O que um sobradinho na Mooca, um albergue no Brás e uma piscina na Água Branca têm em comum? À sua maneira, cada um evidencia em cores, curvas e adornos um pouco da memória de São Paulo.
Desconhecidos de muitos paulistano, os três são exemplos de uma leva recente de cerca de 850 bens tombados na capital nos últimos dois anos (entre abril de 2016 e março de 2018) e que fizeram o número imóveis protegidos crescer 47%. A quantidade é aproximada, pois a maioria das novas decisões ainda não foi publicada no Diário Oficial da Cidade.
Até 2015, segundo a Secretaria Municipal de Cultura, São Paulo tinha 1.776 bens tombados – o Estádio do Pacaembu inaugurou os tombamentos em 1988. A primeira grande leva de proteção – de cerca de 90 bens – veio apenas em 1991, mas pouco influenciou a cidade, pois a grande maioria já era protegida no âmbito estadual. Como comparativo, o Rio tem pouco mais de 350 tombamentos municipais e Porto Alegre, cerca de 70.
O crescimento de 47% dos tombamentos nos últimos dois anos é fruto de uma sequência de reuniões que analisou todos os processos abertos no Município até 22 de março de 2016. A maratona de decisões tem um motivo: a portaria 166 da Lei de Zoneamento da capital, que previa o arquivamento dos processos abertos até a sua publicação, em março de 2016, que fossem julgados fora do prazo.
Entre os processos que aguardavam na fila estava o tombamento do Complexo do Carandiru, aberto em 1997, aprovado para análise em 2001 e parcialmente deferido em março. Outro caso é o da Ponte das Bandeiras, solicitado em 2000, com o pedido aprovado em 2004 e tombado apenas em fevereiro.
Para agilizar os processos, a então diretora do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), Nadia Somekh, firmou termo de cooperação com universidades, como Mackenzie, FMU e Escola da Cidade. As instituições fizeram a pesquisa dos bens que tinham menos referências bibliográficas e precisavam de mais visitas de campo.
Nadia também deslocou dois funcionários para fazer os estudos, e o número dobrou em 2017 com a chegada da nova diretora, Mariana Rolim. Hoje, dez profissionais e cinco estagiários atuam nessa área do DPH.
Após serem concluídos, os estudos entraram na pauta do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), resultando na grande quantidade de processos que precisavam ser finalizados até março deste ano. Para dar conta do volume, o próprio conselho realizou diversas reuniões extraordinárias.
Decisões unânimes. Os três conselheiros ouvidos pelo Estado afirmam que, embora apressado, o processo recente discutiu suficientemente os tombamentos e, salvo algumas divergências, a maioria das decisões ocorreu de forma unânime.
Para o conselheiro e advogado Marcelo Manhães, representante titular da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Conpresp, o resultado foi positivo. “Conseguimos nesses últimos meses proteger o que a gente achava que realmente merecia essa bandeira do tombamento. A cidade vai ver coisas positivas”, afirmou Manhães.
Para se tornar patrimônio, um bem precisa ter o pedido de tombamento aprovado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), que é formado por representantes do poder público e de entidades como Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). O Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), da Secretaria de Cultura, é responsável por fazer o estudo que será analisado pelo Conpresp. Em geral, a maioria dos pedidos parte do poder público, mas há solicitações de proprietários privados.
Modelo de proteção. Entre arquitetos, urbanistas e profissionais do meio patrimonial são frequentes as críticas ao atual modelo de preservação de bens tombados no País, e São Paulo não é exceção. Embora alguns dispositivos sejam elogiados, eles acreditam que a maioria dos incentivos não é suficiente para compensar os custos de se manter um imóvel tombado - que inclui despesas frequentes com restauro e manutenção, IPTU e, por vezes, a queda do valor de mercado do imóvel.
A Transferência do Direito de Construir (TDC) é considerada a melhor alternativa, apesar de ser uma opção que beneficia especialmente os grandes proprietários. Como o tombamento restringe o uso do imóvel, o dono pode "vender" parte da metragem construtiva não utilizada, minimizando as perdas financeiras. Quem compra, pode aplicá-la em outro local.
