Já pensou em navegar e pegar um elevador dentro do Rio Tietê? Veja vídeo do passeio

Conhecido como ‘Cidade Simpatia’, município a 300 km da capital tem história interligada à do principal rio de São Paulo e eclusa como principal atração

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Foto do author João Ker
Por João Ker
Atualização:

A 300 quilômetros da capital paulista, o município de Barra Bonita, com pouco mais de 36 mil habitantes, guarda um dos maiores tesouros do Estado e algo que a própria metrópole não tem há décadas: um Rio Tietê ainda vivo, limpo, habitável e utilizado por animais, moradores e turistas. A navegação pelas águas do maior rio de São Paulo é a principal atração de quem visita a cidade, incrementada com um passeio pela eclusa, que foi inaugurada ainda em 1973 e completa em novembro 50 anos desde que se tornou a primeira a ser explorada para o turismo na América Latina.

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A história de Barra Bonita está diretamente ligada à do Tietê, tanto que o município inteiro é banhado pelas margens do rio. Sua fundação, em 1883, foi motivada justamente pelo fluxo intenso de navegações e comércio da cana de açúcar e outros produtos agrícolas na região. Não à toa, ele extrapola os propósitos turístico e econômico para se tornar parte integral do estilo de vida dos barra bonitenses e dos moradores das cidades próximas.

É às margens do Tietê que acontece a vida social de Barra Bonita, desde os bares e restaurantes da cidade até a feira de artesanato e a Praça Dr. Tatinho, em formato de navio. Na tarde de sábado em que o Estadão foi até, famílias faziam piqueniques pelos decks ao mesmo tempo em que as crianças e adolescentes jogavam futebol, andavam de bicicleta ou apenas caminhavam pela orla.

“Barra Bonita é como um destaque ou área de lazer aqui da região, especificamente pelo Rio Tietê. Muitas pessoas de cidades a um raio de até 80 quilômetros daqui gostam de vir nos fins de semana para comer algo e aproveitar o espaço a céu aberto”, aponta Ericson Rodrigues, secretário municipal de Turismo.

Desde que o fim da pandemia foi decretado, Ericson conta que cerca de 250 a 300 mil turistas visitam Barra Bonita ao longo do ano. “A cereja do bolo”, diz, é realmente o passeio de barco pelo rio e pela eclusa, que atrai excursões escolares de todo o Estado e do Sul. Abaixo, veja o porquê.

Passeio na eclusa

A eclusa é basicamente um elevador de embarcações que utiliza apenas a gravidade e o volume de água da represa para subir ou descer os navios entre um nível e outro do rio. O transporte é feito em uma câmara que é enchida ou esvaziada, sem bombas nem motores.

Em Barra Bonita, o processo todo dura de 10 a 12 minutos e gasta 50 milhões de litros de água a cada ciclo. As comportas que fecham a câmara chegam a pesar 120 toneladas e a cena toda pode parecer que você está em um filme de ficção científica ou em um porto medieval, a depender do seu espírito.

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Interior da eclusa do Rio Tietê, na altura de Barra Bonita Foto: Tiago Queiroz

De dentro do barco, quase não dá para sentir o movimento de quando ele sobe ou desce. O momento de maior emoção foi quando o comandante Bruno Santos colocou para tocar “My heart will go on”, clássico de Céline Dion para o filme Titanic, enquanto o navio se aproximava da eclusa.

O Estadão fez o passeio curto a bordo de uma das embarcações da Navios Xumbury, cujo pacote inclui um almoço self-service. Nesta modalidade, as navegações vão apenas rio acima, com a passagem pela eclusa e depois retorno ao porto, tudo em torno de 1h30 a 2h. Na versão completa, o comandante também desce o Tietê e vai até as construções mais antigas da região.

A grande atração é mesmo a magnitude do Tietê, que naquela altura em nada remete o rio parado, fedido, sujo e sem vida da região metropolitana. Pelo contrário, ele varia de 15 a 35 metros de profundidade ao longo do trajeto de Barra Bonita e é infestado de animais, como marrecos, garças ou tuiuiús que vão mergulhando e sobrevoando o barco ao longo do passeio, alguns inclusive “hospedados” na eclusa.

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De uma margem à outra, é possível ver também os moradores da região praticando caiaque ou nadando pelo rio, cuja vegetação cresce verde e forte no entorno, mesmo próximo à Ponte Campos Salles, inaugurada em 1915 e um dos marcos históricos de Barra Bonita.

Em partes, a razão pela qual o Tietê consegue sair da região metropolitana de São Paulo e chegar limpo a Barra Bonita é simples: ao longo do percurso que o rio faz para o interior, o movimento da correnteza se intensifica entre uma queda e outra e, à medida em que as margens também vão se alargando, aumenta a oxigenação da água e, consequentemente, a decomposição da matéria orgânica despejada nela

Em Barra Bonita, o Rio Tietê pode variar dos 15 aos 35 metros de profundidade a depender do dia e volume de chuva Foto: Tiago Queiroz

“Apesar de as cidades do interior também terem desafios de saneamento e do uso de agrotóxico, a população é menor e isso acaba minimizando os danos ao rio, que nesse ponto está mais volumoso”, explica o biólogo Gustavo Veronesi, coordenador do programa Observando os Rios da SOS Mata Atlântica. “A água poluída é um problema de saúde pública, mas é também um prejuízo econômico, porque impede o turismo no rio, como vemos em Barra Bonita.”

