Doses da ‘xepa’ respondem por 88% das vacinas contra a covid-19 aplicadas em bebês em São Paulo

Procura pelo imunizante é baixa entre o público-alvo de crianças de 6 meses a 2 anos com comorbidades; situação leva prefeitura a fazer busca ativa para ampliar cobertura vacinal

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Por Caio Possati

Quase 88% das doses da vacina contra a covid-19 aplicadas até agora em crianças de 6 meses a 2 anos na cidade de São Paulo foram direcionadas para bebês fora do grupo prioritário, por meio de doses remanescentes - a chamada “xepa da vacina”.

Atualmente, as vacinas pediátricas indicadas para essa faixa etária (Pfizer Baby) estão disponíveis somente para crianças com comorbidade, imunossuprimidas ou indígenas, mas, diante da baixa procura por esse público, a Secretaria Municipal da Saúde redireciona doses que sobram no fim de cada dia nos postos de saúde para o público geral inscrito em uma fila de espera. Isso porque, após um frasco ser aberto, a vacina precisa ser utilizada em poucas horas e, caso não seja, as doses são descartadas.

Na cidade de São Paulo, apenas 12% das vacinas Pfizer Baby aplicadas são destinadas às crianças do público-alvo da campanha, iniciada há mais de um mês na capital paulista Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO (17/11/2022)

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De acordo com a Prefeitura, 16.355 doses foram administradas para a faixa etária até a última terça, 19. Deste total, apenas 2.017 (12,3%) se destinaram às crianças que integram o público elegível, enquanto as demais 14.338 doses (87,7%) foram aplicadas nos menores sem comorbidades.

O baixo índice de cobertura vacinal entre o público-alvo da campanha (25,8% do total de 7,8 mil crianças que se enquadram nos grupos prioritários) fez a Prefeitura iniciar uma ação de busca ativa na terça-feira para ampliar a cobertura contra o coronavírus. O objetivo da Secretaria da Saúde do município é imunizar todas crianças elegíveis que estão aptas a receber a dose.

Essa procura pelos pequenos não imunizados será feita, segundo a pasta, por meio de visitas domiciliares e por ligação telefônica, que pode variar “de acordo com as estratégias adotadas pelas unidades (de saúde)”. O Executivo afirmou que a pasta “dispõe de doses suficientes contra a covid-19 para imunizar o público elegível.”

A campanha de vacinação pediátrica para bebês e crianças até 2 anos começou a ser feita no Brasil há pouco mais de um mês. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já tinha liberado o uso da distribuição do imunizante em setembro, mas o Ministério da Saúde limitou o uso do produto apenas para crianças com comorbidades.

Conforme a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), 364.439 pessoas entre seis meses e menores de 3 anos vivem na cidade de São Paulo. Os poucos mais de 16 mil imunizados que se encontram nesta faixa etária representam apenas 4,1% do público infantil da capital paulista que tem direito à vacina.

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Não há previsão ainda, por parte da Prefeitura, de quando os imunizantes serão liberados para todas as crianças de forma irrestrita. Outras cidades paulistas, como Campinas, Cotia e Cubatão, já estenderam a vacinação para todo público infantil entre 6 meses e menores de três anos. Na última segunda-feira, 19, o governo de Minas Gerais também liberou todos os municípios do Estado a distribuir o imunizante sem restrição.

Falta de doses

Para Raquel Stucchi, infectologista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a baixa adesão do público elegível já era esperada por conta da dificuldade de ter, na faixa etária, diagnósticos que comprovem alguma comorbidade nas crianças. A especialista lembra também que a estratégia de vacinar grupos prioritários é consequência da baixa quantidade de doses compradas pelo governo federal.

“A regra de (vacinar) crianças com comorbidade é porque o Ministério da Saúde não comprou doses suficientes para vacinar todos nessa faixa etária”, diz. Além da falta de vacina, Raquel explica também que há famílias que desconfiam da importância do imunizante para os pequenos de saúde mais fragilizada.

“Mesmo aquelas que se encaixam (no público elegível), que tenham algum grau de imunossupressão, como as crianças oncológicas, os país têm dúvidas sobre o benefício da vacinação”, diz a infectologista, que reafirma a eficácia e segurança das vacinas contra a covid-19 e defende que o poder público incentive e conscientize a população sobre a importância do imunizante. “Falta um esclarecimento por parte dos gestores públicos, e dos médicos que cuidam dessas crianças, sobre a importância da vacinação e qual o impacto da covid-19 nesse público.”

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De acordo com diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, a medida de vacinar apenas os bebês e crianças com comorbidades é “equivocada e ineficaz”, porque leva ao envio dos imunizantes apenas para os grandes centros, onde há maior concentração do público elegível. “A vacinação tem que ser para todos”, afirma.

“Não tem outra saída que não seja a compra de vacinas. Tem que ter vacina para todos, ainda mais para um imunizante que exige aplicação de três doses”, diz Kfouri, que critica o governo federal por não ter incentivado a vacinação infantil contra a covid no Brasil: “Pelo contrário. Só criou barreiras que levaram a um clima de desconfiança no País em relação ao imunizante.”

O esquema de vacina com a Pfizer Baby contempla três aplicações, cujos intervalo entre as doses são de quatro semanas entre a primeira e a segunda, e de oito semanas entre a terceira e a segunda. Os bebês e crianças podem continuar recebendo outros tipos de vacinas durante o processo de imunização contra a covid-19.

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Assim como Raquel Stucchi, Renato Kfouri entende que o caminho para aumentar a proteção contra a covid em crianças é pelo aumento de aquisição de doses e também por meio de campanhas de conscientização que possam “informar a população sobre os benefícios, da segurança e da necessidade de vacinação das crianças.”

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que a pasta está em processo de aquisição de mais doses da vacina Pfizer Baby com previsão de entrega para o mês de janeiro, sem detalhar quantidade e data de envio de mais vacinas aos Estados. Desde a aprovação do produto pela Anvisa, em setembro, o governo federal comprou 1 milhão de doses e destinou 206 mil para o Estado de São Paulo.

A Secretaria da Saúde de São Paulo informou que o Estado tem 195 mil crianças no grupo prioritário e 1,5 milhão de pessoas dentro da faixa etária da campanha somando o público infantil com e sem comorbidades. Conforme os dados da pasta, 39,2 mil crianças foram imunizadas com Pfizer Baby até o momento, mas não especificou quantas das aplicações foram destinadas ao público-alvo e quantas foram doses remanescentes.

“Considerando a necessidade de três doses do imunizante, a pasta estadual havia solicitado ao Ministério da Saúde 615 mil doses”, informou a secretaria, por meio de nota. “Com o quantitativo enviado (206 mil doses), será possível imunizar apenas 68 mil crianças”, completou.

Onde se vacinar

A Prefeitura de São Paulo informa que população pode inscrever crianças sem comorbidades para receber as doses remanescentes da Pfizer Baby. O cadastro deve ser realizado nas unidades de saúde de referência da residência de cada família e mediante apresentação do comprovante de endereço da capital.

As vacinas estão sendo aplicadas em todas as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e Assistências Médicas Ambulatoriais (AMAs)/UBSs Integradas, das 7h às 19h. No sábado, a vacinação ocorre nas AMAs/UBSs Integradas, das 7h às 19h. Os endereços das unidades podem ser encontrados no site da Prefeitura de São Paulo, por meio da página Vacina Sampa.

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