"Deveria haver uma alternativa para que proprietários de pequenos sobradinhos do Bixiga, por exemplo, pudessem se unir para, assim, se tornarem mais atraentes", defende Nadia Somekh, ex-presidente do Conpresp e do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH). A arquiteta aponta que, para os possíveis compradores, é mais atrativo comprar de grandes proprietários, que oferecerão uma área maior que os menores.
Ex-coordenador do programa federal Monumenta, o arquiteto Pedro Taddei Neto ressalta que o TDC está em baixa, pois o mercado imobiliário vive um momento de estagnação. "A legislação e as políticas nacionais são pífias como um todo."
Dentre os novos patrimônios reconhecidos pelo Conpresp, o Estado identificou o caso da Creche Marina Crespi, na Mooca, na zona leste da capital paulista, que está em ruínas, sem o telhado e sem parte das janelas.
"O imóvel foi comprado há cerca de oito anos como oportunidade de investimento, porém, sem um plano de ocupação a curto prazo. Agora, com o tombamento, a empresa vai rever os projetos de utilização que têm para o mesmo", disse, por meio de nota, a rede de lojas Armarinhos Fernando, proprietária do imóvel.
Além do TDC, proprietários podem recorrer a leis de incentivo à cultura e também à Lei das Fachadas Históricas, que prevê a isenção de IPTU por dez anos para quem realizar reformas em fachadas.
CINCO BENS RECENTEMENTE TOMBADOS:
Creche Marina Crespi - Mooca (zona leste) O imóvel é considerado, pelo Conpresp, como um "importante registro das transformações modernizações da arquitetura paulistana". Com projeto do arquiteto italiano Giovanni Bianchi, a creche foi construída para atender filhos de operários da região, onde ficavam edifícios fabris da família do industrial Rodolfo Crespi (como os já tombados Cotonifício Crespi e o estádio de futebol Rodolfo Crespi, que sedia jogos do Clube Atlético Juventus). Status: fechada e em mau estado de conservação.
Predinhos da Hípica - Pinheiros (zona oeste) Reúne edifícios de baixa estatura construídos na década de 50 pelo imigrante libanês Raduan Dabus no quadrilátero formado pela Avenida Teodoro Sampaio e as Ruas Arthur de Azevedo, Pedroso de Moraes e Mourato Coelho. Os imóveis foram criados sobre o antigo terreno da Sociedade Hípica Paulista. Status: em bom estado de conservação e sede de diversos pequenos comércios da região.
Piscina coberta Adhemar de Barros - Água Branca (zona oeste) O espaço está localizado dentro do Complexo Esportivo Baby Barioni, pertencente ao Estado de São Paulo. Construído entre 1950 e 1952, é um expoente da arquitetura modernista, com projeto do arquiteto (e ex-atleta olímpico) Ícaro de Castro Mello - também responsável pelo Ginásio do Ibirapuera e o Sesc Itaquera, dentre outros. Em seu estudo de tombamento, é ressaltado a volumetria do imóvel, que é formado por 15 arcos parabólicos de diferentes tamanhos, que resultaram em um teto curvo. Status: fechado para restauração.
Conjunto de casas da Rua Barão de Jaguara- Mooca (zona leste) O tombamento influi sobre sobrados geminados criados pelo arquiteto modernista Gregori Warchavchik, conhecido especialmente pela Casa Modernista. De 1929, o conjunto foi tombado no mesmo processo do Edifício Mina Klabin Warchavchik, no Campos Elíseos, e o Salão de Festas do Esporte Clube Pinheiros, no Jardim Europa. Status: conservados.
Estádio Cícero Pompeu de Toledo - Morumbi (zona sul) Inaugurado em 1970, o estádio do São Paulo foi tombado em conjunto com outros oito projetos do arquiteto modernista Vilanova Artigas (famoso especialmente pelo Edifício Louveira e pela sede da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP). O projeto original é de 1953. Status: em funcionamento.
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