Lei prevê transformar áreas de Vila Leopoldina, Butantã e perto do Pinheiros; veja mapa interativo

Plano incentiva mais prédios e atividades em áreas consideradas subutilizadas em antigos distritos industriais da zona oeste; especialistas avaliam que mudança depende da adesão do mercado imobiliário, que tem críticas

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Foto do author Priscila Mengue
Foto do author Lucas Thaynan
Atualização:

Enquanto a Lei de Zoneamento e o Plano Diretor transformaram bairros da cidade de São Paulo nos últimos anos, especialmente no entorno de metrô, outras vizinhanças seguiram “congeladas”, em grande parte, pela mesma legislação. O objetivo era “reservar” esses locais até o desenvolvimento de regras para mudanças ainda mais profundas, para promover “novas centralidades” e uma “cidade compacta”.

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Divergências variadas, judicialização e outros aspectos adiaram, porém, esse processo em pelo menos uma década, previsto para ocorrer por meio de um Plano de Intervenção Urbana (PIU). A ideia era incentivar mais moradia, emprego, comércio e serviços próximos, reduzindo assim os deslocamentos pela cidade.

Uma dessas vizinhanças “congeladas” por uma década recebeu novas regras e diretrizes para construções, intervenções, privadas e públicas no fim de dezembro, por meio do PIU Arco Pinheiros. A área abrange 15 milhões de m² no entorno do Rio Pinheiros, principalmente nos distritos Vila Leopoldina e Jaguaré, além de pequenos trechos do Butantã, Jaguara e Rio Pequeno, na zona oeste.

O Estadão desenvolveu um mapa interativo que mostra todas as áreas abrangidas pela nova lei (confira ao fim do texto).

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A nova lei cria sete novos “eixos de verticalização” nesses bairros, com incentivos municipais para prédios altos e de uso misto em vias estratégicas, como trechos das Avenidas Gastão Vidigal, Mofarrej e Jaguaré. Nessas quadras, desde a Lei de Zoneamento de 2016, o limite de altura para novas construções era mais restrito, como de 28 metros em várias partes. Essa delimitação desestimulava a transformação até a definição do PIU, o que demorou mais do que o esperado.

Na prática, trata-se de um “minizoneamento” especial, não só nas regras de construção, mas também ao indicar intervenções variadas no entorno, de responsabilidade do poder público, como obras de drenagem, abertura de vias em quadras consideradas muito grandes (pelo passado industrial) e criação de corredores verdes.

Com mais oferta de moradia, serviços e outras facilidades, a região poderia atrair até 80 mil moradores em 30 anos, segundo estimativas da Prefeitura. Há, contudo, divergências sobre a viabilidade desse número.

Nova lei estimula transformação em quadras do lado par da Av. Corifeu de Azevedo Marques e na favela São Remo (ambas à esquerda da imagem), nos distritos Jaguaré e Rio Pequeno Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O plano foi desenvolvido em diferentes gestões na Prefeitura, sobretudo nas de Fernando Haddad (PT), João Doria (PSDB), Bruno Covas (PSDB) e Ricardo Nunes (MDB), com alterações ao longo de anos. O entendimento de todos é de que a área estava subutilizada para o seu potencial e desconectada do entorno, principalmente após a saída de parte das indústrias.

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Em obras públicas, o PIU abrange a abertura de 20 ruas e avenidas (especialmente no caso de terrenos industriais muito grandes), o alargamento de nove vias (como as Avenidas Alexandre Mackenzie e José Maria da Silva) e a construção de duas pontes e três ciclopassarelas sobre o Pinheiros.

Também é indicada a criação de “corredores verdes”, de duas praças e a destinação de habitação de interesse social para parte da população de favelas locais. Além disso, a gestão Nunes prevê mudanças alinhadas com o futuro Plano Hidroviário, como a implementação de transporte fluvial do Jaguaré até a Vila Olímpia.

PIU vai conseguir transformar a região?

Para especialistas ouvidos pelo Estadão, o PIU é bem-vindo, mas há dúvidas quanto à sua efetividade na transformação do entorno. Um dos aspectos citados é que, em grande parte, depende da adesão de terceiros, o que inclui União, Estado e, principalmente, setor privado. Além disso, é um plano com resultados esperados a longo prazo, de 20 a 30 anos.

