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Summit Mobilidade: cidades devem ser reconstruídas sem repetir erros do passado, dizem especialistas

Painéis do primeiro dia do evento discutiram mudanças necessárias no planejamento urbano para subsidiar transporte coletivo e qualificar espaço urbano

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Foto do author Priscila Mengue

As cidades precisam ser repensadas e reconstruídas para o pós-pandemia. Em parte, essas transformações envolvem um fortalecimento do transporte coletivo e da bicicleta como meio de locomoção, mas os erros do passado não podem se repetir. Essa discussão foi um dos principais temas dos painéis do primeiro dia da programação do Summit Mobilidade Urbana, que iniciou nesta segunda-feira, 17, e segue até a sexta-feira, 21, de forma digital. A programação completa e o espaço de inscrição gratuita estão disponíveis no site summitmobilidade.estadao.com.br.

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Em um dos painéis, Marcel Porras, diretor de Sustentabilidade do Departamento de Transporte de Los Angeles comentou sobre a necessidade de repensar a lógica do planejamento urbano para que as cidades não sejam mais “carrocêntricas”, mas pensadas para integrar diferentes meios de locomoção. Como disse, é preciso “construir de novo, mas construir de novo de uma forma melhor”.

Segundo ele, investir em transporte coletivo melhora a qualidade de vida da população como um todo. A construção de auto-estradas (as “freeways”) acabaram dividindo vizinhanças, colaborando para a segregação social de bairros e se tornaram um problema em termos de segurança viária (com números considerados altos de acidentes de trânsito). 

Marcel Porras foi uma das atrações do primeiro dia do Summit Mobilidade Urbana Foto: Reprodução/Summit Mobilidade

Em Los Angeles, parte dos investimentos em melhorias nesta infraestrutura advém de novas políticas federais, que apostam nessa área como forma de avanço na sustentabilidade e de diminuição da desigualdade racial. Além disso, impostos locais também passaram a ser investidos na melhoria específica do transporte coletivo. 

Mesmo assim, ele admite que ainda há muito por fazer e esses aportes não vão “chegar perto do que precisamos” e, parte disso, envolve voltar ao que se fazia antes, quando a cidade tinha uma estrutura mais robusta de transporte coletivo. “Investimos nas nossas auto-estradas ao longo de décadas, foram um símbolo de liberdade e modernidade, mas isso veio com um custo”, disse. 

Exemplos recentes expostos pelo especialista mostram que ampliar o espaço para carros não adianta. No caso de uma rodovia de Los Angeles, a ampliação não foi capaz de reduzir os longos engarrafamentos e tempo de deslocamento, por exemplo. “Aumentar uma rodovia é como colocar uma esponja no oceano”, comparou. “Hoje o congestionamento continua lá.”

Parte dessa mudança não depende exclusivamente do investimento direto em obras viárias, mas também de novas dinâmicas de deslocamento. Porras destacou dados que mostram que uma grande maioria dos empregos hoje na região está a mais de uma hora de deslocamento da moradia da população, por exemplo.  Por isso, é preciso pensar em formas de aproximar o trabalho da moradia.

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Ele disse que as cidades latino-americanas, que tiveram um desenvolvimento também horizontal, a exemplo das norte-americanas, podem ajudar a dar exemplos para melhorias nos países vizinhos e dos Estados Unidos. Foi esse o caso dos BRTs (Bus Rapid Transit and System), nascidos em Curitiba e que foram replicados em outras cidades pelo mundo, exemplificou. 

Porras ainda falou sobre a relação de parceria com o setor privado, como em ações feitas em tantas cidades no mundo de uso de calçadas e vias para a colocação de mesas e cadeiras para reduzir a chance de transmissão da covid-19 em ambientes fechados de restaurantes, cafeterias e afins. Outro caso citado foi quando o poder público de Los Angeles procurou as empresas de carros e scooters compartilhados para voltarem a operar na pandemia.

Por fim, outro ponto destacado foi o envolvimento da comunidade no planejamento urbano. Ele destacou que inovações tecnológicas estão ocorrendo e virão ainda mais, mas que acredita que a real contribuição do poder público nessa transformação é com o trabalho de base.

