Com Fausto Macedo
Em decisão histórica, o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região reconheceu o direito à promoção do capitão do Exército Carlos Lamarca, morto durante a ditadura militar. Ele será promovido a coronel, com proventos de general de brigada (duas estrelas).
A sentença põe fim a um tabu das Forças Armadas, segundo o qual o militar seria um desertor, sem direito a promoções. A ação judicial vinha tramitando desde 1993.
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Dois anos antes ele havia abandonado suas atividades no 4.º Regimento de Infantaria, em Quitaúna, município de Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo, para juntar-se a grupos de esquerda que propunham a resistência armada à ditadura. Com um histórico militar brilhante, no qual era apontado como "disciplinado e disciplinador", fez parte do movimento conhecido como Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Agora, em votação unânime, uma das sessões da corte federal acolheu ação rescisória movida pela família de Lamarca, a viúva Maria Pavan Lamarca, de 77 anos, e os filhos do casal, César e Cláudia, contra sentença de primeiro grau que não havia reconhecido o direito à promoção após a morte do oficial.
O relator foi o desembargador José Marcos Lunardelli. Seu voto foi acompanhado pelos outros magistrados da sessão.
"Reconhecemos a promoção (de Lamarca) ao posto de coronel, com soldo de general de brigada, tal como a Comissão da Anistia declarou", observou o desembargador Lunardelli. "A decisão seguiu o que já havia sido declarado na esfera administrativa."
O relator esclareceu que na primeira instância já havia sido reconhecida a condição de anistiado de Lamarca, mas não o direito às promoções post mortem. "Reconhecemos esse direito à família", declarou.
A sentença de primeira instância também havia limitado os efeitos financeiros da medida a partir da Constituição (1988). A ação rescisória, contra a sentença da 7.ª Vara Federal de São Paulo, de 1993, buscou corrigir aquele bloqueio da promoção, com base no artigo 8.º do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias.
A 7.ª Vara reconheceu expressamente que Lamarca não foi um desertor, mas caiu na clandestinidade porque sofria ameaças no quartel. Aquela decisão limitou, no entanto, a promoção até o posto de capitão - para efeitos de indenização e pagamento de pensão para a viúva.
RECONHECIMENTO
A advogada da família, Suzana Angélica Paim Figueredo, do escritório Luiz Eduardo Greenhalgh, sustentou na ação rescisória que o Ato de Disposições Transitórias não impunha limites às promoções.
A rescisória foi ajuizada em novembro de 2006, visando apenas um ponto: o direito à promoção sem obstáculos até o posto de general de brigada. "Um julgamento dessa natureza, além de se fazer Justiça, representa um respeito às práticas das normas constitucionais, notadamente da anistia", comemorou Suzana Figueredo.
Para Suzana, o voto do relator Lunardelli "dá a exata dimensão do fortalecimento da Constituição, do ponto de vista jurídico".
"Do ponto de vista político e histórico, a decisão do Tribunal é extraordinária. É o reconhecimento da luta daqueles que se colocaram corajosamente contra a ditadura, dos cidadãos iguais a Lamarca", argumenta a advogada.
Lamarca foi beneficiado inicialmente pela Lei da Anistia, de 1979. Mais tarde, em 1996, por meio de processo na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, o Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade pela morte do militar; e determinou o pagamento de indenizações à família. Por essa época, a viúva e os filhos já vinham tentando obter na Justiça o direito a promoção.
No julgamento do caso na Comissão Especial, o general Oswaldo Pereira Gomes, que fazia parte do grupo, votou contra o reconhecimento da responsabilidade do Estado e do pagamento de indenizações. O jurista Miguel Reale Jr., que presidia o grupo, destacou que Lamarca foi vítima de execução. "Havia nas circunstâncias pelo domínio da situação por parte das forças do Estado, que poderia facilmente prender a ambos os guerrilheiros ao invés de tê-los abatido a tiros."