Grande parte das transformações é esperada por meio de obras e lançamentos do setor privado na região (com estímulos para que tenham características desejadas pela gestão municipal, como comércio no térreo e calçadas largas). Na prática, até mesmo as intervenções públicas devem ser majoritariamente custeadas pela arrecadação da taxa cobrada do (outorga onerosa) no entorno.

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Em 2019, a São Paulo Urbanismo (vinculada à Prefeitura) estimou que os investimentos públicos necessários seriam de mais de R$ 870 milhões. Do total, cerca de 40% para moradias de interesse social e 40% para as obras de mobilidade e acessibilidade, enquanto o restante seria para os demais tipos de intervenções. A receita esperada era de R$ 753 milhões.

Há, porém, dúvidas se o mercado vai aderir à nova lei: o Secovi-SP (que representa grande parte das construtoras e incorporadoras) considera que os índices para o cálculo da outorga na região estão caros, por exemplo. Isto é, o PIU correria o risco de “encalhar”, sem alcançar seus objetivos.

PIU facilita expansão de distrito tecnológico no entorno da Cidade Universitária Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Já a gestão Nunes argumenta que os valores da outorga advêm de estudo econômico, calculado com base em bairros com características similares (como Água Branca e Lapa). Também destaca que parte dos recursos poderá vir de outras fontes.

Por outro lado, análises técnicas feitas no próprio âmbito da Prefeitura indicaram, em 2019, que os cerca de 80 mil novos residentes estimados no PIU seriam um número “superestimado”. Isso se deveria a dificuldades de atração de pessoas de bairros mais afastados, expectativas de estagnação da população da cidade em poucos anos e o comportamento do mercado.

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“Os adensamentos populacionais propostos estão muito acima das maiores densidades encontradas em distritos consolidados, atrativos e bem servidos de infraestrutura, alguns dos quais enfrentando atualmente sérios problemas de mobilidade”, diz o parecer da Coordenadora de Planejamento Urbano.

No documento, indicava-se uma revisão de regras também por questões ambientais. Parte se refere a grande parte do PIU abranger a várzea do Rio Pinheiros, alterada pela canalização e mudança do curso, o que tornou a drenagem no local “mais complexa”. “Essa obra de engenharia foi muito extensa e todo o entulho lançado nos meandros e às margens do rio proporcionam condições adversas para escavações e obras de arte (como pontes) muito próximas da calha”, continua.

Projeção apresentada pela Prefeitura durante desenvolvimento do PIU Arco Pinheiros Foto: SP Urbanismo/Reprodução

Além disso, as novas regras dividem opiniões entre moradores e entidades. Por envolver trechos da várzea do Rio Pinheiros, um dos aspectos abordados na fase de participação popular foi que parte dessas áreas é mais suscetível a inundações e afundamentos e considerada de baixa (ou nenhuma) aptidão para a urbanização — conforme a Carta Geotécnica (disponível em mapa interativo do Estadão).

Algumas associações de bairros vizinhos também têm posição contrária, como do City Butantã e Alto de Pinheiros, com a alegação de impactos para além do que a região e o entorno comportariam em infraestrutura. Ademais, parte da lei foi alterada por causa do polêmico projeto da “Nova Raposo”, que ocorrerá em áreas próximas e cuja empresa responsável foi selecionada em novembro. A Prefeitura diz, porém, que a obra do Estado passará por discussões para se alinhar ao PIU.

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‘Falta urbanidade’ na região, diz gestão Nunes; lei facilita polo tecnológico junto à USP

A lei é voltada a estimular o aumento populacional e a diversidade de atividades na região. Também pretende preservar as indústrias ainda em atividade e potencializar polos tecnológicos, especialmente nas proximidades da Cidade Universitária.

Estima-se que cerca de 90% do território tem uso não residencial, com áreas subutilizadas após a migração de grande parte das indústrias para outros municípios, principalmente a partir da década de 2000. Por anos, o zoneamento dificultou a construção de moradias regulares em partes desses bairros, indicados para outras atividades.

A nova lei indica o desejo de saída ao menos parcial da Ceagesp e a transformação desse espaço em “distrito de inovação”, para incubadoras, startups e afins. Essa possibilidade depende, contudo, do governo federal (responsável pelo entreposto), que não tem indicativo nesse sentido e, recentemente, tirou a Ceagesp do programa de desestatização.

