O projeto de revisão do zoneamento melhora a lei hoje em vigor? O Estadão entrevistou representantes de diferentes setores e pontos de vista para discutir as diversas alterações aprovadas na quinta-feira, 21, pela Câmara Municipal de São Paulo. Foram procurados especialistas, vereadores e porta-vozes de organizações do mercado imobiliário e da sociedade civil em geral.
Com o nome oficial de Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, o zoneamento reúne uma série de regras e incentivos que impactam no dia a dia e no futuro da capital paulista. A revisão recente impactará em grande parte do território da cidade, das áreas urbanas às zonas de proteção ambiental, alterando as restrições e flexibilizações de milhares de quadras. Algumas entidades e a bancada do PSOL discutem a possibilidade do ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade.
Entre as principais alterações, estão a ampliação das áreas com benefícios para a construção de prédios sem limite de altura nas vizinhanças de metrô, trem e corredor de ônibus, a liberação de moradia para baixa renda em Zonas Especiais de Proteção Ambiental, o aval para a construção de megatemplos e shoppings de maior porte, a determinação de que grande parte dos tombamentos deverão ser decididos pelos vereadores e a permissão de prédios mais altos nos miolos de bairro.
O texto segue para o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que terá 30 dias para acatá-lo integral ou parcialmente ou vetá-lo. Na quinta-feira, disse que deve vetar a liberação de prédios mais altos nos miolos dos bairros, mas afirmou que vai ouvir as opiniões dos técnicos municipais e dos vereadores. O relator da revisão, Rodrigo Goulart (PSD), avalia que o prefeito possivelmente irá manter a maioria das diversas alterações feitas na Câmara, como foi na revisão recente do Plano Diretor.
O Estadão procurou alguns dos principais nomes envolvidos no processo de revisão. Todos foram convidados a citar três pontos de destaque do texto, positivos ou negativos, e a responder três perguntas. Afinal, o projeto melhora ou piora a Lei de Zoneamento atual? O projeto atende às necessidades da cidade? Quem ganha e quem perde com essa revisão? Confira a seguir.
Vice-presidente do Secovi-SP (que representa construtoras, incorporadoras e outras empresas do setor imobiliário), Claudio Bernardes diz que o projeto melhora o zoneamento atual, mas não atende as muitas necessidades da cidade. “Em uma revisão que melhora a legislação até então vigente, na proporção das mudanças positivas, ganham a cidade e seus habitantes. Perdem aqueles que não querem a inclusão social e insistem em obstaculizar a melhoria da qualidade de vida para a maior parte da população da cidade”, avaliou.
Bernardes citou dois pontos que deveriam estar no texto: um trecho que coíba o que chama de “uso indevido do processo de tombamento para promover alterações na lei” (embora o projeto inclua uma interferência da Câmara nas decisões do conselho municipal de patrimônio cultural); e maior flexibilização de altura nos miolos de bairro.
Também elencou aspectos que considera positivos. Disse que a ampliação das áreas que liberam uma maior verticalização “possibilita melhor mobilidade na cidade com a redução de deslocamentos, e permite a mais pessoas usufruírem o que tem de melhor em termos de infraestrutura na cidade”. Da mesma forma, disse que a liberação de prédios mais altos mediante a inclusão de apartamentos comercializados para a baixa renda é um “avanço importante”.
Coordenador de relações institucionais da Rede Nossa São Paulo, Igor Pantoja tem opinião oposta. Diz que a revisão “pode desconfigurar inúmeros bairros, com perda de qualidade de vida, sem ir na direção mais necessária da cidade, que é a descentralização de oportunidades, de geração de empregos fora do centro expandido”.
Para ele, quem ganha com a revisão é “única e exclusivamente” o setor imobiliário. “Quem perde é a população que pensa que está tranquila em seus bairros e, de repente, se verá em meio à selva de pedra, com aumento do trânsito, do barulho e do sombreamento. Milhares e milhares de pessoas serão prejudicadas por essa liberalização da construção de prédios na cidade”, compara.
Pantoja avalia que o projeto não trouxe sequer um avanço para São Paulo. “Como retrocessos, é possível dizer que o projeto descaracteriza o Plano Diretor de 2014, premiado internacionalmente, o que pode levar a questionamentos judiciais, além de atender principalmente ao poder econômico das empresas do setor imobiliários”, encerra.
Vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e coordenador do Conselho de Política Urbana da organização, Antonio Carlos Pela avalia que o projeto atualiza a lei atual, sem descaracterizá-la, mas que não atendeu a algumas mudanças necessárias, como uma maior flexibilização para a implantação de vagas de garagem em comércios de pequeno e médio porte.
“As alterações atacam um dos principais problemas vinculados ao valor da unidade construída na cidade: o preço da terra. Ao romper a barreira dos pouco mais de 4% da cidade em que se é possível adensar mais intensamente, uma proporção e diversidade maior de territórios pode abarcar maiores densidades, corroborando para o surgimento de novas subcentralidades e consolidação das existentes”, diz.
Também aponta outros aspectos. “Prevê também novas possibilidades na cidade real, existente, para além das ZEU (zonas perto de metrô, trem e corredor de ônibus), ponto no qual identificamos os usos não residenciais de comércio e serviços como fundamentais para dinamizar, gerar fluxos de pessoas e trazer vitalidade urbana a territórios que muitas vezes servem como ‘bairros dormitório’”, avalia.
Já o professor de Urbanismo da USP e relator do Plano Diretor de 2014, Nabil Bonduki, diz que o projeto “piora muito para a cidade”. “Melhora para os empreendedores imobiliários individualmente, que poderão comprar terrenos mais baratos. Como piora para a cidade, o setor imobiliário também perderá, porque ficará intransitável, aumentará muito o trânsito. Áreas de proteção ambiental irão se perder com a autorização de construção de habitação”, completa.
Além disso, analisa que reivindicações pontuais de algumas associações de bairros foram atendidas, “mas de forma atomizada”. Isto é, esses grupos ganham “no local mas também perdem como moradores de São Paulo”.
Bonduki cita aspectos que chama de “retrocessos”. Entre eles estão: o aumento de altura máxima permitida nos centrinhos e miolos de bairro, a liberação de megatemplos e shoppings de maior porte, a exigência de que parte dos tombamentos seja avaliada pela Câmara e a liberação de habitação para baixa renda em áreas de proteção ambiental.
Integrante da Comissão de Política Urbana (que lidera a revisão na Câmara), o vereador Sansão Pereira (Republicanos) indica que o projeto aprovado traz uma “significativa melhoria em relação à lei atual”, aprimorando-a. Ele avalia que o texto propicia a otimização do “uso do espaço urbano, tornando-o mais inclusivo e adequado às necessidades da população, promovendo, assim, um desenvolvimento mais sustentável, priorizando o acesso à moradia e infraestrutura”.
Questionado sobre quem ganha e quem perde com a revisão, respondeu: “A cidade de São Paulo ganha, aproximando-se de outras grandes metrópoles no cenário mundial. Entendemos que não podemos agradar a todos, pois recebemos reivindicações antagônicas de moradores e associações de mesmos bairros e quadras, mas nosso compromisso é buscar um equilíbrio que beneficie os 12 milhões de paulistanos e propicie o desenvolvimento da cidade”.
O vereador citou três pontos que considera avanços: ampliação do acesso à moradia popular, a regularização fundiária em Zonas Especiais de Interesse Social e o aumento de zonas de proteção ambiental na cidade. “As áreas irregulares são um problema que vem afligindo os paulistanos há anos, sem a segurança de ter a escritura definitiva na mão”, justifica.
Também integrante da Comissão de Política Urbana, Silvia Ferraro, da Bancada Feminista (PSOL), tem opinião oposta. Ela diz que o projeto “piora” a legislação atual e não atende às necessidades dos paulistanos, como a demarcação de novas áreas voltadas à construção de prédios para a população de baixa renda perto de metrô, trem e corredor de ônibus.
“Quem ganha é o mercado imobiliário, que recebeu novas isenções, por meios de descontos na outorga onerosa e outros incentivos. Quem perde é a maioria da cidade, que sofre com o déficit habitacional, o trânsito e os impactos das mudanças climáticas, como as enchentes e ondas de calor”, resume.
A vereadora escolheu citar três retrocessos: a liberação de empreendimentos habitacionais nas Zonas Especiais de Proteção Ambiental, o aumento da altura dos prédios no miolo dos bairros e o que chama de um ataque à autonomia do Conpresp, órgão ligado à Secretaria Municipal de Cultura responsável pelos tombamentos de bens móveis e imóveis.