Por isso, comentou sobre ações em Los Angeles em que moradores são treinados e remunerados para participar do processo de avaliação dos serviços públicos e na identificação de melhorias necessárias nas comunidades. “Estamos pagando a população pelo seu conhecimento”, disse. “É uma oportunidade de termos mais pessoas na sala para não repetir os erros do passado.”

Gestores públicos e especialistas falaram sobre transporte coletivo Foto: Summit Mobilidade/Reprodução

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Gestores públicos e especialistas discutem necessidade de repensar financiamento do transporte coletivo

O evento também contou com o painel "Tendências em Mobilidade no Mundo e no Brasil – O que fazer para ajudar o transporte público". Ele teve a participação de Alexandre Baldy, secretário de Estado dos Transportes Metropolitanos de São Paulo e ex-ministro das Cidades, Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, Edvaldo Nogueira, prefeito de Aracaju e presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Rafael Calábria, coordenador de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e Sergio Avelleda, consultor em Mobilidade Urbana e ex-secretário municipal de Mobilidade e Transportes de São Paulo.

“Como todas as pandemias da história das cidades, essa vai provocar um conjunto de modificações importantes”, comentou Paes. Ele citou o exemplo de Paris, cuja prefeitura tem a transformação da capital francesa em uma “cidade de 15 minutos”, com todos os serviços básicos próximos da moradia, como uma dos principais focos. “Alguns temas que já se debatiam antes voltaram com força, um deles é a diminuição dos deslocamentos.”

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Dentro disso, citou a necessidade de “revitalizar” os centros históricos como uma solução possível para levar uma parte da população para viver em áreas hoje pouco habitadas e que têm ampla oferta de transporte. Isso pode ocorrer, como exemplificou, com a conversão de edifícios comerciais em uso misto ou residencial. 

Já Nogueira abordou, ainda, como a pandemia mudou a lógica do dia a dia do brasileiro, caracterizada por ele como muito próxima da rua, para o trabalho, o lazer e o convívio social. “Tanto que temos um fenômeno é que é terminar o trabalho e ficar na rua, o chamado happy hour.”

Ao abordar o transporte coletivo, ele lembrou que o setor enfrenta uma crise na pandemia por depender majoritariamente da quantidade de passageiros transportados, ampliando as chances de contaminação da covid-19 da população que faz longos trajetos. “Criamos um sistema que funciona quando está cheio, quando está lotado.”

Como alternativa, ele defende uma maior participação federal nos subsídios. “A passagem é relativamente cara se compararmos com base no salário mínimo”, apontou. “Para reduzir, precisa de subsídio, mas os municípios não são capazes de financiar.”

Nesse aspecto, Calabria disse que há um “erro estrutural no financiamento dos sistemas de transporte”. Como exemplo, citou os socorros emergenciais feitos ao setor nos Estados Unidos e na Alemanha ao longo da pandemia, que exigiam contrapartidas mais sustentáveis, por exemplo. “As medidas adotadas hoje no Brasil são insuficientes.”

Já Avelleda lembrou que hoje as discussões sobre subsídios de transporte não consideram os gastos feitos nas estruturas para carros, com asfalto, sinalização e outras intervenções.Uma possibilidade de financiamento que deve ser discutida é que os usuários de carros subsidiem maiores investimentos no transporte coletivo. “Temos que discutir se é justo que o Seu José que mora em Guaianazes (extremo leste de São Paulo) pague IPTU e ISS para financiar asfalto.”

Ele destacou que o transporte coletivo é o principal modo que consegue atender à demanda. “Não tem carro autônomo que transporte milhares de pessoas por hora. Só metrô, BRT, ônibus com faixa exclusiva”, alegou. “Precisamos desenhar cidades que reduzam o tempo de deslocamento, e que transporte coletivo sejaa espinha dorsal.”

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Baldy, por sua vez, lembrou que a estrutura de transporte de grandes regiões metropolitanas como a de São Paulo não foram planejadas para lidar com uma realidade como a atual. Ele chegou a exemplificar que uma plataforma de estações paulistas de metrô não permite a manutenção do distanciamento social de 1,5 metro e, que por isso, é possível apenas investir em outras medidas para redução de chances de transmissão, como ampliação da higienização, uso de produtos mais eficientes e recomendação do escalonamento do horário de trabalho no setor privado.

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