Obra parada do monotrilho em SP traz sensação de insegurança e vira abrigo de sem-teto

Moradores relatam temor de roubos e furtos nas proximidades dos futuros terminais; SSP diz que o aumento no número de presos na região foi de 152% e Metrô afirma manter vigilantes nos canteiros

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Por Gonçalo Junior
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Os atrasos na entrega das obras da Linha 17-Ouro do monotrilho do Metrô de São Paulo, na zona sul da cidade, trazem transtornos para quem vive em áreas próximas às estações inacabadas. Moradores de três bairros (Brooklin, Vila Cordeiro e Campo Belo) relatam sensação de insegurança com roubos e furtos nas proximidades dos futuros terminais. A paisagem urbana mudou. O cenário de abandono, com grades retorcidas e caçambas de lixo cheias e abandonadas, é formado também por barracas de pessoas em situação de rua que começam a se multiplicar nas estruturas abandonadas. Na última segunda-feira, 22, o contrato com as empresas responsáveis pela construção foi rompido pelo governo do Estado.

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O Estadão visitou na sexta-feira, 26, as estações Vila Cordeiro, Campo Belo, José Diniz e Brooklin Paulista, localizadas ao longo da Avenida Jornalista Roberto Marinho. Em todas, barracas de camping aproveitam parte das estruturas ou dos canteiros e começam a se multiplicar. Em outros casos são apenas lonas, cobertores e plásticos amarrados num arremedo de teto. Elas não são tão numerosas e se concentram exatamente nas construções que deveriam ser estações de trem, aproveitando as coberturas.

Nos últimos anos, as barracas se tornaram um símbolo do aumento da população de rua em São Paulo, que cresceu 31% em dois anos, conforme dados da própria Prefeitura. A gestão Ricardo Nunes (MDB) diz que São Paulo tem 21 mil vagas para acolher os mais vulneráveis, mas o último censo feito pela cidade apontou que 31.884 pessoas viviam nas calçadas, praças ou sob viadutos.

Na Avenida Jornalista Roberto Marinho, é possível ver árvores da altura dos trilhos  Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO

Em uma das barracas do monotrilho está o servente de pedreiro Carlos Natanael, de 32 anos. Ele conta que vive ali desde o início do ano passado. Sua barraca, formada por lonas e cobertores amarrados, aproveita uma parede da viga da estação José Diniz. “Eu queria montar a barraca lá em cima, mas os seguranças não deixam”, diz. “Lá em cima” é a estação propriamente dita por onde passam os trens do monotrilho a uma altura de 15 metros a 20 metros.

Apresentado em 2009 como sistema de transporte mais barato e mais rápido de ser construído que o Metrô, o monotrilho também se transformou em sinônimo de deterioração do patrimônio público. Os sinais de abandono são flagrantes. Lonas azuis tentam proteger escadas rolantes das intempéries na Vila Cordeiro enquanto grades retorcidas indicam tentativas de invasão nas proximidades do viaduto José Diniz. Falta limpeza nos canteiros.

“Essa é uma região nobre, mas que está totalmente abandonada”, diz a moradora e comerciante Edivânia de Jesus, de 47 anos, que tem um pequeno bar ao lado da futura estação Vila Cordeiro. A moradora relaciona o atraso das obras à idade de sua neta, Sophia: já são nove anos. O monotrilho seria um legado da Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil. A previsão, agora, é de que seja entregue em 2026. “Lembro que fizemos festa na praça, por causa da Copa e da obra, que ia melhorar os negócios. Mas até agora nada”.

O impacto urbanístico de uma obra interrompida também preocupa Marcos Smetana, presidente da Associação de Moradores da Vila Cordeiro. Ele lembra que o monotrilho está localizado nas proximidades da Ponte Estaiada, símbolo paulistano que costuma ser palco de intervenções artísticas e eventos, como o balé aéreo realizado na Virada Esportiva de 2021. “As pessoas deixam de andar nas ruas porque a paisagem deixou de ser agradável. Além disso, havia a oferta de um sistema de transporte que não se cumpriu. É uma grande frustração”, conta.

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Moradores da região somam a esse sentimento a sensação de insegurança na região. No Campo Belo, um morador que prefere não se identificar afirma ter a futura estação do bairro se tornou um ponto de tráfico de drogas. Ele conta que o problema aumentou com o abandono das instalações. “Roubos e furtos se tornaram mais frequentes nos cruzamentos da Avenida Jornalista Roberto Marinho. Lá se tornou um ponto de atenção”, diz Marco Braga, presidente do Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) do Brooklin.

Barracas de pessoas em situação de rua começaram a se multiplicar nas estruturas abandonadas da Linha 17-Ouro Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Segurança

A Secretaria de Segurança Pública (SSP) diz que o 27º Distrito Policial (Campo Belo), responsável pela área, faz constantes ações na Avenida Jornalista Roberto Marinho. Ainda de acordo com a pasta, no primeiro quadrimestre de 2023 houve aumento de 152,5% no número de infratores presos na região, e o total de apreensões foi de 60.

Já o Metrô diz que mantém vigilantes nos canteiros de estações e do pátio, bem como ronda de apoio. Além disso, a capina e limpeza dos locais são feitas por um contrato da companhia. O Metrô também diz que aciona a Prefeitura para o acolhimento de moradores em situação de rua nas áreas públicas onde foram instaladas as vigas do monotrilho e para a remoção de lixo e entulho descartados nestes locais.

Em nota, o Consórcio Monotrilho Ouro informou que entrou com recurso administrativo contra a decisão de rompimento do contrato. “O Consórcio entende que demonstrou, quando da apresentação da sua defesa, que os descumprimentos contratuais por parte do Metrô inviabilizaram a continuidade da execução das obras, causando enorme prejuízo”, destacou.

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