Tradição navegante

O turismo pelo Rio Tietê começou como tradição em Barra Bonita antes mesmo de a eclusa ser construída. O primeiro navegante a se aventurar nesse sentido por aquelas águas foi Raphael Palmesan, que deu início ao trajeto em 1971 quando fincou no chão de terra da orla uma plaquinha escrita “passeio de barco” com uma ponte de madeira até a avenida. Hoje, oito navios de cinco empresas fazem o mesmo trajeto, com capacidade para 3 mil turistas por dia. Uma delas é parte do legado carregado pelo filho de Raphael.

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“Meu pai era amigo dos tripulantes de navios a vapor. Acho que ele começou isso por saudosismo”, lembra Hélio Palmesan. Hoje com 67 anos, ele conta que aprendeu desde os 11 a navegar com o pai pelo rio acima. “Na nossa família, misturadas no nosso sangue, correm as águas do Tietê”, diz, acrescentando que o mesmo se aplica aos três irmãos. “Filho nosso nasce e já jogamos no rio para aprender a nadar”, brinca.

Passeio de barco pelo Rio Tietê começou em 1971 e hoje é principal atividade turística de Barra Bonita Foto: Tiago Queiroz

Hoje Hélio comanda o navio San Raphael, que nas suas contas já transportou mais de 12 milhões de passageiros. Mas além de herdar o gosto do pai pela navegação, o comandante se tornou uma das principais referências na luta pela despoluição do Tietê e autoridade no ativismo ambiental pelos recursos hídricos, encabeçando protestos, mobilizações e até “faxinaços” feitos pela própria população.

Tudo começou quando ele notou que o crescimento populacional na virada da década de 1970 para 80 impactou o estado que a água chegava a Barra Bonita “na coloração, no cheiro e na qualidade do peixe”. Um dia, quando viu o rio coberto por peixes mortos, encabeçou o primeiro abaixo-assinado pela sua preservação.

Na década seguinte, Hélio navegou em meio ao lixo e esgoto da região metropolitana, indo do Cebolão à Ponte das Bandeiras para chamar a atenção da mídia em meio à Eco 92. “Não fossem o mau cheiro, pneus jogados nas margens, animais boiando, embalagens plásticas e sacos de lixo espalhados na água, teria sido um verdadeiro programa de lazer”, dizia à época a matéria do Estadão sobre o episódio.

Passeio de barco pelo Rio Tietê é oferecido hoje por cinco empresas de Barra Bonita Foto: Tiago Queiroz

“Queria falar pro mundo, pra imprensa e pro governo que aquilo não era ‘o maior esgoto a céu aberto do mundo’. Ele é um rio e, desde que o ser humano chegou ao planeta, rios significam a sustentabilidade da vida”, conta, acrescentando que ainda tem esperança de ver o Tietê limpo de novo: “Ele ainda pode dar esse orgulho pra nossa capital de servir como cartão postal, ao contrário do que é hoje”.

‘Nosso rio’

Ainda na orla e relativamente próximo ao porto de embarque para os passeios fluviais, o Memorial do Tietê é um espaço dedicado a manter e repassar a história, tradição e versatilidade do Rio Tietê ao longo dos séculos. Da colonização ao transporte de mercadorias pelos bandeirantes até a poluição das últimas décadas.

Além da riqueza de informações e imagens, um dos pontos mais interessantes de observar no Memorial é o conjunto de amostras das águas do Tietê coletadas ao longo do seu curso. A diferença entre os pontos da nascente, em Salesópolis, de Mogi das Cruzes e da capital são os que mais destoam entre si e sequer parecem retirados do mesmo rio.

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Amostras da água do Rio Tietê em diferentes pontos do percurso: no primeiro pote, a clareza da nascente, em Salesópolis; no terceiro, a poluição da região metropolitana de São Paulo Foto: Tiago Queiroz

Para o comandante Bruno Santos, o trabalho educativo que a população de Barra Bonita faz através de passeios e exposições pelo Tietê, que chama de “nosso rio”, é uma chance de apostar nas futuras gerações. “Creio que o nosso futuro não seja pra gente ver, mas pras nossas crianças. É um ensinamento a elas. Ainda há esperança.”

“A despoluição do Tietê precisa ser tratada como uma tarefa da gestão pública, que passe de uma administração à outra e não fique atrelada a só um governo”, acrescenta Veronesi. “Até porque quatro anos não são suficientes para isso. O processo tem que ser mais célere, mas dá tempo.”

Serviço

  • Navios Xumbuy

Endereço: Av. Rosa Zanela Petri, 97 - Centro, Barra Bonita - SP, 17340-000

Mais informações: https://www.xumbury.com.br/

  • Navegação Fluvial Médio Tietê

Endereço: Av. Pedro Ometto, 130 - Centro, Barra Bonita

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Mais informações: http://www.barrabonitasp.com.br/

  • Primar Navegações e Turismo

Endereço: Av. Rosa Zanela Petri, 301 - Vila Nova, Barra Bonita

Mais informações: https://www.facebook.com/primarnavegacao/

  • Navio Homero Krähenbühl

Endereço: Alameda da Orla, 37 - Centro, Barra Bonita - SP

Mais informações: https://naviohomero.com.br

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  • Memorial do Rio Tietê

Endereço: Av. Pedro Ometto, 467 - Centro, Barra Bonita - SP, 17340-000

Mais informações: https://barrabonita.sp.gov.br/turismo/pontos-turisticos/memorial-rio-tiete

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