Presidente da São Paulo Urbanismo (responsável pelo desenvolvimento de grande parte do PIU), Pedro Martin Fernandes aponta que a lei envolve área estratégica e que precisava de melhor “urbanidade”. Outro aspecto é que a cidade já vem se aproximando de seus rios nos últimos anos, com ações de despoluição e outros projetos do Estado e do Município.

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Ele avalia que a permanência da Ceagesp não interfere na efetividade do plano, embora considere que o novo entreposto previsto para Perus (Nesp) e o Rodoanel Norte possam reduzir paulatinamente as atividades do local a longo prazo. “Sair totalmente, creio que nunca vá sair. Seria ruim para a memória da cidade. Mas, reduzir, creio que está acontecendo.”

Avenida Gastão Vidigal pode passar a compor 'corredor verde' com nova lei Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Uma das principais alterações no PIU antes da aprovação final foi o ajuste em regras construtivas em duas quadras da esquina da Avenida Escola Politécnica com a Marginal do Pinheiros, que dão mais flexibilidade na altura (48 m) e nas dimensões dos novos edifícios. As mudanças foram a pedido do governo estadual, que integra um grupo de instituições que desenvolve um distrito de inovação para aquele entorno, o que inclui IPT, USP, Ipen e Instituto Butantan.

As atividades desse distrito em parte já existem nessas instituições, mas devem ser expandidas, com novos laboratórios e outros espaços, destaca Vahan Agopyan, secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado e ex-reitor da USP. “O PIU é importante para o desenvolvimento do distrito de inovação, e também para um entorno mais amigável e aberto.”

O secretário avalia que a área está “isolada”, não só fisicamente, mas também de oferta de alimentação, serviços e outras atividades que fortalecem a dinâmica desses espaços, que atraem pesquisadores e especialistas de diferentes locais.

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Ao todo, quatro grupos de trabalho atuam no projeto desde junho. Quando as atividades se expandirem para o local, algumas instalações administrativas do Estado precisarão sair. “(Poderá ter), por exemplo, laboratórios com segurança muito maior do que temos hoje”, aponta Agopyan.

O que mais prevê a lei? Quais são os eixos estratégicos?

O PIU indica características necessárias para novos empreendimentos. Nos “eixos estratégicos”, por exemplo, requer calçadas largas (de ao menos 5 metros) para diversos casos, assim como estimula o comércio no térreo dos prédios e outros padrões construtivos que incentivam maior conectividade com o entorno.

Além disso, por ser área de passado industrial, as novas ruas e avenidas são consideradas necessárias para “fatiar” quadras muito grandes. O atual desenho hoje dificulta o deslocamento de pedestres e isola diferentes partes da vizinhança, com “ilhas monofuncionais”.

Em termos de deslocamento, entende-se que os bairros do PIU têm potencial, em parte pela presença de estações de trem e corredores de ônibus. Além disso, espera-se o fortalecimento da mobilidade por bicicleta e a pé, assim como o fortalecimento e a ampliação da oferta de transporte coletivo.

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Os eixos estratégicos são:

  • Av. Dr. Gastão Vidigal (trecho entre R. Henri Bouchard e R. Manoel Velasco até R. Major Paladino);
  • Av. Mofarrej (trecho entre Av. Dr. Gastão Vidigal e R. Xavier Kraus);
  • R. Xavier Krauss (trecho da Av. Dr. Gastão Vidigal até Av. Dra. Ruth Cardoso);
  • Av. Jaguaré (da Pte. Jaguaré até Av. Kenkiti Simomoto)
  • Av. Kenkiti Simomoto (da Av. José Maria da Silva até Av. Escola Politécnica)
  • Av. Onofre Milan/Av. Mal. Mario Guedes (da Av. José Maria da Silva até Av. Mal. Mario Guedes, 2 - após obra de prolongamento da Av. Mal. Mario Guedes);
  • Av. Escola Politécnica (da Av. Eng. Billings até Av. Kenkiti Simomoto)

O que dizem especialistas e mercado imobiliário?

Dos 96 distritos de São Paulo, Jaguaré e Vila Leopoldina não tiveram tanto incremento populacional na última década. No Censo 2022, em comparação ao 2010, estão respectivamente, em 33º e 47º em taxas de aumento, conforme microdados compilados pela Prefeitura. Já o Butantã ficou entre os últimos colocados, com queda no total de moradores.

