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Moradores de SP fazem ‘caça ao tesouro’ nas caçambas do centro

Integrantes do 'Clube de Caçamba' divulgam locais com materiais e móveis que podem ser reaproveitados; maioria dos adeptos é jovem e de classe média

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Por Priscila Mengue
Atualização:
Reciclagem. Kolish e Camila são do Clube da CaçambaSP Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Mudar-se para um novo apartamento geralmente implica a preocupação: comprar móveis ou remanejar os antigos. No caso do facilitador de grupos Gabriel Kolish, de 28 anos, a mesa, o sapateiro e até o vaso de plantas vieram de outra fonte: peças retiradas de caçambas do centro expandido de São Paulo

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Os “achados” são indicação de amigos e desconhecidos, todos integrantes do Clube da Caçamba SP. O grupo foi criado em outubro por cinco amigos no WhatsApp e, há dois meses, migrou para o Facebook. Hoje, reúne mais de 260 pessoas, que postam quase diariamente fotos de caçambas com móveis e outros materiais descartados - sempre com a indicação do endereço. 

Foi em uma dessas postagens que Kolish soube da caçamba cheia na Rua Doutor Cesário Mota Júnior, na Vila Buarque, da qual retirou duas portas de correr de madeira. As peças viraram a parte superior de uma mesa de jantar para 12 pessoas, presa sobre duas cabeceiras de cama de solteiro. “Fiz uma mesa com uma tarde de trabalho e meia dúzia de parafusos.”

Mesa construída por Gabriel Kolish a partir de madeiras descartadas no centro expandido da cidade de São Paulo Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Como grande parte dos integrantes do Clube, Kolish não tem formação em marcenaria, é de classe média e faz as peças sem acabamento, apenas com ferramentas simples, como martelo e furadeira. “Acho mais interessante essa mesa que tem um monte de história para contar do que uma de marca.” 

Kolish aponta que retirar material de caçambas pode ter diversas motivações, como economizar, obter renda, evitar o consumo massivo e minimizar os impactos do descarte na natureza. Segundo ele, isso já é feito entre catadores de materiais recicláveis, por exemplo. “A gente está muito habituado ao descarte. Vê como se fosse comum.”

A ideia do Clube não é, contudo, se restringir ao ambiente virtual, como observa a educadora ambiental Camila Peters, de 25 anos. Os fundadores procuram um espaço para criar uma oficina aberta e gratuita, para doação de materiais e empréstimo de ferramentas. “Queremos construir um espaço, deixar que as pessoas alimentem, troquem.”

Capacete de motocicleta virou vaso de plantas na casa de Gabriel Kolish, no centro de São Paulo Foto: Tiago Queiroz/Estadão

‘Onde pessoas enxergam lixo, eu enxergo luxo’

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Integrante do grupo no Facebook, a costureira Vera Lúcia Rosa, de 48 anos, está sempre atenta às caçambas quando vai buscar a neta Isadora, de 10 anos, na escola. Entre Santa Cecília e Higienópolis, já resgatou de enciclopédias Barsa antigas até uma cabeceira de cama novinha, que colocou no quarto. 

“A minha netinha falou: ‘Ai, a vovó vai catar outra coisa no lixo’”, lembra Vera sobre o dia em que retirou três varais de teto de uma caçamba, há dois meses. Todos viraram murais, dois para o ateliê da costureira e, um, para o quarto da neta, no qual a menina pendura fotos e bilhetinhos. “Ela acaba ajudando a dar novos usos, ideias, também gosta de reaproveitar.”

Já o designer de móveis Carlos Henrique Magoga, de 38 anos, viu nas caçambas uma forma de potencializar um hobby. A primeira experiência com marcenaria veio aos 10 anos, quando transformou uma caixa de feira em um baú para guardar figurinhas. Nos anos seguintes, fez itens para si e para amigos, sem pretensões, o que mudou em 2014, quando deixou o mercado imobiliário por estresse. “Foi uma terapia que virou ganha-pão.”

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Hoje, ele mantém a Magma Criativa, que faz peças sob encomenda com materiais, em grande parte, retirados de caçamba. Primeiro, as peças vieram do centro de São Paulo, mas, ao mudar-se para São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, descobriu novos pontos onde poderia encontrar material, criando um roteiro de “garimpo”.

Na bicicleta, Magoga instalou um bagageiro com elásticos onde coloca as madeiras. “Já amarro e levo na hora”, explica. Ele conta que encontra muito batente de porta e esquadrias com pequenas avarias. “Onde pessoas enxergam lixo, eu enxergo luxo.” Parte das peças que criou deve dar origem a uma exposição em 2019. Uma delas é um balanço feito com uma tábua de peroba-rosa, que encontrou coberta de limo sob um viaduto. “Lavei a madeira com bucha e esfreguei com sabão. É o mais legal: recuperar a beleza de algo.” 

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