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Parkinson: Faltam evidências robustas para ligar maconha medicinal ao controle de sintomas

Estudos pequenos indicam possíveis benefícios do canabidiol, substância presente na planta, no tratamento da doença; mas ainda não é hora de indicá-la com esse objetivo, dizem especialistas

Foto do author Leon Ferrari
Por Leon Ferrari

O deputado estadual Eduardo Suplicy (PT), 82 anos, revelou nesta terça-feira, 19, que foi diagnosticado com Parkinson no fim de 2022. Além do tratamento convencional, o parlamentar informou que faz uso de canabidiol (também conhecido como CDB), substância presente na planta da maconha (Cannabis sativa), como complemento.

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A prática é considerada ‘off-label’, um termo que diz respeito a remédios que são usados fora de suas indicações originais. Embora haja mais consenso sobre o uso do canabidiol por pacientes com epilepsias que não respondem a medicações convencionais (epilepsia refratária) e no alívio de efeitos colaterais da quimioterapia, faltam evidências robustas no caso do Parkinson.

Estudos pré-clínicos (que não são feitos com seres humanos) e alguns clínicos já mostraram resultados favoráveis dos derivados da maconha no tratamento de certos sintomas do Parkinson, mas eles não bastam para endossar uma prescrição mais ampla para os pacientes. Por isso, mais pesquisas precisam ser feitas. Especialistas ouvidos pelo Estadão frisam que o tratamento para essa doença neurodegenerativa é multidisciplinar, e envolve desde medicações para repor dopamina até reabilitação física, e, em alguns casos, cirurgia.

Segundo o neurologista Rubens Gisbert Cury, vice-coordenador do Departamento Científico de Transtornos do Movimento da Associação Brasileira de Neurologia (ABN) e professor live docente da USP, há estudos em andamento para encontrar soluções contra sintomas da doença, como ansiedade, dor e prejuízos no sono. E o canabidiol (CBD) de fato está entre as substâncias analisadas. “Mas, como são estudos pequenos, os resultados ainda não permitem o uso cotidiano e rotineiro desses remédios”, frisa o médico.

Trabalhador checa cannabis em estudo de Cantanhede, em Portugal Foto: Rafael Marchante/Reuters

O que é a doença de Parkinson?

O Parkinson é uma doença neurodegenerativa e tem, principalmente, manifestações motoras, como tremores, lentidão de movimentos, rigidez muscular, desequilíbrio, alterações na fala e na escrita, conforme o Ministério da Saúde.

Cury explica que o quadro está relacionado à diminuição do neurotransmissor dopamina na substância negra do cérebro. “A dopamina é o grande maestro dos nossos movimentos”, resume. O processo degenerativo é acarretado principalmente por causa do acúmulo de uma proteína defeituosa.

Qual é o tratamento da doença de Parkinson?

Atualmente, o tratamento da doença consiste no uso de medicamentos que recompõe a dopamina no cérebro (a levadopa é o mais conhecido deles) e na reabilitação física, que inclui exercícios e muitas vezes um trabalho de fonoaudiologia. Em alguns casos, existe a possibilidade de recorrer a uma cirurgia.

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O Parkinson é uma doença progressiva, ou seja, a produção de dopamina cai conforme o tempo. O Ministério da Saúde destaca que a grande barreira para o desenvolvimento de uma cura para a doença está no fato de que, ao contrário do que ocorre no restante do organismo, as células do cérebro não se renovam.

“Sabemos que, no longo prazo, depois de cinco a 10 anos, não é possível tratar a doença só com recomposição de dopamina”, explica Cury. Isso tem a ver com a progressão da doença. Na prática, a produção de dopamina cai tanto depois desse tempo, que a medicação não acompanha mais o processo. E aumentar a dose deixa de ser uma possibilidade porque levaria a efeitos colaterais muito intensos.

A partir daí, o médico vai prescrever outros remédios para auxiliar no tratamento.

O que é o canabidiol?

Leandro Ramires, mastologista e presidente da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (AMA-ME), explica que a parte da maconha que interessa para fins terapêuticos é a flor da planta fêmea.

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Dela, são extraídos os fitocanabinoides, sendo que há mais de 140 deles. Para tratar sintomas do Parkinson, conta, são estudados principalmente o canabidiol (CBD), o THC e o cannabigerol (CBG).

O que a ciência diz sobre o tratamento de Parkinson com canabidiol?

Em 2019, o farmacólogo Rafael Guimarães dos Santos, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) publicou, junto aos pesquisadores Jaime Hallak e José Alexandre Cripp, uma revisão da literatura sobre o uso do canabidiol (CBD) no tratamento de sintomas do Parkinson. “Embora a substância tenha demonstrado resultados favoráveis tanto em estudos pré-clínicos como em estudos clínicos, essas evidências ainda não são suficientes para indicar o uso desse canabinóide em pacientes com Parkinson. Novos estudos controlados devem ser realizados com diferentes dosagens de CBD para replicar esses dados”, concluíram no artigo, que foi publicado na Revista de Medicina da USP.

“Aqui na USP conduzimos alguns estudos, únicos do mundo inclusive, que mostram que o canabidiol pode ter efeito antipsicótico”, conta. Isso é importante porque há pacientes com Parkinson que podem ter psicose, ansiedade, além de problemas de cognição e sono. Mas ele reforça: “Ainda não há trabalhos clínicos suficientes pra registrar o canabidiol como uma medicação para o Parkinson de forma específica”, reforça.

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Cury destaca que, para que isso seja possível, os estudos precisam ultrapassar as dezenas de pacientes humanos, que é o que a literatura científica sobre o assunto dispõe hoje, além de representarem a população como um todo e contar com comparação entre grupos que recebem a substância e aqueles que ficam com o placebo.

Ramires destaca que o preconceito e as características da própria cannabis dificultam o desenrolar dessas pesquisas. “É muito difícil fazer um estudo clínico para avaliar uma planta”, comenta, lembrando que ela está sujeita a condições do meio ambiente, que influenciam em seu ciclo de vida.

Médicos podem receitar de forma off-label?

Alguns profissionais receitam o canabidiol no tratamento para a doença com base em evidências preliminares, apesar de ele não ser considerado um medicamento de “primeira linha”, diz Santos.

Os derivados da maconha aparecem, então, como uma possibilidade de complemento ao tratamento convencional. “A cannabis é uma boa alternativa, mas, assim como a medicação alopática (remédios que atacam a causa de uma doença), não promove a cura da doença”, afirma Ramires. Ele conta que, em seu consultório, onde receita produtos derivados da cannabis, o Parkinson é a quinta causa que mais faz pacientes procurá-lo.

Em 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) criou, temporariamente, uma classe de registro alternativa à de medicações denominada de produtos de cannabis. O objetivo da agência é permitir que os produtos cheguem mais rapidamente aos pacientes com prescrição de uso, enquanto os estudos para demonstrar eficácia e segurança são concluídos.

Na recomendação, a agência destaca que os médicos que decidirem fazer a prescrição off-label devem informar ao paciente sobre os possíveis riscos à saúde envolvidos, a condição regulatória, os efeitos adversos e os cuidados na utilização.

Santos diz que os efeitos adversos do canabidiol são “bem tolerados”. Eles podem incluir náusea e mal-estar gastrointestinal, por exemplo. Os especialistas ouvidos pelo Estadão frisam os riscos da automedicação e a necessidade do acompanhamento médico.

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