Avenida Gastão Vidigal é um dos eixos estratégicos do PIU Arco Pinheiros Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A transformação dessas áreas é debatida há décadas. Na gestão Haddad, com o nome de Arco do Futuro, foi avaliada uma PPP para esse e outros entornos de rios (como o Tietê), inspirada no Porto Maravilha (Rio de Janeiro). Mas um decreto em 2016 indicou a elaboração dos PIUs, que foram desenvolvidos nos anos seguintes, principalmente na gestão Doria/Covas.

Após mudanças, o projeto de lei foi enviado à Câmara Municipal em 2019. Foi travado por uma liminar judicial (especialmente pela falta de estudo de impacto ambiental), mas teve a tramitação liberada em 2022. Obteve aval em 1ª votação naquele ano e, no fim de 2024, foi apreciado em definitivo pelos vereadores em meio a um “pacotão” de projetos urbanísticos — incluindo o que flexibilizou o limite de barulho do PSIU no entorno de shows e grandes eventos.

Coordenador do Laboratório de Projetos e Políticas Públicas da Mackenzie, o urbanista Valter Caldana vê o PIU como avanço, mas limitado diante das necessidades da capital. Ele avalia que a nova lei é “frágil”, pois envolve regras gerais, enquanto a efetividade prática será em escala distinta, do empreendimento imobiliário, dentro do que tiver adesão ou não do mercado.

“Uma cidade se desenha e, depois, se escreve. Mas, historicamente, o que ocorre é o contrário”, lamenta o professor. “Não se pode demonizar o investimento privado: a cidade foi construída assim. Mas precisamos entender que cabe ao privado fazer o papel do privado, e ao poder público fazer o papel do público, com mentalidade pública, de trazer o público para a escala do empreendimento”, explica.

Consultor em planejamento urbano, Marcelo Ignatios avalia que a aplicação da lei enfrentará desafios. Um dos maiores envolve a habitação para a população de baixa renda que mora em favelas (algumas em área de risco) no perímetro e a contenção do mercado imobiliário irregular.

“Um PIU é de longo prazo, pinga e pinga lentamente, mas há (necessidades nesse território com) urgência maior”, salienta. “Você passa pela marginal e vê que a favela está cada vez maior. É um problema habitacional”, diz.

Projeção apresentada pela Prefeitura durante desenvolvimento do PIU Arco Pinheiros Foto: SP Urbanismo/Reprodução

Já o coordenador executivo da vice-presidência de Assuntos Legislativos e Urbanismo Metropolitano do Secovi-SP, Eduardo Della Manna, considera que os PIUs são importantes para distribuir a transformação da cidade, hoje em grande parte concentrada nos “eixos de transporte” (entorno de metrô, trem e corredor de ônibus). Ele analisa que o Arco Pinheiros tem uma localização estratégica, mas que a outorga cobrada para empreendimentos na região pode manter o mercado imobiliário em outras áreas.

(Os custos) Estão muito altos, não são competitivos: é um território que ainda precisa ser qualificado”, argumenta. “Entendo que, com esses fatores, teremos problemas na viabilização de empreendimentos e no interesse de empreendedores de atuar nesse setor. Não vai acontecer tão rapidamente sem a Prefeitura fazer investimentos”, justifica.

Ele também defende que o PIU deveria ter fixado padrões menos restritivos, de modo a permitir prédios altos em mais quadras e com maior área construída. Além disso, considera que o poder público deveria discutir incentivos fiscais (não somente urbanísticos), especialmente a fim de potencializar a atividade econômica naquele entorno.

O seu endereço está no PIU Arco Pinheiros? Busque em mapa interativo

Todos os endereços dentro do PIU ganham classificações específicas, similares a um “zoneamento”. Os endereços voltados às maiores transformações são chamados de T2, com aval para construções sem limite específico de altura e com quatro vezes a metragem do terreno (excluindo o que não é “computável” por ser estimulado por lei, como comércio no térreo).

Já as áreas de “qualificação” têm padrões medianos, com altura máxima entre 28 metros e 48 metros, no geral. Por fim, há áreas voltadas à “preservação” das características atuais, com limites entre 10 metros e 28 metros, a depender da classificação.

As novas classificações das áreas que estão no PIU Arco Pinheiros estão disponíveis a seguir, em mapa interativo desenvolvido pelo Estadão. A ferramenta foi desenvolvida a partir da versão em PDF da lei e de microdados do projeto de lei. Também permite a busca por endereço. Confira a seguir: