para poder se apresentar nas escolas. Nalini assentiu e o nomeou assessor da Pasta.

O governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), que nomeou Feder secretário de Educação do Estado, em 2019 Foto: Alan Santos/PR

Meses mais tarde, de acordo com fontes na secretaria, Nalini quis saber o resultado do trabalho de Feder e o chamou até seu gabinete. Ao questioná-lo sobre o que o empresário estava fazendo, ouviu que ele estava “treinando para ser secretário”. Naquele dia, Nalini decidiu exonerá-lo, o que foi publicado no dia 20 de dezembro. Durante o tempo em que esteve na Pasta, Feder aproveitara para visitar redações de jornais e se apresentar como empresário interessado pelos rumos da educação no País. Procurado, o secretário afirmou que foi ele quem pediu para deixar a Pasta e que sempre deixou claro para Nalini que estava ali para aprender, sem que houvesse pretensão de treinar para assumir a secretaria.

Escolhido por Ratinho Júnior no Paraná

Foi assim que Feder chamou a atenção de Ratinho Júnior (PSD), que acabaria eleito governador do Paraná. Na época, chegou a ser convidado também por Romeu Zema (Novo), governador de Minas Gerais. O empresário costuma dizer a seus interlocutores que escolheu a gestão paranaense por ver em Ratinho mais tino político - o que ele alega com frequência também não ter.

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No Paraná, a Educação havia sido uma dor de cabeça para o tucano Beto Richa, que governara o Estado. Greves de professores e escolas invadidas por estudantes colocaram o Paraná nas manchetes dos jornais. A ideia de um empresário com um discurso liberal que defendia a modernização da educação atraiu o governador.

E foi assim que o Paraná, segundo os adversários de Feder, se tornou um laboratório para experiências do empresário. “O que aconteceu em São Paulo, já aconteceu há quatro anos no Paraná. Além da Multilaser, uma série de situações ficaram no estágio de difícil entendimento para nós. Ele transformou a educação no Paraná em uma educação de plataforma”, afirmou o hoje deputado federal Tadeu Veneri (PT-PR).

Durante a gestão de Feder, o Estado saiu da sétima colocação, em 2017, quando tinha o índice de 3,7 (numa escala de zero a dez), para terceiro lugar ranking em 2019 e primeiro em 2021, com índice de 4,6 na rede pública no ensino médio. Todos os Estados registraram crescimento no Ideb do ensino médio, segmento considerado o mais problemático no País pela dificuldade de atrair e manter o jovem na escola.

O resultado do Paraná foi contestado por especialistas em Educação. Na época, Feder creditou a alta taxa de aprovação no estado ao uso de tecnologias online durante a pandemia, pois o Paraná, ao contrário de outros estados não adotou o sistema de aprovação automática.

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Feder instalou ainda um sistema sem professores nas salas de aula – só com jovens monitores sem formação superior – das escolas técnicas, por meio de um contrato de R$ 35 milhões, feito com a instituição de ensino privado UniCesumar. Nesse sistema, as aulas eram dadas por meio de vídeo por um professor para até 700 alunos simultaneamente.

Terminado o ano de 2022, Feder deixou a secretaria paranaense e atendeu o convite de Tarcísio de Freitas para assumir a Pasta paulista.

A operação para trazer Feder do Paraná, dizem aliados, foi capitaneada pelo atual secretário de Governo, Gilberto Kassab, que também é presidente do PSD, partido de Ratinho Junior, embora o atual secretário não confirme essa intermediação. O cacique, dizem interlocutores próximos a ele, agiu para evitar celeumas com o governador do Paraná, que cedeu o secretário à administração paulista. E foi justamente o índice do Ideb do Paraná, contestado por seus adversários políticos, que levou o governador Tarcísio de Freitas, em conversas com aliados ainda na pré-campanha, a atribuir a Feder os bons resultados da Educação no Paraná.

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Quase ministro de Bolsonaro

Feder chegou a ser convidado, e depois desconvidado, duas vezes para ser ministro da Educacação no governo de Jair Bolsonaro. Em uma delas, o ex-presidente alegou que precisaria escolher Carlos Alberto Decotelli, que nem chegou a assumir por fraudes no currículo. As conversas não foram adiante por pressão do escritor Olavo de Carvalho e de evangélicos que disputavam a vaga.

Bolsonaro teve três ministros na Pasta - uma das mais conturbadas do seu governo por ter sido ocupada pela ala ideológica do governo. Ricardo Vélez Rodríguez (janeiro a abril de 2019), Abraham Weintraub (abril de 2019 a junho de 2020).

Ação da Justiça suspendeu compra de livros em São Paulo

Tal apreço explica, em larga medida, segundo pessoas próximas a Tarcísio, a manutenção do secretário no cargo e a rapidez com que o o governador saiu em sua defesa nas crises mais recentes. É que em São Paulo, as controvérsias ocorridas no Paraná se repetiram. Feder procurou substituir os livros didáticos por materiais inteiramente digitais em escolas da rede pública, mas acabou impedido pela reação à medida – uma liminar da 4ª Vara da Fazenda Pública proibiu o Estado de dispensar os livros físicos distribuídos gratuitamente pelo Ministério da Educação. Em seguida, o governo estadual cancelou a compra sem licitação por R$ 15 milhões de obras literárias em formato digital, que também podem ser fornecidas pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD).

Conforme revelou o Estadão, a Multilaser, empresa da qual Feder é acionista por meio da offshore Dragon Gem, firmou três contratos no valor de R$ 243 mil com o governo estadual desde janeiro em Pastas comandadas por colegas de Feder no governo. O maior deles, de R$ 226 mil, foi de venda de materiais hospitalares para o Instituto de Atenção Médica do Servidor Estadual (Iamspe).

Ao se tornar titular da Educação paulista, Feder tornou-se ainda responsável por fiscalizar o cumprimento de três contratos de sua própria empresa com o governo, que somados chegam a R$ 200 milhões. O último deles foi assinado em 21 de dezembro de 2022, ainda no governo de Rodrigo Garcia (PSDB), dez dias antes de Feder tomar posse, mas depois de já ter sido anunciado como futuro titular da secretaria por Tarcísio. No valor de R$ 76 milhões, ele prevê o fornecimento de notebooks para alunos.

A Multilaser deixou de cumprir o cronograma de entrega dos equipamentos – que deveria começar em fevereiro – e recebeu de Feder, ao lado de outras empresas, o direito de quitar sua obrigação até o próximo dia 31 sem que nenhuma sanção fosse aplicada. Pela mesma infração em contrato de venda de notebooks para a Universidade Federal do Paraná (UFPR), a Multilaser foi punida e ficou de 1º a 15 de agosto proibida de contratar com o poder público, entrando para o cadastro da Controladoria Geral da União (CGU).

Embora o defendam das polêmicas, colegas de Feder no Palácio dos Bandeirantes avaliam que a sua pressa em fazer mudanças bruscas no sistema de ensino sem ouvir interlocutores da área o transformou em saco de pancadas. Segundo esses mesmos interlocutores, ele não esperava que suas decisões fossem ser “tão politizadas” e deverá adotar, a partir de agora, um ritmo mais lento e cuidadoso para implementar suas políticas.

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